Uma sequência de shows numa cidade como Recife ou até mesmo em outras cidades de Pernambuco não é algo comum. Porém, depois do show do Grave Digger, o dia seguinte reservava mais um evento aguardado por uma parcela do público.
Notório era que os eventos tinham públicos distintos, pois poucas pessoas que foram para o show anterior foram para um evento totalmente dedicado às artes negras. Talvez pelo estilo em si, talvez pelos valores que teriam que desembolsar para poder conferir ambos os eventos, ainda mais que parte do público se desloca de outras cidades/estados para prestigiar os eventos e, além dos ingressos, tal público tem que desembolsar valores para pagar passagens, bebidas, alimentação, etc. Mesmo assim era esperado um bom público, em se falando de um evento, que mesmo trazendo uma banda ‘gringa’, era voltado ao Underground.
O Estelita Bar foi novamente o local escolhido para um evento a ser realizado pela nova, atuante e extremamente profissional Paganus. Mesmo com os vários shows que vêm sendo realizados no Estelita, muitos ainda reclamam de sua localização, que não é tão fácil de se encontrar por aqueles que são de fora da capital pernambucana. Mas o ambiente é bacana e foge daqueles ambientes mais voltados ao Underground. Boa comida e diversidade de bebidas, mas com preços não tão acessíveis.
Os shows estavam marcados para ter início as 19h30, porém na rede social Facebook a produtora informou que aqueles que chegassem até as 18h50 teriam a oportunidade de um “meeting & greeting” com a atração principal. Eu cheguei por lá quando o relógio marcava quase 18h00 e algumas pessoas já estavam na frente do Estelita, vindas de fora da cidade, e mais algumas outras foram chegando dentro do horário anunciado. Mas depois de alguns minutos veio a informação de que o “meeting & greeting” só ocorreria após a apresentação da banda principal. Então o público que chegava teve que ficar esperando a abertura do portão, às 19h00, por vezes tendo que se esconder de uma pequena chuva que chegou a cair no local.
Saliento que a Paganus sempre cumpre com os seus horários e eu já esperava que os shows tivessem início no horário anunciado. Talvez por isso já havia uma boa movimentação, que aumentava gradativamente com o passar dos minutos, mas é de se esperar que a primeira banda sempre pegue um público ainda pequeno, que vai chegando e se “ajeitando” no local.
Com incríveis quatro minutos de atraso a primeira atração da noite dava início a sua apresentação. A Pagan Spirits não é uma banda tão nova. Na verdade já tem mais de uma década, porém apenas tem registros em Demos e shows esporádicos, muitos deles pelo interior. Uma “Intro” fez o prelúdio do odioso show que viria a ser apresentado ao público que já estava no local. Então mandam “Fogo Satânico” e “Em Trevas”, músicas velozes, com uma pegada fulminante, trazendo riffs desconcertantes, por vezes inserindo alguns solos. O guitarrista E. Dinoá é um monstro nas seis cordas, e em meio ao Black Metal ultraveloz da banda consegue até inserir algumas bases influenciadas pelo velho Heavy Metal. O vocalista A. Marques, em temas como “Espírito Pagão”, “Dor Eterna” e “Missa Negra”, variou agressividade, com gritos extremamente nervosos e algumas partes mais narradas, faladas, tirando um pouco da “retidão” de algumas músicas. A ‘cozinha’, formada por Valdir (baixo) e Guto (bateria), ficou responsável por deixar a sonoridade da Pagan Spirits preenchida, sem muitas lacunas. Interessante o visual do baixista, meio que despojado para uma banda de Black Metal. Ainda sobre o visual, a banda se preocupou em colocar seu backdrop, algo simples, mas que cria uma identidade. Apesar de contar com um ‘set’ de nove músicas, o show foi curto, cerca de 30 minutos, tendo sido encerrado com “Engrenagens do Metal”, a qual foi oferecida a esse humilde ser que vos escreve e as pessoas que fizeram questão de chegar cedo e conferir a Pagan Spirits ao vivo. Ao fim muitos elogiaram a performance da banda e sua postura em palco. Os agradecimentos do vocalista foram voltados a esse apoio a uma banda que, apesar de contar com mais de uma década, tem pouca divulgação na capital.
Como sempre ocorre, após o fim de um show num ‘fest’ como esse, uma pequena pausa foi feita para ajustes em palco e para que a próxima atração pudesse se alocar. Salientando que a sonorização estava num patamar excelente, deixando a massa sonora da primeira banda bem audível.
20h20, esse foi o horário que teve início o show da Vermgod, banda oriunda da capital paraibana e que até esse show eu não conhecia. Interessante poder conhecer novas forças do Metal Negro na região. Adeptos de um Black Metal ríspido, extremamente veloz, mas que lança mão de teclados para criar algo mais sorumbático em alguns andamentos, a banda não poupou o público, que a essa altura já era bem maior, com sua violência sonora em temas como “About Wolves and Lambs” e “Spiritual Inertia” (essa com direito a baqueta do baterista Apophis se partindo, para vocês terem a ideia da violência impressa pelo músico). Os vocais eram divididos entre Aghori e o guitarrista Khalil, mas não havia grande diferença entre as linhas feitas por ambos os músicos. Na verdade o ódio emanado nos vocais era igual entre os vocalistas. Completam a banda o baixista Skull e o tecladista Behevras, que em meio ao caos sonoro e de ódio conseguiam deixar o som do Vermgod ainda mais denso. Mesmo trazendo uma sonoridade mais agressiva e veloz, alguns momentos mais mórbidos e marcados puderam ser ouvidos em “Le Grand Tonnerre” e “When the End of Days is Coming, I’ll Kill Christ Again”, essa uma ode ao senhor das trevas, como o próprio Vermgod fez questão de dizer. Com uma musicalidade tão agressiva e veloz, contar com uma boa sonorização era o mínimo para que a banda pudesse passar todo o caos em forma de música, mas tal sonorização não chegou a ser boa, mas, sim, excelente! Tudo soando muito nítido e com o público ainda maior, mais perto do palco. E esse público chegou a abrir uma roda de mosh na execução da última música, “Ave Satanás!”. 45 minutos intensos e impiedosos!
A produção cuidou de todos os detalhes e um deles era não atrasar muito o início de cada show. Mesmo com ajustes no palco, não havia uma demora demasiada e fui pego praticamente de surpresa quando estava em outra área do Estelita, dando uma olhada no pouco merchandising disponível, e ouvi o anúncio da próxima atração...
Nada mais, nada menos que a atração mais esperada da noite. Com “The Daemon Throne” do álbum “Legion Helvete” (2011), Nag (vocal/baixo), Draugluin (guitarra/vocal) e AntiChristian (bateria) deram início ao show da entidade Black Metal Tsjuder (que muitos gritavam da forma que se lê, mas que a pronúncia correta é “Shoo-der”). Foi um início de puro Black Metal, daquele mesmo advindo da Noruega, da segunda leva do estilo e que o Tsjuder executa com maestria e, claro, com ódio e repugnância ao cristianismo e de total devoção ao satanismo. É uma música realmente indicada para os iniciados ao estilo. O público sentiu o impacto e a frente do palco ficou realmente caótica e disputada, com esse início de show já fazendo surgir uma furiosa roda de mosh. Tem uma caixa esquerda, que manda o som para o público, que sempre aparece com umas falhas, mas o que o público ouvia nessa noite era algo que beirava à perfeição, no que se diz respeito à parte sonora. A sonorização estava realmente ótima e merece cada elogio aqui mencionado. O caos sonoro, de música anticristã, de morte, escuridão, seguiu com “Slakt” também do disco “Legion Helvete” e “Ghoul”, essa proveniente do “Desert Northern Hell” (2004) e “Demonic Supremacy” do mais recente álbum, “Antiliv”, com um início totalmente Motörhead e uma levada Black/Thrash Metal, trazendo, ainda, solos desconcertantes de Draugluin. E o que se via era realmente um inferno na frente do palco. O público não parava um só segundo de agitar e o Tsjuder executava suas músicas uma atrás da outra, sem qualquer comunicação, sem qualquer rodeio, indo direto ao ponto. E tome “Mouth of Madness” do “Desert Northern Hell”, seguida de “Primeval Fear” do clássico “Demonic Possession” (2002), música longa, de andamentos alternados entre partes mais marcadas e levadas velozes. E foi depois desse som que houve uma comunicação entre banda e público, com Nag mandando um “vocês são foda!” e anunciando que a próxima música era um tributo ao Brasil e mandam “apenas” um dos maiores clássicos do Metal mundial: “I.N.R.I.” dos deuses Sarcófago! Seria necessário eu dizer aqui o que se transformou a frente do palco? Mesmo fazendo um som odioso, brutal, notei, em alguns momentos, o semblante de espanto nas faces dos músicos do Tsjuder com o comportamento do público. Talvez por sempre fazer shows para um público mais contido... Mas ainda tinha mais show, e então mandam “Unholy Paragon” do “Desert Northern Hell” (apesar de a banda ter incluído músicas de todos os seus álbuns, esse foi o que mais teve músicas no ‘set’), que foi ‘emendada’ a “Kaos” do novo “Antiliv”. Antes de mais um cover veio “Kill For Satan (The King’s Birth)” do mais que clássico primeiro álbum do Tsjuder, “Kill For Satan”. O outro cover? “Sacrifice” do Bathory, música que está presente no “Desert Northern Hell” e nunca falta nos shows do Tsjuder. E foi aí que os noruegueses viram que o público ali presente não estava para brincadeira. Foi então que, antes de mandarem o último som, o manager da banda subiu ao palco para, em inglês, pedir mais calma ao público. Advindos da gélida Noruega o pessoal do Tsjuder sentiu o calor infernal do público nordestino. A música título, “Antiliv”, fechou de forma majestosa essa primeira passagem do Tsjuder. Foi uma hora e vinte minutos de show que ficará marcada naqueles que ali estavam presentes, inclusive nos músicos do Tsjuder.
Era esperado que o Tsjuder fechasse a noite, mas essa missão ficou para mais uma atração nacional. E o tempo para ajustes no palco para o último show foi o maior da noite: mais de trinta minutos. Mas esse foi o tempo necessário para mais uma cerveja ou comer algo. Na verdade para aqueles que quiseram se arriscar na comida e seus preços. Bem, eu me arrisquei, já que estava com fome e num evento como esse não poderia deixar de o brindar com uma boa cerveja gelada. Deixando de delongas, vamos ao último show...
23h20, esse foi o horário que o Patria, banda gaúcha na ativa desde 2008 e com seis álbuns de estúdio lançados, tomou conta do palco. Atualmente divulgando o disco “Magna Adversia”, lançado este ano, a banda foi a última a integrar o ‘cast’ do evento e teve a dura missão de fechar a noite, logo após o avassalador show do Tsjuder. Nada que incomodasse T. Sword (vocal), Mantus e Ristow (guitarras), Vulkan (baixo) e Abyssius (bateria). Pelo contrário, os músicos se mostraram bem à vontade no palco e realmente honrados de estar fechando uma noite de celebração (sim, é essa a palavra que cabe) como foi essa. No fundo do palco um belíssimo backdrop, na face dos integrantes ‘corpse paints’ extremamente carregados, trazendo certa harmonia com a música carregada e densa feita pelo Patria. Sim, o Patria trouxe um Black Metal de bases mais densas, cadenciadas, carregadas, como ouvido logo no início de seu show com “Now I Bleed” e “Outrage”. As guitarras vieram com riffs marcados e solos bem elaborados, construídos, numa musicalidade que, sim, é Black Metal, mas que procura fugir dos conceitos pré-estabelecidos do estilo, porém sem o macular ou inserir algo que não seja da musicalidade mórbida do Black Metal. O público já demonstrava certo cansaço, mas grande parte permaneceu para ver o show até o fim, inclusive com alguns gritos de apoio. O ‘set list’ teve como base o mais recente álbum da banda, mas músicas de praticamente todos os discos da banda foram executadas, à exceção do álbum “Sovereign Misanthropy” (2010). A sonorização continuava do jeito que começou, excelente e deixando tudo muito audível. Em palco o Patria fazia um show correto, seguro, forte, com os integrantes se movimentando pouco em palco, exceto o vocalista T. Sword, que como um verdadeiro ‘frontman’ se movimentou bastante e procurou se comunicar com o público, agradecendo sempre o apoio dos ali presentes. O ‘set list’ trouxe dez músicas e durou cerca de uma hora, com músicas, como já mencionado, trazendo um lado mais pesado do Black Metal, com alguns momentos ríspidos, porém o peso e partes marcadas sendo a tônica. Inclusive alguns solos traziam algo do Heavy Metal tradicional. Entre as músicas executadas, uma em português: “Culto das Sombras”, retirada do EP “Gloria Nox Aeterna” (2010). O fim veio com a nova “Infidels” e a noite de celebração as artes negras estava completa e finalizada.
Retirando o lado do anúncio do “meeting & greeting” que ocorreria antes dos shows, a produção do evento beirou a perfeição. Mas menciono que os músicos do Tsjuder, durante o show do Patria, saíram para conversar com o público, bater fotos com algum dos presentes, e se mostraram bem atenciosos, sem qualquer estrelismo e até mesmo bem sorridentes. O público presente talvez tenha sido o esperado pela produção, até mesmo em razão do show do lendário Grave Digger no dia anterior. Não foi um público que tomou totalmente as dependências do Estelita, mas que compareceu em bom número. Iluminação e sonorização impecáveis. Só a altura do palco que é muito baixa e atrapalha a visão dos que ficam no fundo, principalmente dos baixinhos. Mas, no geral, um evento memorável!