ANTHROPOPHAGICAL WARFARE





Acho que conheci o Anthropophagical Warfare em 2003, pouco tempo após a banda ter lançado sua primeira Demo, “Alone in the Shadows”, um trabalho primitivo, cru e mesmo assim carregado de um feeling intenso e mostrando que mesmo com a pouca idade, aqueles três caras sabiam fazer Death Metal honrando as raízes do estilo. A banda se manteve ativa entre 2001 e 2007, poucos anos, isso é verdade, porém foi intensamente ativa, lançando diversos materiais no meio Underground, e fazendo shows em tudo que é lugar. Shows esses que pude presenciar algumas vezes, sempre intensos e cheios de garra. Em 2012 a banda lançou o seu primeiro álbum, o qual ficou engavetado por longínquos cinco anos. Mesmo sem ter a pretensão de voltar à ativa, em comum acordo, os irmãos Dimas e Demétrio Mützenberg (baixo/vocal e guitarra/backing vocals, respectivamente) e Erik Cavalcanti (bateria) decidiram por lançar “At the Fields of Slaughter”, gravado originalmente em 2007, mas só lançado em 2012. Na entrevista a seguir saberemos um pouco mais sobre tal lançamento entre outras curiosidades sobre o Anthropophagical Warfare.

Recife Metal Law – Cinco anos separam o fim das atividades do Anthropophagical Warfare e o ‘debut’ álbum, “At the Fields of Slaughter”. O álbum foi gravado em 2007, antes de a banda se separar, e sei que vocês ainda correram atrás para lançar o álbum, mesmo que de forma independente. Lançar esse material era uma questão de honra para a banda?
Dimas Mützenberg –
Pois é, meu brother Valterlir. Foram cinco anos de intervalo entre a gravação e o lançamento do CD. Com certeza era uma questão de honra. Depois de anos de atividades, tocando por várias cidades, lançando material, conquistando o respeito de vários fãs e da mídia Underground, conseguimos gravar o ‘debut’, o qual, acreditamos, ficou com um resultado massa, e no fim isso ficar guardado apenas pra nós... Não dava. Sempre que ouvia o MP3 do “At The Fields of Slaughter” eu pensava: “Caralho, isso tem que ir pra galera ouvir”. Infelizmente com o tempo sempre corrido, depois que a banda se dispersou, e morando em outro estado, a coisa foi ficando parada, até que esse ano nós resolvemos reabrir o projeto e prensar uma quantidade limitada de cópias, com intuito único de mostrar às pessoas que curtiam a banda o resultado daquele trabalho todo.

Recife Metal Law – Vocês sempre contaram com o apoio da Moondo Records. Por qual razão, na época, esse álbum não foi lançado por esse selo, que também era pernambucano?
Dimas –
Então, o brother Edmundo (dono da Moondo) sempre foi nosso grande apoiador, que nos deu suporte desde o início quando chegamos com a Demo “Alone in the Shadows” lá na loja dele. E pela Moondo lançamos vários materiais, fora a agenda de shows que foram todos praticamente gerenciados por lá. O que aconteceu com o ‘debut’ foi que na semana que terminamos de gravá-lo Edmundo recebeu uma proposta de trabalho no Norte do país e se mudou pra lá, dando uma pausa e em seguida encerrando as atividades do selo. Daí tivemos que mudar os planos do lançamento, e quando nos preparávamos pra lançá-lo por conta própria, rolou de Demétrio ir morar em São Raimundo Nonato, no Piauí, e logo em seguida eu também fui, o que deu outra pausa no projeto do lançamento, além de ser o motivo do encerramento das atividades da banda na época.

Recife Metal Law – “At the Fields of Slaughter” conta com oito músicas, sendo que algumas já haviam sido lançadas em trabalhos anteriores da banda. Vocês chegaram a cogitar em fazer um material contando com apenas músicas inéditas ou até mesmo inserir mais músicas?
Dimas –
Quanto a inserir mais músicas, acreditamos que um disco de Death Metal extremo não deva passar muito de meia hora de execução, sob pena de o ouvinte parar de ouvir antes do seu fim. E principalmente em tempos de internet, onde temos uma enxurrada de bandas que podem ter suas discografias baixadas em segundos, acho que boa parte das pessoas não consegue ouvir um disco inteiro, a menos que seja um grande fã da banda. As pessoas estão sempre “zapeando” de uma música para outra. Então acho que oito músicas, distribuídas em 38 minutos, foi uma boa escolha para uma banda Underground, como nós. Quanto a ter músicas pré-lançadas, achamos que por ser o ‘debut’, onde teríamos mais cuidado e tudo mais com a gravação, devíamos pôr músicas que tanto nós quanto a galera curtia muito. Então músicas como “Brutal Manifestation” ou “Destroy the Sacred Words”, que eram da Demo, poderiam ficar mais poderosas numa gravação melhor. Não que procuramos um som totalmente límpido, pois contrastaria com a sonoridade típica da banda, mas algo que pelo menos pudéssemos ouvir os bumbos da bateria. (risos) Além disso, acrescentamos a música “Anthropophagical Warfare” (do split com o Recidivus) que por ser a música título da banda queríamos que ela constasse no full lenght e, por fim, acrescentamos “Leprosary”, que só havia sido lançada na coletânea da Moondo Records, “Warriors of the Morbid Moon Vol. 2”, então também queríamos lançá-la num trabalho oficial da banda. E aí vieram as músicas inéditas, que vínhamos já tocando em shows e a galera estava curtindo pra caralho.

Recife Metal Law – A banda surgiu em 2001 e, até findar suas atividades, foi muito ativa no meio Underground, tendo lançado diversos materiais (singles, Demos, splits), nos mais diversos formatos (vinil, K-7, CD, DVD). Como vocês avaliam o período de atividades do Anthropophagical Warfare?
Dimas –
Brother, foi uma época muito foda para nós. Juntamo-nos para começar a tocar acho que em 1999 e nesse tempo ficamos só ensaiando à surdina, até porque nesse tempo não tinha essa coisa de rede social onde o pessoal junta uns amigos pra tocar e já saem divulgando a banda com foto, cartaz, disco antes mesmo de ter as músicas. (risos) Mas voltando, nesse tempo ensaiamos e gravamos a Demo “Alone in the Shadows”, que foi lançada em 2001 pela Moondo Records. Aí veio uma sequência de shows para divulgação da tape. Porra, o primeiro show (no La Strada) foi o “Guardians of Chaos” e foi uma sensação muito do caralho quando começamos a tocar e um ‘mói’ de banger já sabia as letras e fizeram um roda que não lembro de ter vista outra igual nos nossos shows posteriores. Daí vieram outros shows, alguns lançamentos (um que me orgulho bastante é o 4-way com Imperious Malevolence, Metacrose e Disforterror, uma vez que sou colecionador de vinil, e ter um lançamento nosso na coleção é muito foda!) e o que mais me deixa feliz com essa época é lembrar como fomos bem recebidos praticamente por todos, desde os bangers até fanzines e as outras bandas do meio.

Recife Metal Law – Além dos lançamentos, a banda sempre fazia muitos shows, inclusive tendo viajado para tocar em Belém/PA, numa pequena tour. Lembro que na época vocês viajaram de carro, e não deve ter sido algo muito fácil de fazer, afinal uma viagem de carro, rodando por milhares de quilômetros, é algo bem cansativo. O que vocês lembram desse período e qual foi o saldo final dessa pequena tour?
Dimas –
Porra, os shows sempre são a melhor parte de tudo. Você sair de sua casa, ir lá, mostrar sua música, ver a rapaziada se batendo e no fim tomar aquela gelada conversando com o pessoal é muito foda! E essa minitour foi um caso muito louco. Saímos de carro (do brother Luiz Tattoo – gratidão meu velho!) e nos mandamos pra lá, enfrentando umas estradas que nos fazem ter ainda mais vergonha e raiva dos nossos políticos (ver ao vivo é sempre pior que ficar sabendo pelos outros). Mas tudo compensa quando chega a hora do show. Chegamos lá meio atrasados e o pessoal já tava esperando a um tempinho, então nem teve tempo de pensar muito. Foi chegar e subir no palco. Mas o público de Belém é conhecido por sua energia e os caras não esfriaram um minuto do show. Basta pegar o DVD com o registro desse show, o “Anthropophagical Ritual – Death in Belém” para comprovar. Vale lembrar que no caminho tocamos em Teresina, que também foi um show massa, inclusive contando com a presença no palco do brother Fawster do Zorates. E vale lembrar também a forma como fomos recebidos lá pelo pessoal do Disgrace and Terror e Eternal Darkness DCLXVI. Muita cerveja pra botar as conversas na mesa!

Recife Metal Law – Voltando a falar sobre o álbum, a temática lírica é bem interessante, e se nota que vocês não se prendem a apenas um tópico. A maioria das letras foi feita pelos irmãos Dimas e Demétrio Mützenberg. Sendo irmãos, isso facilitou na hora de escrever as letras?
Dimas –
É, sempre facilita o fato de você morar no mesmo canto. Dá pra sempre tá trocando ideia e tal. Mas tínhamos também sempre contato entre os três, pra ir trocando essas ideias, ver o que dá pra mudar, o que um não tá curtindo, etc.

Recife Metal Law – Ainda sobre a parte lírica, o que os inspirava na hora de escrever? Sei que vocês gostavam bastante de filmes, principalmente dos clássicos...
Dimas –
Apesar de curtirmos muito filmes e outras coisas do tipo (literatura, HQ, games) não diria que fomos inspirados diretamente por essas mídias, mas indiretamente sim. Acredito que tudo que você consome vai formando o núcleo de suas ideias. Aquilo fica guardado e vai enriquecendo seu campo de pensamento. Então quando íamos escrever uma letra, dificilmente iria acontecer algo do tipo “acabei de assistir O Poderoso Chefão, me inspirei e vou escrever algo sobre a máfia”, mas as ideias, o caráter dos personagens, o clima do filme vai, sim, te dar sempre um leque maior na hora de escrever. Sempre tentamos dar uma diversificada nas temáticas, mas sempre abordando temas pertinentes ao estilo. De início tínhamos muito foco em atrocidades e coisas do tipo e na opressão das religiões sobre as pessoas. Depois fomos inserindo temas como o próprio fato de ser Headbanger, enaltecendo o estilo de vida do Metal e, por fim, estávamos escrevendo coisas mais pessoais, sobre nossa visão de mundo, sobre como vemos o funcionamento dos grandes esquemas, mas sem parecer muito politizado – apenas expondo algumas insatisfações. Além de letras mais ‘antropológicas’ que Demétrio tinha mais afinidade, mas também sem escrever nada do ponto de vista histórico e científico da coisa. Tinha que ter algo visceral misturado na coisa toda. (risos)

Recife Metal Law – Com relação à parte instrumental, como ela foi trabalhada? Como riffs, bases e levadas de bateriam foram criadas?
Dimas –
No geral Demétrio escrevia a maioria dos riffs. Erik também escreveu vários. Eu que nunca tive muita aptidão pra composição. (risos) Então os caras iam fazendo riffs aleatórios e gravando numa fitinha K-7. Aí íamos ouvir todos esses riffs e encaixando: “porra, esse podia entrar depois desse”, “esse soa como um refrão do caralho”, e tal. Daí íamos ao estúdio com o esqueleto arrumado assim, e íamos vendo o que estava funcionando e Erik já ia pondo a bateria que ele já tinha previamente imaginado pra cada riff. Daí íamos fechando a música e por fim eu ia encaixando a letra. Se não me falha a memória, praticamente todas as músicas seguiram essa metodologia. Talvez alguma coisa tenha saído de ‘jams’ no estúdio, mas não era muito o costume não.

Recife Metal Law – A parte gráfica foi toda criada pelo baterista Erik Cavalcanti, inclusive o logotipo do Anthropophagical Warfare. Isso foi uma opção de toda a banda ou Erik chamou toda a responsabilidade para si?
Dimas –
Isso veio desde o tempo da Demo, quando não tínhamos muito contato com o resto da cena, então a coisa era bem ‘DIY’, sem nem saber que tinha isso de ‘DIY’. E Erik sempre fazia os logos da banda (passando pelos outros nomes que tivemos) e também pintava pra caralho. Então um dia ele já chegou com uma imagem de um cara todo fodido e mutilado nas sombras pra ser a capa da Demo “Alone in the Shadows”. Aí não precisou de muita discussão. Daí os outros lançamentos próprios da banda foram sempre pinturas que Erik mesmo trazia (o DVD e o ‘debut’). Esse último, particularmente, eu acho muito foda, tanto a pintura da capa como todo o projeto gráfico do encarte, misturando as fotos dos integrantes com as tattoos (feitas pelo brother Luiz). Já o split com o Recidivus e o 4-way foram capas do brother Alcides Burn, que todo mundo conhece como um dos melhores ‘capistas’ do Brasil.

Recife Metal Law – Dos três integrantes, apenas Erik continua em atividade, sendo baterista do Uncivilized. Dimas sempre está presente nos shows, mas Demétrio anda um pouco sumido. Depois do lançamento de “At the Fields of Slaughter” se cogitou uma volta da banda, nem que fosse ao menos para um show, para celebrar o lançamento do álbum?
Dimas –
Não, ainda não foi cogitada a possibilidade de um show. O lançamento do CD foi, como eu disse antes, uma questão de expor pra galera um material que, na nossa concepção, não merecia ficar perdido. Não queríamos que fosse encarado como uma volta da banda ou algo assim, pois hoje em dia tá realmente difícil conciliar as correrias com a dedicação a uma banda. Até pra arrumar um tempo no fim de semana pra ensaiar é difícil, então ficou meio fora de cogitação. Até porque ia precisar de um ‘mói’ de ensaio para lembrar como tocava as músicas todas certinhas. (risos) Já são cinco anos, né? Brincadeira à parte, realmente não há ideia hoje de voltar a tocar não.

Recife Metal Law – Banda separada, integrantes com outros compromissos, CD lançado de forma independente... Com tudo isso, como vem sendo feita a divulgação e vendas desse material?
Dimas –
Por enquanto tá sendo feito de forma bastante tímida. Distribuí várias cópias em shows, diretamente com os bangers, mas ainda tenho que deixar em lojas e distros pra rolar uma divulgação mais abrangente. De toda forma fica o recado pra quem tiver interesse: pode entrar em contato no meu e-mail.

Recife Metal Law – Agradeço pelo tempo cedido, e ainda torço por uma volta do Anthropophagical Warfare. Fica o espaço para as considerações finais...
Dimas –
Então brother. Primeiramente, agradeço muito a você pelo apoio de agora e de todo o caminho do Anthropophagical Warfare. Agradeço ainda a Moondo Records e a todos os bangers, bandas, fanzines, produtores, distros e tudo mais que de alguma forma deu suporte para essa história ter acontecido. Pra quem puder, procurem o disco do ‘Anthropo’, o “At the Fields of Slaughter”, saquem lá, que a parada foi feita com muita honestidade e vontade. Para a nova geração dou os toques que a internet é um meio do caralho de procurar informações, de ler e expor opiniões, mas que existe muita coisa além dela que já existia e que sempre continuará existindo. Então procurem saber mais da vida além da tela do computador. Fazer polêmica em fóruns e redes sociais pode parecer divertido na hora, mas aprendam que isso tem consequências e as assumam. E lembrem que a vida já é cheia de regras, contratempos, perrengues e tudo mais pra tá por aí arrumando mais. E no mais é isso. Muita cerveja gelada e muito Metal pra todos e valeu a força sempre!

Contatos: [email protected]

Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação