PESADO





Eu poderia ser bem sucinto nessa introdução, afinal Wilfred Gadêlha é figura bem conhecida, não somente no Underground pernambucano, onde já tocou/toca em bandas como Câmbio Negro, Will2Kill e Cruor, esta última, inclusive tendo lançado um EP com os seus vocais e tendo feito uma abertura arrebatadora do show do Megadeth em Recife. Porém Wilfred não é apenas um vocalista, mas, como o tempo tratou de mostrar, figura importante para a divulgação do Heavy Metal pernambucano em todo o território brasileiro. Desde cedo mostrou que queria ser jornalista, além de músico e headbanger. Já trabalhou no Jornal do Commercio e Diário de Pernambuco, não necessariamente na parte de música (mas claro que vez ou outra ele inseria notícias ligadas ao Heavy Metal no jornal), e atualmente tem um programa de rádio, que recebe o nome de “PEsado – É lapada para todos os gostos”. PEsado também é o título que recebe o seu primeiro livro, que recebeu ótimas críticas e é um material indispensável para quem quer conhecer os primórdios da música pesada em Pernambuco, e de sua importância para o restante do país. Bem, com a palavra Wilfred Gadêlha.

Recife Metal Law – Teu início com o ‘jornalismo’    se deu com o fanzine Psicose. Como foi fazer um fanzine numa cidade onde se tinha pouca informação e de que forma ele te ajudou a moldar a carreira de jornalista?
Wilfred Gadêlha –
Na verdade, o fanzine, feito por mim, meu irmão Márcio (que colaborou muito com o Recifezes) e mais alguns amigos, não era em Goiana (cidade do interior pernambucano, distante cerca de 60 quilômetros da capital). Nós morávamos na Região Metropolitana desde 1986. Em 1990 vivíamos na Várzea e conhecemos o pessoal do Necrópsia, além de alguns ativistas punks e do Metal na Escola Técnica. Para fazer show, produzir fanzine e montar banda foi um pulo. Durou três números e nele entrevistamos Fire Worshipers, Ratos de Porão, Dorsal Atlântica e Morbid Angel, entre 1990 e 1991. Depois colaborei com o Informativo NE Bangers, do amigo Ary Peter. Foi quando comecei a notar que gostava de entrevistar, escrever e editar. Considero como meu início no jornalismo. Ah, e eu também fazia as ilustrações. (risos) O logotipo do zine fui eu quem fez, assim como o primeiro do Dark Fate.

Recife Metal Law – Tu és natural de uma cidade do interior de Pernambuco, Goiana, mas desde cedo teve contato com o Heavy Metal. Como foi esse início e quais bandas te, digamos, ajudaram a moldar teu gosto musical?
Wilfred –
Como disse, vim morar em Olinda em 1986. Foi aí que comecei a curtir. Lá na Escola Técnica, que era um antro de punks e headbangers. Mas o primeiro disco que realmente ouvi, levei para casa e endoidei foi o “Powerslave” do Iron Maiden, empresariado pelo meu primo Neném. Ouvi “Aces High” oito vezes de tanto que curti. Tanto que nem gosto muito de “2 Minutes to Midnight”. Então, fui ouvindo coisas como Rush, Black Sabbath (com Dio) e Led Zeppelin. Em fevereiro de 1987, ouvi o “Master of Puppets” e pirei no Metallica. A essa altura alguns amigos de Goiana já curtiam algo e sempre levávamos discos e fitas para lá e trocávamos informações. Conheci Venom, Mercyful Fate, Slayer e Megadeth e fui entrando no sombrio mundo do Underground.

Recife Metal Law – Quanto tu começaste o fanzine veio, de logo, a vontade de trabalhar com jornalismo?
Wilfred –
Quando fazíamos o fanzine eu ainda estava na Escola Técnica. Em 1991 fui estudar em outro antro de bangers, o Especial, e foi lá que comecei a querer ser jornalista. No jornalzinho da escola escrevi meu primeiro texto ‘impresso’ mesmo e já era reclamando do preconceito contra o Metal. (risos) Só em 1992 me decidi mesmo e passei no vestibular da UFPE.

Recife Metal Law – Tu és jornalista formado, mas não trabalhas na área musical. Como é o dia-a-dia na redação e com que tipo de notícias tu trabalhas?
Wilfred –
Cara, é uma rotina estressante, que vem mudando nos últimos tempos com o crescimento da web e das redes sociais. Eu só trabalhei em caderno de cultura uns seis meses, no Diário de Pernambuco, mas sempre escrevi sobre Metal lá e no Jornal do Commercio também. Eu trabalhei em quase tudo em jornalismo. Só não nos cadernos de tecnologia, mas até matéria de maquiagem eu já escrevi. E não era sobre corpse paint. (risos) Mas passei mais tempo trabalhando na editoria de Internacional.

Recife Metal Law – De uns anos para cá o Heavy Metal tem ganhado muitos livros, sejam biográficos (bandas ou determinados músicos) ou que contem a história de uma cena local. Foi em razão disso que veio tua vontade em fazer o Livro PEsado?
Wilfred –
Na verdade, a vontade veio antes da ‘moda’. Sempre quis, mas achava difícil chegar lá. Foi preciso conhecer a socióloga Daniela Maria Ferreira, ela sim a mentora disso tudo, para entrar na pesquisa a fundo e desenvolver o projeto do livro, junto com meu colega jornalista Amilcar Bezerra e o etnomusicólogo francês Jorge de la Barre.

Recife Metal Law – Como foi todo o processo de pesquisa para se captar curiosidades para o livro?
Wilfred –
A pesquisa foi longa. Aprovamos dois projetos de pesquisa cultural via Funcultura, que nos permitiram aprofundar o assunto e financiaram a ida ao interior, em cidades como Surubim ou Garanhuns. Nesse meio tempo, a gente conversou com mais de 150 pessoas. Era natural que surgissem muitas histórias. Algumas eu já sabia, outras estava presente. Particularmente eu adoro toda a ‘mitologia’ em torno do primeiro show do Sepultura em Caruaru, em 1987. Tem muita coisa ainda para contar... A pesquisa nos fanzines também se revelou um celeiro de boas histórias.

Recife Metal Law – Sobre curiosidades, tu conseguiste juntar muitos relatos, até mesmo de algumas pessoas que hoje não tem tanto envolvimento com o Heavy Metal. As pessoas entrevistadas se mostraram empolgadas com o teu projeto?
Wilfred –
Uma coisa que sempre ouvi foi: “Se alguém tem que escrever um livro sobre o Metal de Pernambuco, tem que ser você”. E eu fui acreditando nisso. Me empolguei bastante e ainda acho que teve muita coisa que ficou de fora. Por mim o livro tinha mil páginas! (risos) Muitas entrevistas foram empolgantes. Nato Vilanova, Max Cavalera, Guga e Nina Burkhardt. A mais interessante foi, na verdade, um bate-papo com Otávio Augusto, vocal do Taurus. A base da entrevista da banda foi com o guitarrista Cláudio Bezz. Mas fui a um show do Anthrax e Testament em São Paulo, em 2013, e encontrei com ele. Disse quem eu era e o que estava fazendo e ele me contou uma história divertidíssima sobre o Taurus ser confundido com o Chiclete com Banana em 1987. (risos)

Recife Metal Law – Taurus confundido com o Chiclete com Banana? Ele te falou como ocorreu isso?
Wilfred –
A história é engaçada. O show deles aqui foi em abril de 1987, e eles ficaram hospedados em Boa Viagem. Então, chegaram um dia, acho, antes do show, que foi no Teatro Apolo. Foram dar uma volta no calçadão. E passou um ônibus lotado de garotas. Elas abriram as janelas e cantaram uma música pra os caras do Taurus, todos cabeludos e tal. A música era “Fé Brasileira”, do Chiclete com Banana. Eles não entenderam nada até se depararem com um outdoor anunciando o primeiro show do Chiclete no Recife.

Recife Metal Law – Sobre o Taurus, o livro começa com um relato sobre o primeiro show de Heavy Metal com uma banda de fora do Estado. Mas esse show, com o Taurus, não começou de forma satisfatória, pois houve um caso de violência antes do início do show. Por que dar início ao livro com tal relato, já que o ato de violência não envolveu os Headbangers da época?
Wilfred –
Foi uma maneira de quebrar paradigmas logo de início. Somos acostumados a sermos vistos como violentos e agressivos. Por isso, quando se fala que houve uma morte no primeiro show de banda do Sudeste pensa-se logo que tenha a ver com o Metal. Mas não. Não teve e foi por isso que a história contada pelo Alexandre Yuri é legal: é uma síntese do que somos obrigados a passar.

Recife Metal Law – O falecido Humberto Brito tem um grande espaço no livro. Isso, de certa forma, mostra tua preocupação em relatar como essa pessoa foi importante para a divulgação do Rock e Heavy Metal em Pernambuco. Tu achas que se não fosse Humberto, Pernambuco hoje teria tanta importância para o Heavy Metal, não somente no próprio Estado, mas em todo o Brasil?
Wilfred –
Em todos os lugares houve alguém como Humberto. Se não fosse ele, seria outro. Mas alguém com as peculiaridades dele, talvez não rolasse. Humberto era ‘muito doido’, como diria o jargão da época, embora não haja relatos de que ele se envolvesse com drogas. Mas tinha suas idiossincrasias e é por isso que ele foi o que foi. A cena de Pernambuco também é muito doida, (risos) mas não vejo tanta diferença das outras cenas: ela ganha importância quando é colocada ao lado do que mais ‘odeia’, ou seja, a cultura popular, o carnaval, a tradição do forró e o manguebeat.

Recife Metal Law – Quer queira, quer não, antigamente o Heavy Metal tinha mais locais para ser apresentado em Pernambuco. Hoje em dia a realidade é outra e o público parece não se importar muito com isso. Esse impacto do tempo acaba prejudicando, de alguma forma, o legado deixado por tantos desbravadores da cena Heavy Metal local?
Wilfred –
Que pergunta complexa! (risos) Bem, eu acho que já passamos por várias fases. Não sei se tínhamos tantos lugares assim, mas faz falta um lugar pra gente chamar de nosso. Isso falta. No que se refere ao que você chama de legado, acho que o livro terminou aproximando as gerações. Tem ‘coroa’ que não conhecia as bandas de hoje e moleque que não sacava as paradas das antigas. Isso se refletiu em conhecimento e conhecimento nunca é demais.

Recife Metal Law – O livro dedicou várias páginas a fotos, sejam elas mais recentes ou antigas. Vendo as fotos antigas dá para imaginar como foi o começo e como eram os shows naquela época. Mas, como uma pessoa que participou desse desenvolvimento musical, como tu descreves àquele período?
Wilfred –
Bicho, tem uma coisa interessante: todo mundo acha que a ‘sua’ época é a mais legal. Ou seja: aquele momento mágico em que você descobre quem tem mais gente igual, que curte as mesmas coisas, que entende você. Então, essas fotos refletem momentos da cena. A depender de quem veja, elas podem ter um determinado efeito. E o livro mostra diversos períodos. O proto-Metal, os pioneiros, a ascensão dos subgêneros mais extremos, as vacas magras, os shows ‘gringos’. A cena é dinâmica. Não dá para descrever num parágrafo. Tentei em quase 400 páginas e ainda tem gente que reclama que faltou coisa.

Recife Metal Law – O lançamento do Livro PEsado teve apoio do Governo do Estado e algumas Secretarias. Ter esse apoio foi essencial para que o livro saísse com a qualidade que saiu?
Wilfred –
Não fosse o Funcultura não haveria livro. Os custos são altos. Muito. Sessenta por cento do orçamento foi para a gráfica. Porque, na minha concepção, o livro tinha que ser um produto bem acabado, nos moldes das publicações ‘gringas’. Por causa do apoio do governo, pudemos baratear o valor de capa. Sem isso, complicaria.

Recife Metal Law – A primeira prensagem já se encontra esgotada. Existem planos para lançar uma segunda prensagem?
Wilfred –
Existem. Em breve teremos novidades. Fiquem atentos.

Site: www.facebook.com/wilfred.gadelha.7

Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação, Bento Gomes, Annaclarice Almeida