A SORROWFUL DREAM
Definir o estilo Dark Metal é algo bem difícil, fazer tal música nem se fala, talvez, por isso, não exista tantas bandas fazendo esse estilo sonoro em terras brasileiras. Mas mostrando que existe espaço para o Dark Metal, e muito bem feito, a banda gaúcha A Sorrowful Dream aparece como uma das maiores representantes do estilo, tendo lançado, no ano passado, seu álbum de estreia, “Toward Nothingness”, um álbum que pode ser considerado um dos melhores representantes do estilo em terras tupiniquins. Sobre esse lançamento, entre outros assuntos referentes à banda e ao Dark Metal, conversamos com a A Sorrowful Dream.
Recife Metal Law – A A Sorrowful Dream teve o início de suas atividades em Sapucaia do Sul e hoje está fixada na capital gaúcha. O que os levou a trocar de cidade para continuar com a banda?
Joseane “Josie” Demeneghi – Na verdade Sapucaia do Sul é uma cidade da grande Porto Alegre. A mudança da base da banda não foi algo escolhido, ela só aconteceu em virtude dos novos membros estarem mais espalhados na região metropolitana – São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Canoas e Porto Alegre. No início a banda foi formada por integrantes apenas de Sapucaia, e daí o fato de sua história ter se originado ali. Mas em termos gerais, a A Sorrowful Dream sempre pertenceu à grande Porto Alegre. Não foi algo estratégico.
Recife Metal Law – O estilo Dark Metal não é tão difundido, principalmente no Brasil, onde temos poucos representantes. Como é manter uma banda que faz um estilo tão, digamos, Underground?
Josie – O Dark Metal ainda é um estilo bem híbrido, as bandas que se inserem nesse estilo podem ser bem diferentes umas das outras, mas isso também possibilita mais variações e experimentações com outros estilos dentro do próprio Metal. É o que acaba acontecendo com a gente; é relativamente fácil transitar entre os diversos públicos do Metal e conseguir o reconhecimento de nichos diferentes. Ao mesmo tempo em que as pessoas acham difícil nos definir em estilo, elas conseguem assimilar os elementos que elas mais gostam numa música Metal na nossa música e passam a gostar da banda e do estilo, no geral. É bem curioso notar como nosso público é abrangente e não conta apenas com a cena gótica, como acontece com muitas bandas que possuem a estrutura que a A Sorrowful Dream tem. Temos fãs que falam de como se surpreendem por gostar de uma banda que possua teclado, ou vocal feminino, mesmo que só escute Thrash, Death ou outros estilos mais extremos. E isso facilita muita coisa pra nós.
Recife Metal Law – O Dark Metal, por vezes, é confundido com o Gothic Metal, em razão de algumas bandas lançarem mão do uso de vocais femininos. Qual seria a diferença básica entre tais estilos?
Josie – Bom, pelo que entendemos, o Dark Metal possui mais elementos do Metal extremo juntamente com elementos que também passam pelo Gothic Metal. Ele permite mais essa aproximação. A confusão é natural, e possivelmente também se dá música a música, isto é, é bem possível dizer que em nosso CD haja músicas que estão muito mais para o Gothic Metal que qualquer outro estilo, mas de forma geral predomina a mistura de mais peso, mais agressividade em nossa sonoridade, que é o que nos define como uma banda de Dark Metal.
Recife Metal Law – Durante suas atividades a banda, antes do lançamento de seu primeiro full lenght, já lançou diversos materiais, entre Demos, singles e até uma coletânea ‘best of’. Esses lançamentos serviram mais como aprendizado ou eram feitos para mostrar que a banda, mesmo não lançando um álbum de estúdio, continuava com suas atividades?
Josie – Definitivamente todos esses materiais serviram como aprendizado. Também foram feitos para manter a atividade da banda, mas, além disso, foram demonstrações de cada formação que a banda teve. Cada lançamento houve músicos diferentes, e o lançamento de Demos, de certa forma, era o primeiro passo de cada um dos ‘line-ups’. Esses lançamentos refletem o desejo que cada formação teve em lançar um material, que não encontrou tempo para amadurecer nem se tornar um ‘debut’ oficial da banda porque novas mudanças aconteceram, e aí um novo processo se iniciou, novas músicas Demos vieram, e o CD foi sendo postergado. A formação atual é a que conseguiu se manter junta por tempo suficiente para compor músicas focadas no lançamento e ter tempo, dinheiro e organização para poder lançar um material mais extenso.
Recife Metal Law – Desde o início da banda, vocês procuraram criar algo novo no Brasil, mas que já estava sendo feito na Europa. Qual foi o primeiro impacto causado pela A Sorrowful Dream na época de seu primeiro lançamento?
Josie – Na época não tínhamos a real noção do impacto que causaríamos. Na verdade, mesmo hoje, não temos consciência de como o público recebe a banda. Por isso, sempre nos surpreendemos quando nos deparamos com uma aceitação tão grande, ou mesmo com uma entrevista vinda de Pernambuco! (risos) Se hoje, com a internet, não conseguimos ter a real noção do impacto, na época, nem imaginávamos, pois, tal como agora, estávamos focados em fazer música, tocar e divulgar nosso trabalho.
Recife Metal Law – A formação da banda sempre contou com muitos músicos. Então como eram os shows na época, tanto visualmente, como sonoramente? Como era (e ainda é) abrigar tantos músicos num palco?
Josie – É algo bem difícil. É um fator que a produção, independente do Metal, ainda sofre pra poder englobar, tanto em estrutura de shows (equipamentos, sonorização, espaço de palco) quanto em investimento. É mais difícil bancar uma banda maior. Mas já estamos há tanto tempo juntos que a condição de dividirmos um palco apertado já se incorporou ao que somos durante o show, tivemos que aprender a lidar com isso.
Recife Metal Law – Ainda sobre a formação, pela banda já passaram diversos músicos. O que cada um desses músicos trouxe de contribuição para a sonoridade da A Sorrowful Dream?
Josie – É difícil precisar o que cada músico trouxe. Entretanto, quando ouvimos nossos trabalhos anteriores percebemos o quanto, a nosso ver, estamos maduros. Sem dúvida, por mais que, em um primeiro momento, os desfalques na formação, a falta de dinheiro e de apoio soem como algo negativo, isso nos ajudou a amadurecer musicalmente. E certamente a passagem de vários músicos fez com que a banda crescesse, pois abriu um leque de possibilidades: formas de compor, de se organizar, de ver a música.
Recife Metal Law – Ano passado foi à vez do lançamento do primeiro álbum, “Toward Nothingness”. Depois de 13 anos de formação, vocês chegam ao primeiro full lenght. Qual foi o sentimento de todos da banda ao ver esse álbum sendo lançado?
Josie – Ah, um sentimento de extrema satisfação! De trabalho realizado. Era algo com o qual sonhávamos desde sempre e demorou até chegar esse dia. Principalmente porque mesmo depois que a ideia saiu do papel e começou a se tornar realidade ainda assim demorou para que o CD ficasse pronto. Então quando finalmente pudemos tê-lo em mãos foi uma sensação realmente muito boa.
Recife Metal Law – Sobre o lançamento, ele foi feito de forma independente. Quais estão sendo as vantagens e desvantagens de divulgar esse álbum de forma independente?
Josie – Em termos de divulgação e distribuição é bem mais desvantajoso que ele seja independente. Não há o apoio de alguém que já possua uma rede de distribuição, que possua contratos e acordos com redes e lojas especializadas e, enfim, é sempre mais complicado para uma banda do sul do país conseguir divulgar por conta própria Brasil afora. Além de ser custoso. Mas há certa liberdade nisso, podemos distribuir da forma que a gente preferir, colocar o preço mais adequado às necessidades da banda, além de ter disponível os CDs na totalidade, e não ficando relegado a um número pequeno de CDs para vender aos amigos e nos shows.
Recife Metal Law – A capa do álbum é bem, como eu poderia dizer? Surreal? Abstrata? Qual seria a ligação entre a capa e o título do álbum?
Josie – Ela é, de fato, abstrata. Poética, talvez. E dá abertura para interpretações diversas. A ideia surgiu de representar um contraste entre cárcere e liberdade, sendo o primeiro representado pela janela com grades e o segundo, pelo pano leve que escapa, que voa. Metaforicamente a ideia da imagem é representar algo que se esvai, que some, que vai em direção ao nada. “Toward Nothingness” então pode estar relacionado ao rumo que esse sentimento de liberdade toma, à perda dessa ilusão, pode representar o quão sem sentido e sem controle nossas vidas são. É também o contraste que existe na linha tênue entre o tudo e o nada.
Recife Metal Law – Achei que esse álbum define bem o que seria o estilo Dark Metal, por conter músicas fortes, com uso correto de vocais líricos femininos, graves, rasgados e guturais masculinos... Além de uma boa construção instrumental, onde cada instrumento tem sua importância, nenhum se sobressaindo aos demais... Ao criarem as músicas para esse álbum, vocês tinham como pensamento criar um álbum que definisse o que realmente é o Dark Metal, principalmente em terras brasileiras?
Josie – Não, nossa mentalidade não é a de criar um estilo ou calcar o que seja o Dark Metal. Fazemos as músicas do jeito que nós queremos ouvi-las, e elas saem assim porque esse é o nosso desejo, é assim que acreditamos que elas devam ser. Compomos músicas que acreditamos serem boas, bonitas, que vão agradar aos nossos ouvidos e aos ouvidos do público. Não importa em que estilo elas estejam inseridas. Acaba que, pelos elementos que temos e por aquilo que entendemos que nossa música deva ser para estar pronta, nossa atmosfera se enquadre melhor no Dark Metal.
Recife Metal Law – Existem belas músicas nesse álbum, e é bem difícil apontar algum destaque, mas “Harpies (For the Love of the God)” é belíssima. Seria ela o grande destaque do álbum?
Josie – Para nós é impossível destacar uma música no álbum, pois cada uma teve seu preparo, seu tempo, sua história. É algo que vai vir da reação de cada pessoa ao álbum. Tu, por exemplo, destacas a “Harpies”, que é sim motivo de orgulho para nós. É uma música que passou por outras gerações da A Sorrowful Dream e foi modificada e finalizada pela formação atual. Muitas pessoas também destacaram a “Timeless”. A “Tree of Lies”, por ser regravada, também é uma faixa com que muitos se identificam e gostam bastante. A faixa bônus traz um clima bem diferente e especial, então também se destaca. É melhor deixar então para que cada um defina qual música foi a mais surpreendente, arrebatadora ou bacana de se ouvir.
Recife Metal Law – Ainda sobre essa música, seu título me deixou com uma ‘pulga atrás da orelha’. Existe alguma relação entre a música (ou até mesmo a banda) com o cristianismo? Pergunto isso, em razão de na letra não constar qualquer tipo de associação com qualquer que seja a religião ou seu Deus...
Josie – Nem a banda nem a letra estão diretamente associadas ao cristianismo ou a qualquer religião específica que seja. Mas gostamos do assunto religião, da crença e da fé que movem milhares de pessoas. O ser humano é o único capaz de vislumbrar a ideia de um Deus, de alguém que olha por nós, de alguém que nos fez à sua imagem e semelhança e de alguém que pode nos castigar por nossas escolhas. A religião é uma condição muito humana e gera conflitos internos imensos nas pessoas. E isso é muito interessante de retratar nas artes e na música. Gostamos de trabalhar com isso também. Mas não nos identificamos como de uma religião ou outra, longe disso. “Harpies” é uma música sobre um ser mitológico, um ser alado híbrido que possui forma feminina feia e distorcida. A letra parte do princípio de que, de alguma forma, esses seres horrendos podem ser amados, seja por eles próprios, seja por um deus. Não há um vínculo religioso - embora, no primeiro momento, pareça -, mas sim a ideia de tudo é mais do que parece; nesse caso, as Harpias são mais que criaturas, são seres que buscam algo em si ou em um deus.
Recife Metal Law – Parece que essa música veio mesmo para ser um dos destaques do álbum, já que nela consta uma passagem cantada em português. Qual a razão para inserir passagens cantadas em nosso idioma nessa música?
Josie – Não há uma razão específica para isso, apenas a de que as palavras carregam a sonoridade e a poesia que a música pede. Em nossa Demo anterior, na música “A Lament for her Scarlet Reflection”, também há uma passagem em português que segue essa mesma linha. Não dá para controlar muito a inspiração. Se ela vem em português e transmite o que queremos da melhor forma possível, assim ela será colocada na música.
Recife Metal Law – Na banda existem três mulheres, sendo que Josie é a responsável pelos vocais. Uma das guitarras fica a cargo de Josene “Jô” Toldo e os teclados por conta de Mariana “Mari” Vieira. Seria isso uma coincidência?
Josie – Não é uma coincidência. Afora o vocal feminino, que obviamente depende de uma mulher para executá-lo, o fato de termos uma guitarrista e uma tecladista foi capricho do destino! (risos) A banda precisava preencher a lacuna que os músicos Tiago, ex-tecladista, e Rafael, ex-guitarrista, haviam deixado e encontrou a Mari e a Jô no caminho, que musicalmente ofereciam o que a banda precisava e estavam dispostas a trabalhar com e pela A Sorrowful Dream. A Jô, inclusive, foi guitarrista de outra banda precursora do estilo no Rio Grande do Sul, a Hermit Age.
Recife Metal Law – A formação atual não conta com um baterista fixo, sendo que Robertso “Mano” Maestro é o convidado responsável pelas baquetas, inclusive no álbum. Por que não existe um baterista fixo na banda?
Josie – O Mano foi nosso baterista por um bom tempo, sendo inclusive o compositor das linhas de bateria das músicas do álbum. Por questões pessoais, ele precisou deixar a banda, e por dois anos tocamos com bateristas convidados contratados, que já possuíam seus projetos e bandas paralelos e não podiam assumir o posto na A Sorrowful Dream. Assim, continuamos sem encontrar alguém que preenchesse esse desfalque. Recentemente o Mano voltou a tocar com a gente, mas não houve uma entrada oficial. Ele possui seus compromissos pessoais, ensaia com outras bandas, e o melhor acordo que conseguimos para contar com ele em nossos shows foi a de manter esse relacionamento não-oficial. Já nos acostumamos com essa dinâmica, e trazer uma nova pessoa para o grupo poderia prejudicar bastante. É sempre um recomeço, novos costumes, novas manias, novos jeitos de compor e tocar. Estamos bem com essa formação.
Recife Metal Law – Agora nos informe quais os próximos passos da A Sorrowful Dream...
Josie – Seguimos fazendo shows e divulgando “Toward Nothingness” e, bem, já começamos novos processos de composição para, quem sabe, num futuro próximo gravar o segundo álbum! Que não demore tanto para sair quanto o primeiro! (risos)
Site: www.asorrowfuldream.com
E-mail: [email protected]
Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação e Tric