CARNIÇA
Em 2011 a banda Carniça completou duas décadas de atividades no meio Underground. Durante todo esse período muitos percalços foram enfrentados, mas nada que fizesse a banda desistir de seus ideais. Após um início como quarteto, atualmente a banda é formada pelos irmãos Mauriano (baixo e vocal) e Marlo Lustosa (bateria) e Parahim Neto (guitarra, e primo dos irmãos Lustosa). Essa formação lançou, recentemente e de forma independente o álbum “Temple’s Fall... Time to Reborn”, que encerra um hiato de doze anos sem lançamento oficial. Na entrevista a seguir o leitor do Recife Metal Law ficará sabendo um pouco mais da trajetória dessa banda gaúcha.
Recife Metal Law – A banda Carniça surgiu em 1991, em Novo Hamburgo/RS, ou seja, já se vão 20 anos de existência (e resistência) no meio Underground. Vocês lembram como foi o começo de tudo e quais os principais percalços para se formar a banda?
Mauriano Lustosa – Inicialmente a banda era composta por mim e o Márcio Veeck (fundadores da banda). O Parahim Neto e Marlo Lustosa tinham outros projetos. A busca por membros definitivos sempre era uma dificuldade muito grande. De repente, numa ‘jam’, os quatros se reuniram e viram que daquilo poderia se tirar muitas coisas legais. Assim, num domingo, em 21 de abril de 1991, pudemos dizer que surgiu a Carniça.
Recife Metal Law – Mesmo com um nome em português, desde o início a banda adotou o inglês como idioma para cantar suas músicas. Então qual a razão para a escolha do nome da banda em nossa língua pátria?
Mauriano – A ideia do nome veio do Márcio Veeck (ex-baixista). Era um cara que curtia muito ficar lendo dicionário. Um dia ele estava folheando e se deparou com Carniça e pensou: ‘tá aí um nome que reflete bem a condição das coisas...’. Fora isso, um nome em português era, na época, um diferencial, apesar do Sepultura, ao mesmo tempo em que era uma forma de apontar para os dois mercados: nacional e internacional.
Recife Metal Law – A banda surgiu como um quarteto, porém, após algumas mudanças ficou como trio. Por que a banda decidiu continuar como um trio?
Mauriano – Muito se deve à dificuldade de se trilhar por um longo período a mesma estrada. Quanto maior o número de integrantes, maior a dificuldade de se executar projetos, de manter um cronograma das coisas. Estabilizamos-nos como trio e vimos que isso nos bastava; que nosso som se adaptava muito bem a esta condição. Da forma como moldamos nosso som, após a última mudança, conseguimos ser mais verdadeiros e coesos no som, evoluindo a sonoridade a partir daí. Não tinha por que voltar a ser um quarteto.
Recife Metal Law – A formação da banda Carniça tem um pouco de semelhança com os seus conterrâneos do Krisiun (formada por três irmão), sendo formada por dois irmãos e um primo. É mais fácil trabalhar e continuar uma banda quando se trabalha em família?
Mauriano – Acho que sim. Creio que o comprometimento é maior e as coisas fluem com mais naturalidade, devido à química que certamente o parentesco traz, uma vez que crescemos juntos. Também as cobranças podem ser mais fortes, pois, afinal, está tudo em família.
Recife Metal Law – Antes de lançar o primeiro álbum, “Rotten Flesh”, vocês lançaram cinco Demos. Numa época em que as Demos eram lançadas em K-7 e não havia nenhuma ajuda tecnológica, como foi a distribuição e aceitação desses materiais?
Mauriano – Ah, bons tempos aqueles... Apesar de toda a dificuldade logística, acho que neste tempo as coisas eram mais verdadeiras e o recado era dado mais claramente. Os fãs curtiam receber uma fita, colocar no aparelho, tirar cópias para os amigos... Hoje não temos mais esta atmosfera, basta acessar um link e baixar o som, instantaneamente. Engraçado é que sem a tecnologia, parecia haver uma maior compreensão das limitações mesmo sem isso limitar a compreensão dos sons e potenciais das bandas. Conosco não foi diferente e mantivemos por anos contatos com fanzines de muitos países, o que gerou, inclusive, participações nossas em compilações independentes, como em Portugal, por exemplo.
Recife Metal Law – E com relação ao ‘debut’ álbum “Rotten Flesh”, como ele se saiu, em se tratando de um lançamento independente?
Mauriano – “Rotten Flesh” demorou três longos anos para sair do papel. Ele nasceu de uma falcatrua que uma gravadora de Curitiba fez conosco. Iríamos lançar um disco com esta gravadora. Viajamos para Curitiba, gravamos o material e o cara da gravadora fugiu. Ainda bem que o dono do estúdio era gente boa e nos enviou as ‘masters’. Reunimos este material, gravamos algo a mais e lançamos o trabalho com ajuda de uma grande loja aqui do Rio Grande do Sul, a JAM Sons Raros. Vendemos muitos CDs, tivemos uma excelente repercussão. E tudo sem a ajuda da internet, que nesta época apenas engatinhava.
Recife Metal Law – Agora em 2011, em comemoração aos 20 anos de banda, foi lançado o álbum “Temple’s Fall... Time to Reborn”. O que esse álbum significa para a Carniça, além de marcar sua trajetória de 20 anos?
Mauriano – Além de um marco de 20 anos, creio que representa um amadurecimento musical e filosófico da banda. Marca a competência dos membros de co-produzir um disco e gravar tudo em seu próprio estúdio, o Chronos Studio Sound. Marca a persistência, perseverança de se fazer algo focado unicamente no desejo dos seus músicos, sem interferência da mídia, modismos ou seja lá o que for.
Recife Metal Law – A capa, que parece ter sido desenhada a mão, ficou bem interessante, e retrata a atual realidade humana. Políticos corruptos, prostituição, farsa religiosa, atentados terroristas e abaixo uma espécie de inferno. Qual o real significado dessa capa?
Mauriano – Matou a charada, velho! É isso aí! Não precisamos dizer mais nada, pois a mensagem foi captada.
Recife Metal Law – Esse novo álbum começa com “Oil War”, que tem um começo bem tenso, e depois cai num Thrash Metal voraz, mas com partes marcadas. Essa música foi uma escolha acertada para dar início ao álbum. Houve dúvida sobre qual música começar “Temple’s Fall... Time to Reborn”?
Mauriano – Achamos muito importante ter uma música de trabalho destacada no álbum. Assim ocorreu com “Rotten Flesh”. “Oil War” é um ‘hit’ metálico, expressa tudo aquilo que sentimos e tem a ‘pegada’ exata que sintetiza o álbum. Por este motivo demos um tratamento diferenciado, com uma introdução que mescla o que o álbum trata e do que a música em si discorre. É nosso cartão de visitas e não houve dúvidas de que era o som certo para dar este recado.
Recife Metal Law – Assim como no primeiro álbum, que tem um cover para “Black Metal” do Venom, esse novo trabalho tem um cover para “Hell Awaits” do Slayer. Qual a razão para sempre colocar um cover nos álbuns lançados pela Carniça?
Mauriano – Vem de nossas origens. Uma maneira de expressar gratidão ao passado glorioso do Metal. Homenagear os precursores, aqueles que batalharam antes de nós. Nunca fomos uma banda cover, mas sempre tivemos estas homenagens em nosso repertório e o faremos sempre.
Recife Metal Law – Outro fato curioso e que ambos os álbuns trazem sete músicas, cada. Coincidência?
Mauriano – Trata-se de coincidência mesmo, sem nenhuma bobagem de numerologia, por exemplo. O número 7 é um número cercado de bastante controvérsia, muitos dizem, aliás, que o número da besta não é 666 e sim 777... Usamos isso de propósito? Aguardem o próximo álbum e poderão ter uma noção mais exata.
Recife Metal Law – Apesar de a banda fazer um estilo que surgiu na década de 80, eu não consegui fazer uma ligação entre o som feito por vocês e o feito por algum ícone do Thrash Metal. Como se conseguir peculiaridade dentro de um estilo ‘old school’?
Mauriano – Pra banda isso é um elogio dos bons! Sem entrar no mérito da humildade, modéstia ou seja o que for, a Carniça conseguiu estabilizar um mecanismo de sonoridade próprio. Em um escala muito mais conhecida, temos o Slayer, Iron Maiden, AC/DC, etc. Basta colocar cinco segundos de uma faixa destas bandas que você já sabe o que é que está tocando. Eu acho que a Carniça é assim, guardadas as proporções. Atualmente existem um milhão de bandas de Metal, e 90% delas soam iguais. Só tentamos sair desta mesmice. Você já se perguntou o que vai acontecer quando Slayer, Iron, AC/DC, Judas Priest, Kreator e muitos outros acabarem? O que temos de novidade? De bandas para seguir este legado? Muito pouca coisa sobra...
Recife Metal Law – “Temple’s Fall... Time to Reborn” é fechado com a instrumental “Paradise” (no melhor estilo Metallica), composta por Parahim Neto e que tem instrumentos como cítara e teclados sendo tocados por Tiago D’Andréa. Existe um significado especial para terminar o álbum com essa música?
Mauriano – A ideia foi compor um contraste absurdo com o som que a precede, “Hell Awaits”. Um contraste que pode ter várias leituras. O paraíso é calmo como uma “Paradise” ou quente como “Hell Awaits”? Subjetivo certamente. Para a banda, “Paradise” transmite um estado de espírito que, após tudo o que foi retratado no CD, gostaríamos de estar. Cada um sonha com o seu paraíso particular. Depois de tantas revoltas, guerras, batalhas e do próprio inferno, creio que não há lugar melhor que o nosso próprio paraíso.
Recife Metal Law – A banda pretende lançar um DVD em breve. Sobre esse DVD, o que vocês podem nos adiantar? Conterá imagens de algum show ou trará um retrospecto da carreira da banda?
Mauriano – Será um misto de tudo. Queremos retratar a história da banda em um projeto que não foca somente num show, por exemplo. Queremos mostrar uma trajetória e quem sabe o trabalho pode sair em forma de documentário, reunindo material antigo, depoimentos, shows atuais e vídeo clipe. O projeto ainda está em fase de elaboração, visto que nosso maior foco agora é a divulgação do “Temple’s Fall... Time to Reborn”.
Recife Metal Law – Mesmo trabalhando de forma independente, a banda Carniça já faz planos de fazer uma tour pelo Brasil, para divulgar seu novo álbum?
Mauriano – Sem dúvida! Estamos acertando uma turnê na Bahia e Sergipe e estamos esperando alguns contatos do Nordeste e Centro-Oeste. Aliás, neste aspecto, contamos com o apoio de canais como o Recife Metal Law, para nos indicar contatos para efetivarmos estes shows. Estamos focados na divulgação do trabalho e queremos fazer barulho em todos os lugares onde tiver bangers!
Recife Metal Law – Por fim, parabenizo a banda pelos seus vinte anos de carreira e persistência no meio Underground. Mandem uma mensagem final para os leitores do Recife Metal Law...
Mauriano – A Carniça é que agradece esse grande apoio dado por sites como o Recife Metal Law! É esta a força de que o Metal precisa e que sempre o fez um dos maiores gêneros musicais da história! Esperamos poder mostrar toda a força do nosso som por aí!
Site: www.myspace.com/carnicaband
Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação