Evento: Hellcifest 2015
Data: 14/11/2015
Local: Clube Português do Recife. Recife/PE
Bandas: - Vocífera (Death/Thrash Metal – PE) - Decomposed God (Death Metal – PE) - Cannibal Corpse (Death Metal – EUA) - Testament (Thrash Metal – EUA)
O Festival Hellcifest já vinha tomando forma faz algum tempo, até que, em 2015, a sua primeira edição deu ‘as caras’. De início, por se tratar de um festival, eu achei que viria com muitas bandas, de diversos estilos e de vários lugares, mas a alta do dólar (para trazer bandas de fora do país) não ajuda os produtores a colocar em prática um formato com muitas bandas. Mesmo assim, com o anúncio de duas lendas do Metal mundial, todas as atenções se voltaram para elas.
O anúncio de que o Cannibal Corpse e o Testament fariam parte do fest causou um impacto forte no meio Heavy Metal pernambucano, que sempre mostrou força ao passar dos anos, mesmo que em alguns períodos passe por turbulências e ‘passeie numa montanha-russa’. Como era um festival, obviamente se esperava o anúncio de mais bandas, principalmente de bandas de Pernambuco. E o Estado foi representado pela lendária Decomposed God e pela emergente Vocífera.
Pronto! O ‘cast’ para a primeira edição estava formado e com ele veio o anúncio dos valores dos ingressos. Esse ponto foi o que mais obteve reclamações, pois muitos diziam que os preços estavam muito altos. Por um lado as reclamações tinham fundamento, e isso fez com que muitas pessoas deixassem de comparecer ao evento, inclusive algumas dessas pessoas eram amigos meus. Por outro lado todos nós sabemos que eventos relacionados ao Heavy Metal e suas vertentes não contam com apoio – ou quando conta é bem pouco – e isso encarece, sim, todos os custos da produção (cachê das bandas, segurança, divulgação, locação do espaço, etc.), que, infelizmente tem que ser repassado para o público. Mesmo com todos esses fatores, um bom público era esperado.
O local escolhido para a primeira edição do Hellcifest foi o Clube Português do Recife, local esse que já abrigou shows como o do Megadeth e do Possessed, só para citar dois. De fácil localização e com espaço bem amplo. A acústica é que não é das melhores e um mesário que ‘entenda do riscado’ é sempre bem vindo para deixar a sonorização com uma qualidade que não afete o desempenho da banda. Pena que não foi assim para todas as bandas participantes do festival...
Chego ao local por volta das 19h00 e observei que já havia uma boa movimentação de ‘camisas pretas’. Obviamente, Headbangers de vários locais estavam ao redor do Clube Português, vindo de alguns Estados vizinhos e, claro, de cidades do interior de Pernambuco. Alguns não perderam tempo e trataram logo de entrar. Eu, bem esfomeado, procurei logo comer algo no lado de fora antes de adentrar ao Clube Português, mas não me demorei e fui logo ver o credenciamento. Sem filas ou alvoroço, tudo correu de forma tranquila.
No recinto, alguns bangers já se faziam presentes, seja já na frente do palco ou procurando por algum merchandising. Merchandising disponível, pessoal conferindo, mas nem todos com ‘coragem’ de comprar. Até que os preços, em se tratando de material advindo de outro país, estava com um valor dentro do esperado.
Os shows estavam marcados para ter início às 20h00, e...
Às 20h00 o quinteto pernambucano Vocífera – formado por Erika Mota e Lidiane Pereira (guitarras), Eveline Torres (baixo), Ray Torres (vocal) e Marcella Tiné (bateria) – dá início a sua apresentação. As duas novatas – a vocalista Ray e a baixista Eveline – se mostraram um pouco tímidas, de início, sem muita movimentação, algo que era de se esperar, para um primeiro show das meninas. Ray não fugiu do que era feito pela antiga vocalista, Ângela, alternando vocais fortes, passando pelo ríspido/gritado e com inserções de vocalizações mais guturais. Mesmo carecendo se soltar um pouco mais, Ray, fez um bom trabalho e que tende a melhorar, em palco, com mais shows. Agora falando sobre a sonorização, a meu ver/ouvir, estava bem abaixo do esperado, já que o instrumental estava muito embolado, e audível mesmo só a bateria e o vocal. Mesmo assim as garotas mostraram profissionalismo e um ‘set’ forte, apesar de curto. Ao todo foram sete músicas (“All Pain”, “Hypocrisy”, “Sadism”, “All Evil for Your Majesty”, “Trapped”, “Corruption” e “In the End of the Times”), em cerca de meia hora, que cumpriram a sua meta de dar início aos shows e aquecer o público que já se encontrava presente. Isso só demonstra que a Vocífera tem por objetivo ser um diferencial não só por ser um grupo formado por mulheres, mas por mostrar personalidade e uma sonoridade forte.
Depois do primeiro show, o já contumaz intervalo para arrumação de palco e para o público aproveitar para tomar uma cerveja, ou até mesmo trocar uma ideia com os demais presentes. Público que a essa altura já estava num bom número, com a casa bem movimentada, porém se esperando ainda mais, já que uma boa parte deixa para entrar perto dos shows das principais bandas.
Não demorou para que o Decomposed God adentrasse ao palco. A banda passou uma temporada sem se apresentar ao vivo, devido a problemas na formação e ao afastamento do baixista Jean Marcel, para tratamento de saúde. Jean voltou, muito bem, para a banda e mostrou em palco uma energia ainda maior do que outrora. Na verdade, toda a banda estava muito bem e, além de marcar o retorno do Decomposed God aos palcos, do Jean, outros velhos conhecidos do Underground pernambucano e do próprio Decomposed God, estavam de volta: Luizão Tattoo (vocal e que já havia participado da banda fazendo alguns shows ao vivo no início dos anos 2000) e Wagner Oliveira (bateria). Esse retorno bem que merecia um som melhor, afinal, após o primeiro show, não houve uma melhora na sonorização, ou seja, novamente um som embolado saía dos falantes e para uma banda como o Decomposed God isso não é uma boa. Sei que muitos dos presentes conhecem a banda e sons como “Bestiality”, “Impregnated God of Lies” e “No Gods”, tocadas com uma fúria impiedosa, mas que não eram ouvidas com clareza. Uma pena mesmo, já que de audível, como no show anterior, apenas vocal e bateria e, por algumas vezes, algumas linhas de guitarra de Marco Antonio e seus solos. O baixo ficou audível em alguns momentos, também, mas audível mesmo quando Jean fez um solo, bem preciso, devo dizer. Porém deu para perceber que uma pequena parte do público agitava bastante, arriscando algumas rodas de mosh. No ‘set list’ música de seus dois discos lançados até o momento, “The Last Prayer” (2000) e “Bestiality” (2008), com destaque para “Memorial Rests” e a antológica “Hipocrity Liars”, essa servindo para fechar o ‘set’.
Mais um intervalo, dessa vez com mais tempo, até porque no palco já havia uma segunda bateria, a qual seria utilizada pelas bandas principais. A essa altura praticamente todo o público já estava no local. Como já mencionei em resenhas anteriores, não sou bom nesse tipo de cálculo, mas era perceptível que havia um público superior a mil pessoas (depois confirmado pela produção do evento que tal público girou em torno de mil e quinhentas pessoas).
Finalmente a espera havia acabado. Finalmente o Cannibal Corpse tocaria pela primeira vez em terras pernambucanas! Confesso que estava bastante ansioso por esse show, afinal o Cannibal Corpse sempre foi uma de minhas bandas preferidas, quando o assunto é Death Metal. Após uma breve “Intro”, e sem muitas delongas, o público foi atacado pela cadenciada e pesada “Scourge of Iron” (presente no disco “Torture” – 2012). George “Corpsegrinder” Fisher já mandou ver no seu típico estilo de bater cabeça (bater e rodar a cabeça), e sua postura forte em palco não precisa de muito estardalhaço para contagiar a todos. A sonoridade cadenciada continuou com “Demented Aggresion”, um verdadeiro teste para os pescoços. Depois desse momento de peso e cadência, a fúria desenfreada veio com “Evisceration Plague”, mas foi logo em seguida, com a clássica “Stripped, Raped and Strangled”, que o caos generalizou. Deu para ver até uma parte cantando os versos brutais junto com a banda. Claro, rodas enormes e muito bangin’ tomaram conta do Clube Português. E olha que era apenas o início de um show que iria durar mais de uma hora. A banda fez um ‘set’ que abordou (como não poderia deixar de ser) todas as fases da banda. Apesar de mais técnico e utilizar de vocais mais guturais, George se sai muito bem nas músicas que foram, originalmente, urradas por Chris Barnes. Não posso deixar de falar da sonorização, no show do Cannibal Corpse. O que antes não se ouvia muito bem, no show dos americanos estava num patamar quase perfeito. Tudo soando nítido, cada instrumento, cada vocalização, de qualquer espaço do Clube Português. Foi uma melhora assombrosa! E isso deixou o público à vontade para agitar sem parar em cada música tocada com maestria por Alex Webster (baixo), Paul Mazurkiewicz (bateria), Rob Barret e Pat O’ Brien (guitarras), além de George. O palco estava bem simples, apenas trazendo um grande backdrop com o logotipo da banda e um quinteto furioso durante todo o seu ‘set list’. Pouca era a comunicação entre a banda e o público. A comunicação era apenas com o que era tocado e com a energia que emanava, tanto da banda como dos Headbangers presentes. A roda de mosh não era um local seguro, porém há de salientar que não houve – ao menos não vi – qualquer tipo de violência ou algo mais ríspido. Isso mais uma vez mostra que o público Metal é um dos mais pacíficos que existe. O repertório contou com 17 músicas, entre elas pedradas como “Kill or Become”, “Sadistic Embodiment”, “Dormant Bodies Bursting”, “I Cum Blood” e “Unleashing the Bloodsthirsty” (essa presente no violento “Bloodsthirsty” – 1999, um dos primeiros discos que ouvi da banda). A trinca final veio para fechar de forma magistral essa primeira passagem do Cannibal Corpse por Pernambuco: “A Skull Full of Maggots”, a clássica e indispensável “Hammer Smashed Face” e “Devoured by Vermin”. Sinceramente, tomara que essa tenha sido a primeira, mas não a última vez.
Mas a noite memorável ainda não havia terminado. Porém, antes do último show, mais uma pausa, até mesmo para dar um pequeno descanso aos presentes, depois do pandemônio que foi o show do Cannibal Corpse. Depois de algum tempo, palco novamente pronto...
São décadas dedicadas ao Thrash Metal, com alguns altos e baixos, superação de uma grave doença pelo vocalista e, também pela primeira vez, o Testament visitava o Estado de Pernambuco. Capitaneada pelo carismático Chuck Billy, a banda, logo nos acordes iniciais, mostrou que estava pronta para fazer um show contagiante e com o intuito de deixar sua marca na história do Metal pernambucano. Boa parte do público foi se espremer junto às grades de proteção para não perder nada do show – se bem que não era necessário, pois o Clube Português tem um bom espaço e deixa tudo visível, de onde quer que nós estejamos. Já outra parte não se limitou a apenas olhar o Testament em ação e, claro, foi deixar a festa mais bonita, abrindo imensas rodas de mosh desde o início da apresentação. Chuck liderava não somente a banda, mas todo o público presente, com uma boa comunicação e energia incessante no seu Thrash Metal ‘bay area’, carregado de boas melodias e – todos que conhecem sabem – certa influência do Metallica em alguns andamentos. Claro, o Testament construiu sua carreira fazendo algo que não se prende ao estilo de certas bandas, mas sempre foi nítida a influência do Metallica, ao menos no início de sua carreira. A banda deu início ao seu show com a empolgante “Rise Up”, música advinda de seu último álbum de estúdio, “Dark Roots of Earth”, lançado em 2012. Bom início, já que a música é um típico Thrash Metal, com riffs certeiros, além de solos empolgantes (cortesia da dupla de guitarristas Eric Peterson e Alex Skolnick), além de mostrar que Chuck está com a voz melhor que nunca e que a ‘cozinha’, formada por ninguém menos que Steve DiGiorgio (baixo) e Gene Hoglan (bateria), adicionou uma dose extra de peso à música. Como era de se esperar e como mencionei no início da resenha, a banda deu um ‘passeio’ em quase toda a sua discografia, ou seja, músicas como “Practice What You Preach” e “The New Order”, dos álbuns homônimos estavam no ‘set’, assim como a clássica “The Preacher”. Claro, os fãs foram à loucura. Além das incessantes rodas que se formavam no Clube Português, boa parte cantava junto com o Testament. Outras músicas que contagiaram foram “Henchman Ride” e várias do excelente “The Gathering” (1999), tais como “Legions of the Dead” e “True Believer”, além da violenta “Dog Faced Gods”, essa presente no “Low” (1994). Inclusive Chuck garantiu que tais músicas seriam tocadas em entrevista concedida ao Diário de Pernambuco (confira aqui). Enfim, foi um ‘set list’ bem abrangente, que durou mais de uma hora de enérgico show de Thrash Metal. Faltou, claro, uma ou outra música, inclusive do primeiro álbum, “The Legacy”, que por algum motivo foi deixado de fora. Mas as que foram tocadas, sem sombra de dúvidas, deixaram a todos extasiados e doloridos, seja nos moshes ou na ‘wall of death’ formada durante o show. E a última roda de mosh veio com “The Formation of Damnation”, que veio para sugar, de vez, o restante das forças daqueles que suportaram o caos em forma de mosh até o final.
Fim dos shows e a sensação (em todos os presentes) de poder ter visto um evento bem organizado, cumprindo à risca os horários e com uma boa sonorização para as bandas principais. Mas, como era um festival, bem que essa boa sonorização deveria ter sido disponibilizada para as bandas locais. Porém, no final das contas, a produção fez um bom trabalho e o público compareceu em bom número. Então fica a expectativa de um novo Hellcifest em 2016.