PANDEMMY





Eis uma banda que, desde a sua formação, lá em 2009, sempre esteve ativa, persistindo no meio Underground, divulgando sua música e sua mensagem, através dessa mesma música, sem se curvar aos percalços. Durante todo o seu período de atividades, o Pandemmy passou por diversas formações, o que não foi capaz de parar sua caminhada ou até mesmo mudar a sua atitude, seja como banda ou como pessoas. Liderada por Pedro Valença (guitarra), membro fundador da banda, e que tem ao seu lado o vocalista/guitarrista Guilherme Silva desde 2014, a banda recentemente lançou seu quarto álbum de estúdio, “Faithless”. Esse álbum foi criado durante momentos sombrios dos nossos tempos atuais (pandemia, caos governamental) e sua lírica reflete o momento no qual foi concebido. Sobre o álbum, entre outros temas, o Pandemmy respondeu a mais uma entrevista para o Recife Metal Law. Ah, não devo esquece de mencionar que a banda, hoje, é complementada por Aquiles Albino (baixo) e Iago Pedro (bateria).


Recife Metal Law - Tudo ao nosso redor é mutável. Isso não seria diferente numa banda de Heavy Metal, ainda mais uma banda Underground. Pandemmy, mais uma vez, passou por mudanças em sua formação. O que essas novas mudanças trouxeram de benefícios e malefícios para a banda?
Pedro Valença –
Eu e Guilherme (Silva – guitarra e vocal) estamos lançando nosso terceiro álbum juntos. Diria que nossa parceria tem sido o eixo criativo da banda desde a entrada dele, em 2014. Recentemente mudamos a cozinha do Pandemmy. Os benefícios serão uma nova abordagem no baixo e na bateria. Nada que descaracterize nossa identidade musical, obviamente. Acredito que os malefícios são o retrabalho em ensinar as músicas, a pesquisa por novos membros, a perda de shows por não estar com a formação completa.
Guilherme Silva – Um dos maiores benefícios é o aprendizado ao lidar com os diversos músicos que estiveram na banda durante todo esse período. Com o passar do tempo, você vai amadurecendo a maneira de se relacionar e vai percebendo o que funciona e não funciona na relação entre membros de uma banda, desde a pré-produção de um disco até à preparação para os shows.

Recife Metal Law - Do “Subversive Need”, lançado em 2020, permaneceram Guilherme Silva (guitarra/vocal) e o fundador Pedro Valença (guitarra). Esses dois membros foram responsáveis por compor toda a parte musical do novo álbum, “Faithless”. Já a parte lírica foi toda composta por Pedro. Primeiramente falando sobre a parte musical, foi mais fácil trabalhar como dupla para compor esse disco?
Pedro –
Tem sido assim desde o lançamento do nosso segundo álbum, “Rise of a New Strike”, em 2016. Tivemos contribuições pontuais do nosso ex-baixista. Aquiles Albino, nosso atual condutor dos graves, já sabe que tem total liberdade para colaborar no material novo. Eu e Guilherme temos estilos diferentes, mas conseguimos lapidar nossas ideias sem maiores conflitos. Não há orgulho entre nós dois, pensamos no produto final, mesmo que para isso demande meses para terminarmos uma composição.
Guilherme – A parceria com Pedro já se tornou um processo bem evoluído e fluido, conseguimos colaborar com a ideia um do outro com facilidade. Apesar das influências um pouco distintas, já desenvolvemos uma sonoridade em conjunto que imprime a identidade atual do Pandemmy. Será um prazer poder somar a essa identidade as ideias de Iago e Aquiles em futuras composições.

Recife Metal Law - A cada disco lançado, a banda mostra sempre um amadurecimento e com “Faithless” não foi diferente. O Death/Thrash Metal ainda é o “carro-chefe”, porém esse novo disco apresenta, ainda mais, uma riqueza musical interessante. Apresentar uma musicalidade cheia de pormenores é proposital, visando dificultar que a banda seja rotulada?
Pedro –
Já estamos há quinze anos produzindo e lançando nossas músicas. Quando a banda começou ninguém entendia de gravação, pré-produção, etc. Mas atualmente estamos mais experientes nesse quesito, então fica mais fácil estender nosso horizonte de ideias. Os detalhes vêm naturalmente; alguns arranjos são pensados antes e outros surgem praticamente na gravação final ou na pós-produção. Gostamos do rótulo Death & Thrash Metal, mas, definitivamente, não é só isso que qualquer amante de Heavy Metal encontrará em nossos álbuns. Falando por mim, eu sempre busco a minha evolução natural como compositor e não se repetir sem se descaracterizar é o maior dos desafios.
Guilherme – Apesar de termos nossa impressão digital calcada no Death e no Thrash Metal, nós consumimos música de outras vertentes do Metal e até da música, de modo geral. Acaba sendo algo natural a aparição de características de outros estilos em nossas composições, uma vez que não nos limitamos nas barreiras do Death/Thrash Metal. Fazer essa mistura do nosso jeito se tornou como um tempero nas composições do Pandemmy.

Recife Metal Law - Mesmo com todas as nuances musicais apresentadas no novo disco, o Death Metal se faz presente, assim como o Thrash Metal, como bem ouvido na faixa de abertura, “The Shadow” (iniciada de forma acústica e com um refrão mais melódico) e “Every War Needs a God”, esta com algo que me remeteu a atual linha musical do Torture Squad e com adição de algumas linhas de teclados. Vocês procuram inspiração em algo ou alguma banda para compor as músicas do Pandemmy?
Pedro –
É muito curioso e engraçado quando comentam sobre “Every War Needs a God”, porque não é a primeira pessoa que faz esse vínculo com a atual fase do Torture Squad. Eu gosto do bastante do Torture Squad, mas não dessa fase atual, com todo respeito ao trabalho deles, que são um dos primórdios do Death/Thrash Metal brasileiro. A inspiração vem das bandas clássicas que ouvimos, como Carcass, Sepultura (‘old’), Kreator, Death, misturado com o que estamos ouvindo atualmente. Refletindo sobre isso esses dias, há bandas que escutei muito nos anos 2000 que praticamente não ouço mais. Isso acaba refletindo também. E outro detalhe é o vocal gutural de Guilherme. Muitas pessoas falam que o timbre dele é semelhante ao do Victor Rodrigues (NativeBlood, ex-Torture Squad). Um baita elogio, concorda?!
Guilherme – Falando por mim, dificilmente essa intenção ocorre. Quando me surge alguma ideia de música, na maioria das vezes, estou com a guitarra de bobeira, seja em meu estúdio praticando algo, ou em casa, ou ensaiando com o Pandemmy. Procuro sempre deixar a mente livre para fluir ideias que tenham mais a cara da banda, seja partindo de um riff, melodia, levada de batera ou linha vocal. Acho que vai muito de quem está apreciando o nosso som acabar identificando algumas nuances e atribuindo as semelhanças. Todavia, é massa ouvir esses feedbacks, pois nem sempre a gente estava na ideia de soar de tal forma.

Recife Metal Law - Estou ouvindo o álbum neste momento (mais uma vez) e toda vez que escuto o solo contido “This Land Will Never Disappear” eu me impressiono! Solo fantástico!
Pedro –
Obrigado pelo elogio! Eu sempre tento incluir mais solos de guitarra, gosto dessa intenção meio Slayer ou Deicide que preenche muitos riffs e bases com solos. Guilherme e eu temos escolas distintas de aprendizado musical, e nesses trechos em que alternamos solos fica bem evidente. Estamos praticando essa música no momento, pois ela estará no repertório dos próximos shows.

Recife Metal Law - Ouvimos algumas músicas em mid-tempo, com andamentos densos, pausados, como, por exemplo, “Fatal Choice”. Não que isso seja uma grande novidade na sonoridade de vocês, porém fazer músicas com essa ‘levada’ é algo que será mais usado por vocês em próximos lançamentos?
Pedro –
Todos os nossos álbuns têm canções mais violentas intercaladas por composições mid-tempo. Eu acho que facilita a audição de um álbum. Eu sou um apreciador de álbuns, não consigo ouvir playlists com bandas diferentes. Isso raramente me ocorre. Então sempre penso no álbum quando componho. “Fatal Choice” é um faixa que mantém nossa agressividade com um andamento mais cadenciado, mais ‘headbanging’.
Guilherme – Particularmente, eu tenho algumas influências no Death Metal como o Obituary, Carcass, Brutality, que têm bastante músicas mid-tempo, cadenciadas e eu acho incrível a maneira que elas conseguem soar pesadas sem precisar de um riff rápido em cima de um ‘blast beat’. Sempre gostamos de explorar essa sonoridade um pouco mais arrastada e densa simultaneamente para mostrar que o peso está mais na ideia da composição do que na velocidade.

Recife Metal Law - Liricamente, a banda está ainda mais contundente no que se propõe a dizer, não restando dúvidas de qual lado o Pandemmy está. “Mostrar o lado” foi necessário, após um período sombrio, agravado por uma pandemia terrível e um (des) governo no mesmo nível?
Pedro –
Para nós foi necessário. Numa situação limite em que há uma extrema direita nos governando da pior forma possível, colocando em risco nossas vidas (como vimos na pandemia), ficar em cima do muro não era um caminho. Nina Simone dizia que a música reflete o tempo em que for criada, então estamos do lado que combatia esse discurso neofascista que tristemente ainda perdura em nosso país.

Recife Metal Law - Falando em (des) governo, esse disco traz, pela primeira vez, uma música totalmente em português. Por que “Manifesto (Antifascista)” precisou de uma letra em português? E a letra em português foi o que fez a música apresentar uma ‘pegada’ mais Hardcore?
Pedro –
Já era um desejo nosso ter uma música inteiramente em português. Deu certo em “Xenophobia” (música do álbum “Subversive Need” – 2020), onde tínhamos metade da letra em inglês e metade em português. “Manifesto (Antifascista)” é o recado mais direto que podemos externar sobre esse momento terrível, não só no Brasil, mas em todo ocidente. A letra é muito inspirada nos livros do sociólogo Jessé Souza e o instrumental é uma espécie de homenagem aos meus saudosos amigos Fabiano Penna e Lohy Silveira, que integraram em vida o Rebaelliun. Aquele final mais extremo e caótico, com solos de guitarra é muito influenciado pelo trabalho musical deles. Jamais serão esquecidos.

Recife Metal Law - Vocês usaram alguns samplers em algumas músicas... Uma rádio sendo sintonizada em “Every War Needs a God”; Cantos de torcida de futebol em “This Land Will Never Disappear”; “Manifesto (Antifascista)”, no seu fim, traz um “coro ‘elogiando’ o presidente (do Brasil) anterior”... Qual a razão para inserir essas “trilhas incidentais”?
Pedro –
Isso é o “tempero” da obra (álbum). Esses elementos sonoros, não instrumentais, despertam curiosidade e diversos sentimentos porque estão conectados com a temática lírica de cada música em que estão inseridos. É uma honra para nós termos uma fala de Noam Chomsky na introdução de “Every War Needs a God”, assim como o coro em apoio a Palestina da torcida do Raja Casablanca do Marrocos. Isso agrega uma marca temporal nas músicas.

Recife Metal Law - “Orphaned Land Never Existed” traz um discurso árabe, o qual foi musicado pela banda. De onde foi retirado esse discurso árabe?
Pedro –
Essa fala em árabe entrou no disco na reta final da mixagem. Eu escrevi um texto e pedi para um professor de Árabe traduzi-lo e gravar ele mesmo falando. Por ser descendente e apoiador da Causa Palestina, ficou perfeito, porque ele falou com raiva e indignação. Tentei alguns discursos de Yasser Arafat (maior líder da resistência Palestina) ou da Ahed Tamimi (jovem liderança da Causa), mas não ficaram legais. Então foi algo original. A tradução dele está num comentário fixado no vídeo desta música em nosso canal do YouTube.

Recife Metal Law - O disco traz dois covers: um para “World Beyond” do Kreator e outro, surpreendentemente, para uma banda pernambucana, Inner Demons Rise: “Mina (“The Curse’s Rise)”. Falemos logo sobre o cover da conterrânea Inner Demons Rise... de onde surgiu a ideia de fazer um cover para uma música da banda?
Pedro –
É minha banda preferida de todos os tempos do Metal pernambucano. As duas bandas surgiram no mesmo período; pude ir a diversos shows do Inner Demons Rise e “Mina” é uma música muito marcante. Essas faixas bônus só poderão ser ouvidas no YouTube ou para quem comprar a versão física do álbum. Em 2016 fizemos o mesmo com “Ecce Homo” do Decomposed God. Fazer uma releitura do Metal pernambucano é uma forma de homenagear nossa cena.

Recife Metal Law - Com relação ao cover para “World Beyond” do Kreator, tem a ver com a letra da música ou com o posicionamento político de Mille?
Pedro –
Essa escolha foi de Guilherme, ele é a melhor pessoa para explicar. Quando ele me sugeriu, eu não lembrava dela, mas, ao ouvir, achei perfeita. Kreator é uma banda que nós dois curtimos muito. Uma ótima oportunidade de honrar uma das grandes influências musicais e políticas também.
Guilherme – O disco “Coma of Souls” está no meu ‘top 5’ de discos de Thrash Metal, sempre foi uma vontade minha fazer uma releitura de alguma de suas faixas. O Kreator, além de ser uma grande influência em comum, como Pedro citou, a letra e a sonoridade da “World Beyond” combinou perfeitamente com o sentimento do nosso disco “Faithless”.

Recife Metal Law - Achei a arte da capa muito bonita. Tal arte ficou a cargo da Juh Leidl Art. Vocês queriam algo em específico, que tivesse ligação com o título do álbum e as letras ou o artista ficou livre para criar?
Pedro –
As duas coisas. Eu sou filho de uma professora de artes; conheço algumas pessoas no meio artístico, seja arte digital, seja fotografia. Acho importante o artista ter sua liberdade. Eu tinha uma referência visual e o conceito, que expliquei para a Juh numa chamada de vídeo. A ilustração surgiu disso, foi obra da Juh Leidl. Ficamos muito satisfeitos! E também era uma vontade minha fazer uma arte gráfica com uma artista mulher. Fala-se tanto em ampliar a participação das mulheres na cena... Até então só tínhamos feito fotos promocionais com fotógrafas. Quem sabe na próxima não mixamos o álbum com uma produtora musical?

Recife Metal Law - Pandemmy nunca escondeu seu posicionamento, como falei acima, inclusive, neste álbum, há uma dedicatória aos palestinos, além de algumas letras criticar, abertamente, “guerras santas”, Israel e sua matança desenfreada. Alguns desinformados, ainda mais no Brasil, ligam a Palestina a grupos terroristas. Qual a mensagem de vocês a esse tipo de gente, que faz esse tipo de ligação?
Pedro –
Ou são pessoas muito desinformadas, ou são pessoas xenófobas (influenciadas pela visão de mundo ocidental, liderada pelo império estadunidense). Eu posso ter divergências culturais e sociais com grupos e regimes islâmicos, mas jamais vou classificá-los de terroristas quando, na verdade, são grupos de resistência que lutam não só por sua vida, mas pelo futuro de sua nação e do seu povo. O inimigo número 1 é o imperialismo ocidental, que coloniza, explora, expropria, humilha, tortura e mata os povos da América do Sul, África e Ásia. Tem sido assim há séculos. Só que o Sul Global é mais populoso, tem habilidades científicas equiparadas com o “Velho Mundo” e agora está se unindo por um ideal global mais igualitário.

Recife Metal Law - O título do álbum, traduzido, é “Infiel”. Qual a razão para a escolha desse título?
Pedro –
“Infiel” não é a única tradução para “Faithless”. O sentido que atribuímos ao título do álbum é da ausência de fé, sentimento comum que todos passamos durante a pandemia do coronavírus. “Infiel” também se encaixa, quando esta fidelidade está relacionada a fé cristã ou humanista, num período tão terrível.
Guilherme – A escolha desse título foi feita a fim de transmitir um pouco da sensação distópica e amarga que o período pós-pandemia nos deixou.

Recife Metal Law – O novo álbum, lançado inicialmente de forma digital, também ganhou uma versão física. Qual a importância do lançamento em CD?
Pedro –
Já contamos com as cópias físicas. Elas chegaram em novembro de 2024. É cada vez mais difícil lançar material físico e por isso a importância de todos apoiarem o Underground nacional comprando o merchandise das bandas. Quem quiser adquirir, é só entrar em contato através das nossas redes sociais (Instagram/Facebook).

Recife Metal Law - O show de lançamento do novo álbum ocorreu no início deste ano, em João Pessoa/PB, porém o próximo show de vocês se dará na terra natal, Recife, abrindo para o Rotting Christ. Quais as principais expectativas para esse show?
Pedro -
Será o retorno aos palcos de Recife desde setembro de 2023. Faz tempo que não tocamos em nossa cidade natal. E é uma das nossas apresentações mais importantes. Talvez desde 2017, quando participamos do ‘cast’ do “Hellcifest”, ao lado da Warcursed, Abbath e Amon Amarth. Nossas expectativas são positivas, vamos lançar “Faithless” numa ocasião muito especial.

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Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação