UGANGA
Surgida em 1993, mas só vindo mesmo a se apresentar para o meio Underground alguns anos depois, a banda Uganga foge de rótulos e de regras (na entrevista a seguir a banda fala sobre radicalismo no meio Heavy Metal). Mesmo cantando em português, o Uganga já fez algumas turnês na Europa, o que culminou no ‘live álbum’ “Eurocaos ao Vivo”. A introdução não precisa ser longa, tendo em vista que Manuel “Manu Joker” Henriques (vocal), Christian Franco e Thiago Soraggi (guitarras), Raphael “Ras” Franco (baixo) e Marco Henriques (bateria), falam sobre diversos assuntos na entrevista e esclarecem qualquer dúvida acerca do Uganga. Confiram!
Recife Metal Law – O nome Uganga tem alguma relação com o filme “Oganga”?
Manoel “Manu “Joker” Henriques: Não. Eu estou ligado que tem esse filme, mas quando dei essa ideia de nome ainda não sabia da existência do mesmo. Antes a banda se chamava Ganga Zumba, mas tivemos que mudar devido à existência de outra banda (de Reggae) com esse nome. Como o pessoal se referia ao Ganga Zumba como “O Ganga” pegamos essa pronúncia, mas colocamos o “u” no lugar de “o” para representar União, algo que estava em falta na banda nos primeiros anos. Na real esse nome não significa nada, assim como Korzus, Kreator, etc. (risos)
Recife Metal Law – O Uganga surgiu em 1993, porém poucas informações se têm sobre esse início da banda. Inclusive, da formação original apenas resta Manoel “Manu Joker” Henriques. Por que não existem mais informações acerca do início da banda?
Manu Joker: Até 1997 a banda era só um projeto paralelo de integrantes do Nuts e D.O.T., nada mais sério; só tocar alguns covers de bandas Hardcore quando sobrava tempo. A partir de 1997 começamos a trabalhar material próprio em português e lançamos três Demos: “Antes Que O Mal Cresça” (1997), “100 Pressa 100 Medo” (1998) e “Couro Cru” (1999), que foram razoavelmente bem divulgadas em fita K-7 e CD-R. Tocamos na MTV; saiu uma matéria com a banda na revista Playboy, participamos de algumas coletâneas, enfim, fizemos um certo barulho dentro do tempo que dispúnhamos. Creio que muitas pessoas da cena Metal não têm informações do Uganga nessa época devido ao fato de ser praticamente outra banda, de um estilo musical mais experimental e bem menos pesado que o feito hoje em dia, além de contar com outros músicos, de outras formações, como jazz, punk, etc. Quando começamos o Uganga não buscávamos sonoridade alguma, só fazer um som e ver o que rolava. Eu já vinha tocando em bandas extremas desde 1986 e estava a fim de fazer algo fora dessa seara. Creio que isso foi a motivação dos outros caras também. Durante a gravação do nosso primeiro álbum (“Atitude Lótus” – 2002) rolaram várias tretas; eu passei da bateria para o vocal no meio das gravações; a maioria dos integrantes saiu e veio a galera que está na banda até hoje, com exceção do Thiago, que entrou um pouco depois, mas já está conosco há uns seis anos. Enfim, com nosso primeiro álbum fechamos o ciclo dessa fase inicial. Depois disso nos tornamos uma banda mais pesada, pois os caras que vieram são todos do Metal ou do Hardcore, assim como eu, e naturalmente a coisa foi para esse lado. Poderíamos ter colocado outro nome? Sim, mas não quisemos, pois sentimos que era um recomeço, no meu caso uma volta às raízes, e não algo totalmente novo. Podemos dizer que o Uganga teve duas fases: a primeira, como um projeto paralelo, onde tocávamos uma música por diversão, diferente do som que fazíamos em nossas outras bandas (todas mais pesadas), e a segunda fase, que já duram 11 anos (de 2003 até hoje), quando passou a ser nossa prioridade e pesamos no som. Foi inevitável retomarmos o que sabemos fazer melhor, misturar Metal e Hardcore a nossa maneira, mas sem esse período tocando outros estilos isso não seria possível. O elo de ligação entre essas duas bandas é a parte lírica e a liberdade criativa total, sem se prender a modismos ou regras pré-estabelecidas. Sempre fizemos o que nos deu na telha, nunca nos preocupamos com o que os outros pensam e continuaremos assim.
Recife Metal Law – Vamos falar sobre o recente lançamento da banda, o primeiro ‘live album’, “Eurocaos ao Vivo”. O CD foi lançado no ano passado, justamente quando a banda completou 20 anos de formação. O intuito desse lançamento era justamente esse: comemorar duas décadas de banda?
Marco Henriques: Sim, 2013 foi um ano muito produtivo para a banda. Estávamos completando 20 anos de Uganga, o que por si só já é algo que deve ser comemorado, levando em conta as dificuldades que uma banda independente de Metal encontra na sua trajetória. Além disso, foi nesse ano que fizemos nossa segunda tour na Europa; gravamos o novo trabalho, “Opressor”, no qual estamos apostando muito. Enfim, foi um ano de muita ralação e nada melhor que comemorar com esse lançamento, que trouxe um box bem completo para o público, contendo clipes, músicas extras, o documentário da primeira tour, o livreto, etc. Foi uma forma de comemorar e, também, presentear nossos fãs com um material de qualidade.
Recife Metal Law – As músicas que fazem parte desse lançamento foram retiradas de shows na Alemanha e em Portugal. A banda fez 18 shows. A razão foi apenas por esses shows contarem com uma aparelhagem melhor?
Raphael “Ras”: Sim, além das casas onde gravamos contarem com um equipamento de primeira, conseguimos um preço muito camarada se pensarmos no tamanho do investimento que teríamos que fazer para gravarmos um CD ao vivo aqui no Brasil. No geral em turnês pela Europa você só pega equipamentos ‘responsa’, mas nesses dois shows, em especial no da Alemanha, a estrutura era superior e tinha mais público por se tratar de um festival. Foi uma escolha acertada.
Recife Metal Law – Apesar de ser um álbum ‘ao vivo’, houve muito ‘conserto’ em estúdio e isso fez com que se perdesse a ‘crueza’ das músicas. Por que vocês decidiram trabalhar dessa forma nesse ‘live album’?
Manu Joker: Cara, eu gostaria que você me falasse quais foram esses “consertos” que você citou. (risos). Na verdade o que você ouve ali é a banda tocando ao vivo 100%, sem nenhum tipo de maquiagem, seja na plateia ou na nossa execução, e temos sido bastante elogiados em resenhas justamente por isso, por se tratar de algo cru e sem retoques. Até alguns erros nós deixamos, pois queríamos um trabalho honesto e não mentir para as pessoas. Eu estava cantando a uns dez dias direto e mesmo assim não fiz um retoque, nada. Não damos a mínima para essa perfeição que algumas bandas buscam quando gravam um disco ao vivo e pedimos exatamente o contrário pro Vulcano (Hellish War), que foi quem mixou todo o álbum. Queríamos um som cru e direto, sem overdubs e é isso que colocamos no CD. Se parece ter tido retoques, mérito nosso na hora do show. (risos) De edição tivemos apenas que separar os covers do Sepultura e do Sarcófago, que no show de Portugal foram apresentadas em forma de medley, pois a Cogumelo só liberou essas faixas com essa condição, muito devido à rivalidade entre as bandas, algo que, diga-se de passagem, não damos à mínima. De resto é o Uganga soando da maneira que soávamos ao vivo quatro anos atrás. Damos o nosso máximo em todos os shows e se fosse gravado hoje em dia com certeza a banda soaria melhor. (NDE.: Então fica os parabéns para a banda, pois eu cheguei a pensar que havia ocorrido algum ‘retoque’. O brilhantismo da banda, tocando ao vivo, tenho que agora ressaltar. Novamente, parabéns!).
Recife Metal Law – Nesse ‘live album’ é possível notar toda a força do Uganga ao vivo. Não diria que é um álbum para ortodoxos, tendo em vista que o Uganga usa, no seu Hardcore, de muita influência contemporânea e passagens com bastante groove. Mas como foi fazer esses shows na Europa? Como o público recepcionou a sonoridade da banda?
Manu Joker: Obrigado pelos elogios, mano! Bem, quem se importa com ortodoxos, radicais, ‘trues’, donos da verdade, ou seja lá o que for? (risos) Nós com certeza não. Pra ser bem sincero, desde que comecei a tocar, por volta de 1986, acho o radicalismo dentro da cena uma tremenda perda de tempo, coisa de novato querendo pagar de fodão, mas cada um faz o que quiser da vida. Sobre a recepção, nas duas vezes que estivemos pela Europa fomos extremamente bem recebidos e o fato de cantarmos em português, ou as referencias mais contemporâneas no nosso som, não foram entrave para isso. Creio que as pessoas sentem que estamos ali por amor à música e não para tentar ser o que não somos e acabam valorizando isso. Na Europa muitas vezes os shows rolam com bandas de estilos variados e todo mundo respeita, enquanto aqui muitos ficam brigando por migalhas.
Recife Metal Law – Esse lançamento vem com a parte gráfica muito bem cuidada. Inclusive existe um encarte com o ‘tour report”, que fala como foram os 29 dias que a banda passou na Europa. Eu já ouvi comentários de que muitas bandas vão para Europa, mas acabam se bancando por lá e passando por muitos perrengues. Como foi para o Uganga (NDE.: quem adquirir o CD poderá ter uma ideia do que foi a turnê do Uganga na Europa, já que o documentário que vem na faixa multimídia é excelente!)?
Marco: Queríamos lançar um material bem completo. Todos sabem que as vendas de CDs não estão em alta, então nossa intenção foi criar um ‘pack’ que atraísse, que não se limitasse às faixas do CD, e acho que conseguimos. Todas as resenhas desse novo trabalho vêm destacando a parte gráfica e os extras como o livreto, o documentário, etc. Sobre a tour, com certeza também passamos por alguns perrengues. Mas tudo acaba sendo um aprendizado. Em nossa primeira tour, em 2010, aprendemos muito, vimos o que funcionava, o que poderíamos fazer diferente, e isso fez total diferença na segunda tour. Mas cada segundo vale a pena, seja dormindo em um hotel cinco estrelas ou em um ‘squat punk’ com cachorros passando do seu lado. A essência é essa. Rock ‘n’ Roll, estrada, novas amizades e muitas histórias para contar.
Manu Joker: Sobre a arte, vale dizer que foi feita pelo Marco, assim como a dos outros dois CDs anteriores, e grande parte do próximo (“Opressor”), com exceção da capa, que dessa vez foi assinada por um artista de Belo Horizonte, amigo nosso. É muito bom poder resolver isso “em casa”.
Recife Metal Law – No meio das diversas fotos encontradas, vi uma que a banda se encontrou com os pernambucanos do Infested Blood, que na época também estava em turnê pela Europa. Além dos pernambucanos, vocês chegaram a encontrar muitos brasileiros por lá?
Thiago Soraggi: Tivemos a honra de tocar com os caras do Infested Blood no braço espanhol da tour, eles já estavam há meses na Europa junto com uma banda da Ucrânia chamada Balfor. Foi um dia foda! Tocamos em um lugar bem ‘inferninho’ e foi muito da hora. Primeiro, porque encontramos os caras lá, segundo porque realmente foi uma experiência boa para banda, pois tocamos com bandas bem rápidas e técnicas (quem conhece o Infested Blood sabe o que eu estou falando), talvez um dos públicos mais extremos de toda a tour e a receptividade pro Uganga foi fantástica! Terceiro, porque nesse dia, em especial, fizemos uma puta festa com a ‘crew’ dos “BRUTOS LOCOS” depois do show, regada a cerveja, drinks especiais e mais alguns aditivos. Fora os amigos do Infested Blood, encontramos um primo do Christian e do Ras (Raphael), que estava estudando na cidade do Porto na época e foi presenciar o último show da tour em Portugal, e teve um belga filho de brasileira na Antuérpia também. (risos)
Recife Metal Law – No “Eurocaos ao Vivo” são encontradas duas músicas de estúdio. Na verdade são músicas que saíram em tributos – ao menos “Não Desista” do Stress é. Por que vocês decidiram colocar essas duas músicas como bônus no CD?
Thiago: Essa decisão partiu naturalmente, uma vez que essas duas músicas já estavam na agulha, uma para sair no tributo ao Stress, que será lançado na Europa (via Metal Soldiers Records) onde fizemos uma releitura de “Não Desista”, e outra que saiu no tributo a banda baiana de HC/Punk Pastel de Miolos, onde fizemos a música “Desespero”. São duas composições excelentes, de duas bandas idem, apenas demos nossa cara e ficamos satisfeitos com o resultado. Decidimos colocá-las de bônus no “Eurocaos ao Vivo” como atrativo para os fãs, juntamente com o tourbook, os clipes e o documentário dessa primeira experiência no Velho Mundo.
Manu Joker: A real é que esse CD não estava programado, pintou a chance de gravar os dois shows, os selos animaram lançar e nós colocamos mais atrativos no pacote para ficar algo mais interessante, tanto para o público da banda quanto para quem está nos conhecendo agora.
Recife Metal Law – E a faixa “Antwerpen Dub”? Ela serve apenas para finalizar o CD?
Raphael: A gente sempre gostou de usar vinhetas, samplers, e sempre tivemos essa coisa de misturar no nosso Thrashcore pequenos detalhes de rap, reggae, etc. Então “Antwerpen Dub” vem para, além de fechar o disco, mostrar um pouco dessas outras influências do Uganga. Isso vem desde o início da banda e espero que nunca pare.
Manu Joker: É bom também, porque sempre deixamos alguns puristas putos. (risos) A nossa verdade é que, apesar de sermos oriundos do som pesado, temos a cabeça aberta para outros estilos e estamos bem assim.
Recife Metal Law – Uma faixa multimídia abre, no computador, a opção de se ouvir o CD na máquina e, ainda, de ver um documentário e clipes. A banda realmente caprichou no lançamento. Vocês acham que disponibilizar tudo isso é um atrativo a mais para que mais pessoas tenham o interesse em pegar o material em seu formato físico?
Christian Franco: Com toda certeza! Cada dia mais as pessoas querem saber sobre as bandas e ter acesso a informações, além do que, um trabalho mais completo e com tudo muito bem feito, mostra o profissionalismo que nós sempre estamos buscando.
Recife Metal Law – “Eurocaos ao Vivo” foi lançado pelo selo português Metal Soldiers e pelo selo brasileiro Incêndio. Além disso, teve o apoio de um Programa Municipal de Incentivo à Cultura. Todo esse conjunto ajuda bastante na divulgação do CD, não estou certo?
Christian: No Brasil também teve a Sapólio Rádio de Uberaba junto com a Incêndio, que é mais focada na parte de merchandise. Sobre sua pergunta, claro que sim, mas além de ser uma ótima forma de divulgação, também é um meio de viabilizar financeira e logisticamente um trabalho, que se não fosse assim, demoraria mais para acontecer. No Underground toda ajuda é bem vinda e torcemos para que cada vez mais os artistas independentes possam contar com o auxílio do governo, seja na esfera que for.
Recife Metal Law – A banda já está com o novo CD pronto, o qual recebe o título de “Opressor”. Já existe a previsão de lançamento do novo álbum e por qual selo será lançado?
Manu Joker: “Opressor” está 100% finalizado. Gravamos em Goiânia no Rock Lab com o mestre Gustavo Vazquez, que já trabalhou com Hellbenders, KroW, Rinoceronte, DFC e várias outras bandas. Ele conseguiu deixar tudo bem pesado e com uma timbragem mais viva, analógica... Está soando como a banda deve soar e não como essas produções digitais genéricas que tem aos montes por aí. Tenho certeza que gravamos nosso melhor trabalho até aqui e não vejo a hora desse material sair! O Sapólio Radio daqui de Minas Gerais vai prensar o vinil. O CD ainda estamos definindo por qual selo lançar. A Incêndio continua cuidando do merchandise e temos uma parceria forte com a Travesseiro Discos também, na parte de vídeo. Mesmo com a crise na indústria fonográfica recebemos três propostas interessantes para prensar o CD e estamos resolvendo junto com o Eliton Tomasi (manager da banda) por qual optar. Na Europa ainda estamos com a Metal Soldiers de Portugal e logo vamos sentar pra conversar sobre o “Opressor”. Tem um selo da Polônia que também se mostrou interessado, então é só definir essa parte burocrática e o CD sai.
Site: www.uganga.com.br
Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação e Brendan Greene