VIOLATOR
Violator é uma banda que respira e exala Thrash Metal, algo que pode ser bem nessa nova entrevista que a banda cedeu ao Recife Metal Law na pessoa do vocalista/baixista Pedro “Poney Ret” Arcanjo. A banda continua divulgando seu álbum “Scenarios of Brutality”, lançado em 2013 pela Kill Again Records. Mas a entrevista não se ateve apenas ao mais recente full lenght. Diversos assuntos foram abordados, desde o início da banda, questões políticas, Underground, shows, paradas da banda... A entrevista é longa, mas bastante elucidativa. “Poney” não poupou e falou de tudo, com muita espontaneidade e sinceridade. Além de “Poney”, o Violator traz em sua formação (desde 2006) Pedro “Capaça” Dias (guitarra), David “Batera” Araya e Márcio “Cambito” (guitarra). Um dia disseram que a volta do Thrash Metal era apenas uma moda. 14 anos de Violator provam que isso foi apenas uma afirmativa infeliz.
Recife Metal Law – Vamos começar falando sobre a parada de um ano que o Violator deu. Um dos fatores para que isso ocorresse foi o nascimento da primeira filha de Pedro “Poney”?
Pedro “Poney Ret” Arcanjo – Primeiramente, obrigado pelo apoio de sempre, Valterlir. Prazer estar em contato depois de tantos anos. A gente valoriza muito essas parcerias no Underground. Você sabe melhor do que ninguém ou como poucas pessoas o tipo de visão que a gente tem do que é o Underground. Então, pra gente, estar em contato com essas pessoas, estabelecendo essas parcerias, essas cooperações, é uma das coisas mais importantes de ter a banda. Na verdade a gente fez duas pausas recentemente na história do Violator. A banda sempre funcionou ininterruptamente até 2014, quando a gente ficou parado por um ano e, mais recentemente, quando a gente ficou parado um semestre, em 2015. A primeira pausa veio por um pedido do “Batera”, que precisava organizar a vida profissional dele e, logo depois, a minha filha nasceu. Então a gente fez uma pausa de um ano, nisso. Ficamos mais seis meses no começo de 2015, quando o filho do “Capaça” nasceu. Voltamos em janeiro desse ano, quando fizemos um show em Belém. No total foi um ano e meio de pausa, sendo que a banda existe desde 2002. O que é bem legal e bem louco é ver que a banda é uma coisa que a gente carrega desde 2002, quando a gente era estudante do ensino médio e as nossas vidas já se transformaram muito desde então. Hoje temos dois pais de família e muitas coisas aconteceram. Mas, de alguma maneira, a nossa amizade é muito forte. Permanece a nossa paixão pelo Underground, pelo Thrash e a gente consegue arranjar maneiras de as nossas vidas ir se transformando dos jeitos mais radicais possíveis, e a banda ser uma constante nisso tudo. A gente fica bem feliz com isso.
Recife Metal Law – O que essa parada fez mudar, tanto na banda como nos músicos? Do que vocês mais sentiram falta?
Poney – Eu acredito que essa pausa fez a gente valorizar ainda mais os processos mais simples do Violator. Coisas como ficar tocando muito, o tempo inteiro e a banda estar sempre existindo. A gente acabava, de alguma maneira, se esquecendo delas ou ficando “cegos” para elas. Por exemplo, desde que a banda voltou a ensaiar tem sido um prazer enorme. A gente se reunir para tocar e tirar um som, fazer música, isso daí eram coisas que por um momento do Violator estavam perdidas. A gente tocava tanto que tinha um momento que a gente nem queria saber de ensaiar. Ensaiar era uma obrigação muito chata, sabe? E nos momentos de maior intensidade de atividades até viajar com a banda virava uma obrigação. Uma turnê, aqueles shows cansativos... De alguma maneira essa pausa foi muito saudável pra gente; de alguma maneira, renovar a paixão que a gente tem pela banda. E isso é fundamental. Eu acho uma das coisas mais valorosas que tem no Underground, de ser um espaço que a gente tem para produzir por paixão. No mundo todo, tudo é baseado no dinheiro, no status, as relações são todas marcadas por esse interesse de sempre conseguir alguma coisa. No Underground é onde a gente pode produzir por pura paixão, e isso é muito raro. De alguma maneira, se reencontrar com essas músicas e com essas coisas mais simples, como um ensaio no meio de semana, foi a coisa mais bacana dessa pausa. Hoje em dia, para mim, mais interessante do que fazer uma turnê, tocar com alguma banda grande ou fazer um show enorme, eu me sinto muito mais realizado simplesmente por estar com meus amigos e fazer um som. Isso é o mais importante.
Recife Metal Law – A banda surgiu em 2002 e lembro que o meu primeiro contato com a banda foi quando lançaram o EP “Violent Mosh”, em 2004. Cheguei até trocar algumas cartas com o Pedro “Capaça”. Nesse mesmo ano a banda tocou na capital pernambucana; um show inesquecível para mim. Mas vocês eram apenas garotos, com menos de 18 anos e que sequer bebiam. Além da idade, o que mais mudou nos integrantes do Violator? Os sentimentos de mais de uma década atrás ainda continuam os mesmos?
Poney – Pois é, cara! Esse show em 2004, em Recife – junto com o Executer –, foi histórico pra gente também. Foi a primeira vez que a gente foi ao Nordeste. A gente era moleque, tínhamos acabado de lançar o “Violent Mosh”. A gente tinha, ali, entre 17 e 18 anos, e foi uma coisa incrível para a gente poder vivenciar tudo isso. Com menos de 20 anos de idade, viajamos o Brasil inteiro. Com 21 anos tínhamos viajado o continente sul-americano todo, praticamente. O Underground deu uma oportunidade de vida pra gente incrível. Mas, enfim, muita coisa mudou, desde então, é claro. Acho que somos pessoas diferentes, mais maduras, eu acho. Mas ao mesmo tempo existe uma essência ali, que está desde o começo do Violator e que se mantém até hoje, que é a honestidade com a qual a gente leva a banda; simplicidade com a qual a gente costuma fazer as coisas e, especialmente, a paixão que a gente tem pelo Underground e a nossa amizade. Essas coisas são as mais importantes para o Violator. São as coisas que definem o Violator, e essas coisas, eu acho, que se mantêm desde que a gente começou a tocar juntos, os três integrantes originais do Violator, em 1999. Então esse ano a gente tá completando 17 anos tocando juntos, e dez anos da formação com o “Cambito”. Essas coisas são pilares do Violator e elas se mantêm. Mas ao mesmo tempo a gente se transforma muito. Todos hoje têm mais de 30 anos de idade, pais de família, as nossas responsabilidades são outras, nossa própria paciência com certas coisas da cena, é outra também. E outra diferença é que todo mundo usa drogas hoje em dia. (risos) Já estamos velhos pra isso.
Recife Metal Law – Mesmo contando com garotos, a banda fez diversos shows após o lançamento de seu primeiro EP. Como vocês encararam tudo isso? Vocês esperavam que fosse acontecer de forma tão rápida?
Poney – Tudo que sempre aconteceu com o Violator, aconteceu da forma mais natural e inesperada possível. Eu lembro quando o Violator começou e a gente tinha essa coisa de querer fazer um Thrash Metal ‘old school’, um Thrash Metal dos anos 80. A gente estava ao mesmo tempo conhecendo esse tipo de som, e já era uma coisa que encantava totalmente a gente. E a gente não imaginava que tivesse alguém interessado nisso. Eu lembro que a própria palavra Thrash estava esquecida. Eu lembro de ter uma camisa do Kreator e o pessoal falava “Ah, essa banda de Death Metal”, e eu falava “Não cara. É Thrash! Como assim?”. Era um momento de total baixa no Thrash. A gente não tinha nenhuma expectativa, além de se reunir todos os sábados para tocar. O que a gente gostava mais da banda era isso: a gente se reunir no sábado, na casa do Juan (NDE.: guitarrista da formação original do Violator), para fazer um som, todos os sábados, e isso a gente fez por mais de um ano sem ter perspectiva de show nenhum. Várias coisas foram acontecendo, mas isso não quer dizer que a gente fez as coisas com seriedade. A gente sempre levou as coisas com muita seriedade, justamente pelo tamanho dessa paixão.
Recife Metal Law – Sobre a primeira Demo, a banda ainda não tinha um som definido, e foi com o EP que a banda mostrou o Thrash Metal que a catapultou ao posto de uma das bandas mais importantes do Thrash Metal nacional. Vocês lembram como foi compor as primeiras músicas?
Poney – Mesmo nos primeiros feitos, a gravação do “Violent Mosh” era para ser uma segunda Demo, que acabou de o Rolldão e a Kill Again Records participar e acabou virando um material oficial. A gente foi fazer o lançamento do EP no Paraguai. Encaramos 30 horas de ônibus! O “Capaça” fez o aniversário de 18 anos lá! E a gente sempre se jogou de cabeça em todas essas coisas, de fazer uma turnê no Nordeste, e a gente sempre mergulhou fundo no que a gente acreditava e gostava. Mas nunca foi esperando qualquer tipo de retorno para além da diversão, de estar com os amigos e de aproveitar aquele momento. Até hoje quando eu paro e penso no tanto de coisa que a gente conquistou e conseguiu fazer, eu fico surpreso. Mas, ao mesmo tempo, eu também fico muito contente que (e posso falar isso com muito orgulho) não foi uma coisa que subiu para a cabeça de ninguém. Eu me sinto muito grato de tocar com os moleques, todos os outros integrantes do Violator; de serem pessoas que compartilham dessa simplicidade na hora de abordar a música. A nossa relação com música e com o Underground é mais importante que qualquer status, do que qualquer outra coisa. Enfim, foi tudo muito surpreendente. A gente não esperava esse retorno e até hoje isso mostra como a gente leva a banda. Em certos lugares da América do Sul o Violator é uma coisa muito grande... As pessoas acham que o Violator é uma grande banda e a gente até hoje a gente nem acredita nisso, nessa receptividade. A gente leva a banda no mesmo espírito que a gente levava há 10 ou até mesmo 15 anos atrás: uma coisa de ser um espaço de produção com os amigos. E a gente fica muito feliz de ter tanta gente que gosta. Um prazer enorme isso, mas, no final das contas, é a nossa coisa, de nós quatro.
Recife Metal Law – Atualmente vocês continuam divulgando seu segundo álbum, “Scenarios of Brutality”. A sonoridade, mesmo sendo Thrash Metal, está mais direta e crítica. Isso foi algo que vocês pensavam já em fazer ou surgiu de forma natural?
Poney – Na Demo “Killer Instinct” a gente ainda estava no 3º ano do 2º grau. Eu lembro de muitas bandas que a gente escutava na época: Forbbiden, Annihilator, Sepultura do “Beneath the Remains”... Kreator era uma banda que eu sempre ouvi muito... Mas a gente ainda estava aprendendo aquilo, a tocar os instrumentos, aprendendo aquela linguagem. Onde a coisa vem para valer mesmo é no “Violent Mosh”, onde as músicas foram compostas em 2003 e a gravação aconteceu em janeiro de 2004. É ali onde a gente já compreende melhor o que queríamos fazer dentro do Thrash. Claro que desde então muita coisa mudou, a banda evoluiu bastante. As músicas do “Violent Mosh” carregam uma inocência e uma ingenuidade que é bonita. Eu as admiro, vendo-as hoje em dia, mas é uma coisa que fica até difícil de a gente reproduzir. Ao mesmo tempo eu acho que as músicas mais recentes, do “Scenarios of Brutality”, têm uma complexidade no sentido positivo, uma complexidade não necessariamente técnica, porque as palhetadas do “Capaça” sempre foram fudidas! Mas elas têm uma complexidade, uma intensidade que é fruto do amadurecimento dentro dessa nossa exploração do Thrash. Eu lembro muito das primeiras músicas, escrevendo letras na sala de aula... “Thrash Maniacs”... Lembro muito dessa nossa descoberta, entendendo ainda como tocávamos os instrumentos; o “Batera” ainda descobrindo como se fazia a batida do Thrash. Até a coletânea que participamos, a “Fast-Food Thrash Metal”, o “Batera” ainda não sabia como fazia uma levada “tupa, tupa”. Eu lembro que a gente levava um cover do Slayer... No primeiro show do Violator a gente levou um cover do Slayer, “Angel of Death” – tocávamos Testament também – e ele tocava tudo no contratempo, rapidaço, que a gente nem sabia como funcionava a batida do Thrash. A gente era muito moleque e tinha pouco contato, pouca troca, pouco intercâmbio... A gente estava começando... As primeiras trocas de correspondências com o pessoal do Blasthrash... Era um momento de muitas descobertas, da cena, do cenário, da comunidade Underground, mas também de nós mesmos, de técnica, de aprender a tocar, de descobrir música, o estilo, tudo isso. Eu vejo um caminho natural, desde a Demo até o disco “Scenarios of Brutality”. Eu enxergo a passagem de um disco para o outro sempre como uma evolução da banda. A gente sempre se propôs a fazer Thrash Metal anos 80, Thrash Metal ‘old school’, mas a gente sempre quis fazer alguma coisa que fosse relevante pra hoje. A gente nunca quis fazer uma coisa genérica. Esse é o grande perigo, de você querer fazer música em um subgênero tão específico e que tem tantas marcas já; você fazer aquela coisa genérica, totalmente sem graça, aquela coisa que a pessoa escuta e fala “Puta merda! Já ouvi isso mil vezes!”. Nossa preocupação foi sempre esse, de não apenas emular um sentimento antigo, não simplesmente reproduzir um sentimento que já foi feito, mas de a gente conseguir criar dentro daqueles parâmetros sonoros, criar uma coisa que tenha força, tenha intensidade, relevância para hoje, que surpreenda. Eu vejo o disco nesse caminho. Desde que a gente é moleque a gente sempre pirou no lado mais agressivo do Thrash: Dark Angel (do “Darkness Descends”), Slayer (do “Reign in Blood”), Sepultura (do “Beneath the Remains”), Kreator (do “Pleasure to Kill”, “Extreme Agression”). Esse lado mais direto do Thrash sempre encantou mais a gente. Se você for acompanhando a evolução dos discos, vai sempre nessa formatação de a gente criar essa coisa mais rápida, mais direta, mais precisa. Esses são os sentimentos que a gente sempre busca. Esse é o tipo de Thrash. Tem muita gente que reclama do Violator, já ouvi falando, que acha que a banda é muito direta, muito repetitiva, muito a mesma coisa. Mas esse é o tipo de música que a gente mais gosta dentro do Thrash Metal. São esses discos que falei. É essa coisa da intensidade, da velocidade, de muitos riffs. O Dark Angel, porra, do disco “Times Does Not Heal”, tem duzentos riffs, aquela porra! (risos) E aquilo sempre foi a referência pra gente. A gente sempre gostou de todo tipo de Thrash, mas esse lado que é mais intenso, não necessariamente mais ‘evil’ e muito menos o lado mais leve, divertido. Esse foi o lado que a gente sempre gostou mais, que sempre gostou de tocar. Foi sempre o tipo de som que a gente buscou. E o “Scenarios of Brutality” é uma evolução desse processo.
Recife Metal Law – A temática lírica é mais voltada, hoje, a problemas sociais, críticas aos militares, religiões, governo. O senso de responsabilidade dos – hoje adultos – integrantes da banda fez com que vocês seguissem tal linha?
Poney – Interessante essa pergunta, cara. Eu nunca tinha relacionado a coisa do nosso amadurecimento, da gente está mais velho, com a temática ainda mais crítica. O fato é que a gente, como pessoas, como membros dessa sociedade, nos temos nossas preocupações com o mundo que a gente vive, e agora que somos pais de família, mais ainda. O Violator é esse espaço que a gente pode expressar toda a raiva que a gente sente com relação ao mundo. E nesse processo de envelhecer eu sinto que conforme as pessoas vão envelhecendo existe um ímpeto da normalidade. Eu vejo amigos nossos, de longas datas, virando crente, virando aquelas pessoas “normais”, sem graça, que assistem a novela da Globo e vão dormir todas as noites com aquela normalidade massacrante. O Violator para mim é quase como uma marca em que eu delimito dizendo “olha, a gente nunca vai ser ‘normal’, cara”. A coisa das letras talvez tenha um pouco a ver com isso. Mas o Violator sempre teve, desde a primeira Demo, uma preocupação de criar letras que fossem relevantes para hoje, que dialogassem com a realidade. Isso é uma marca do Thrash, mais do que uma marca do Violator, vem da influência do Punk dentro do Thrash. É o lado menos fantasioso do Metal. Não que eu tenha problema com isso. Eu adoro várias das coisas da fantasia do Metal, mas o Thrash e, especialmente o que a gente acha interessante, fala sobre o mundo que a gente vive. E o mundo que a gente vive é uma merda! E o Violator é essa descarga de raiva que a gente pode cuspir de volta, esse sentimento de cuspir de volta toda a merda que cospem na gente. Claro, conforme a gente vai ficando mais velho, eu, como letrista, assim como os riffs... Nós não queremos que os riffs sejam repetitivos, assim como não queremos que as letras sejam repetitivas. A gente busca que as letras digam alguma coisa de relevante, tragam alguma coisa de interessante. Não existe a pretensão de que um disco do Violator vá mudar o mundo, que é isso? O mundo é algo maior, muito mais complexo do que uma banda de Metal. Mas de alguma maneira é quase que um ato não conformista da gente. Falar sobre o mundo que a gente vive e tentar responder de volta toda a merda que a gente vê todos os dias. É um peso muito forte. Acho que uma marca que diferencia o Violator de outras bandas de outros lugares do mundo, é que a gente é uma banda do Terceiro Mundo, e a gente tem muita consciência disso. A gente tem muita consciência do lugar de onde a gente vem, do lugar que a gente vive, de onde a gente é, e quais são as relações de poder que estão em torno do mundo que a gente vive. A gente fala sobre isso nas músicas do Violator.
Recife Metal Law – Vocês ainda pensam em abordar temas que falam sobre o estilo de som que vocês fazem?
Poney – Acho que abordar qualquer tema não está descartado para o Violator. Inclusive, a gente sempre fez músicas sobre o Thrash, mas era sempre na tentativa de dizer porquê a gente achava que o Thrash era uma coisa relevante para nossas vida hoje e não simplesmente uma celebração vazia de um estilo, mas dizer porque que a gente acha que naquele espaço, naquele show, naquele bueiro que é o Underground, onde a gente consegue criar laços de solidariedade, laços de amizade, onde a gente consegue botar pra fora e mandar se fuder os cristãos, os nazis; onde a gente consegue marcar bem as nossas diferenças; porque que a gente achava que esse era um espaço legal. E falar sobre isso não está de maneira nenhuma descartada no futuro, desde que a gente consiga falar sobre isso de um jeito que seja interessante, esse é que o ponto maior. Mas eu gostaria até, num futuro próximo, ter letras que, de repente, sejam políticas, mas num sentido mais existencial, num sentido que trate de temas da relação complexa que é existência ou de um tipo de abordagem que não necessariamente seja explicitamente sócio-político, mas que de alguma maneira trate de sentimentos, trate da nossa relação com o mundo de uma perspectiva mais introspectiva... Não sei... Esse tipo de coisa pode ser também, sei lá. Ou então escrever letras mais metafóricas, meio fantásticas, falando de rituais satânicos. (risos) Nada está descartado.
Recife Metal Law – “Scenarios of Brutality” foi gravado, mixado e masterizado no Stage One Studio, na Alemanha, pelo mestre Andy Classen. Por que vocês decidiram sair do Brasil para gravar esse álbum? Aqui não havia o suporte necessário, em estúdio, para o que a banda pretendia, em termos de sonoridade?
Poney – Foi uma experiência maravilhosa gravar na Alemanha, com um cara que é um técnico de som, engenheiro de som e um produtor que viveu a cena do Thrash dos anos 80. Ele gravou com Alex Perialas nos anos 80. O cara tocou com as bandas na época. Ele era do Holy Moses... Ele viu a cena... E tudo isso é referência para ele hoje em dia. E isso é a coisa mais importante na hora de gravar, eu sinto hoje em dia. Você gravar com alguém que tenha referências do som que você quer tirar. Não basta ser um técnico de som tecnicamente impecável, que compreende bem os softwares, que compreende bem os instrumentos. Dentro do Rock em geral, inclusive do Metal, a timbragem, a produção, é parte integrante da composição, é parte integrante do disco. Se você tirar a produção do Tony Iommi dos discos do Black Sabbath aquilo ali vira um Fleetwood Mac. Então a produção é parte integrante disso e ter alguém como referência eu vejo que é fundamental. Então foi muito mais isso do que o equipamento. O equipamento a gente poderia ter, sendo bastante sincero, acesso a equipamentos aqui no Brasil melhores dos que a gente teve na Alemanha. Mas a diferença realmente está no ouvido do cara. É muito louco falar isso! E é bonito também, por um lado, eu penso, porque mostra como o Rock ainda continua sendo uma coisa orgânica, um tipo de criação que é totalmente orgânica, passa por uma espécie de humanização, digamos assim, que a pura máquina não reproduz. E sem contar que o valor que a gente gastou pra gravar lá fora seria mais ou menos a mesma coisa que gravar aqui e a gente ainda curtiu duas semanas de férias na Alemanha. Foi bom pra caralho! (risos)
Recife Metal Law – Já a produção ficou a cargo, além do próprio Andy, com a banda. Era necessário que a banda produzisse, também, esse disco para que tudo saísse como vocês desejavam?
Poney – Cara, a gente produz todos os discos do Violator, porque a gente tá completamente dentro do processo de composição, de elaboração das músicas, do tipo de proposta, de montagem do disco, o tipo de sonoridade que a gente busca. Tudo isso a gente tem bastante claro. Antes de tudo o Violator é formado por uns nerds. (risos) Talvez isso explique muito sobre a banda, mais do que qualquer outra coisa que eu possa falar. A gente busca as referências, a gente sabe o tipo de som que a gente quer tirar, a gente sabe como gostaria que o disco soasse. Todos os discos sempre foram co-produzidos pelo Violator e mesmo com o Andy foi assim, e ele foi super aberto, sempre escutou a gente, o que a gente queria, compreender muito bem o tipo de som que a gente queria tirar. Foi uma experiência maravilhosa! Eu sou super orgulhoso do disco, cara. É o único disco do Violator que eu consigo pegar, escutar e não fico angustiado. Pela primeira vez eu fiquei satisfeito com a voz que eu consegui executar. Cantar é um negócio muito complicado, eu não tenho técnica nenhuma. Eu não sou um cantor, um vocalista, eu chego lá e grito, depois eu fico sempre pensando: “pô, eu poderia ter feito diferente”. E dessa vez foi a primeira vez que eu pude fazer isso e me senti totalmente satisfeito com o resultado final. Mais do que isso, é importante dizer que o fato de a gente ficar duas semanas imersos na gravação do disco, morando na casa do Andy, onde tem o estúdio, totalmente focados para isso, foi fundamental para o resultado. Muito diferente de você gravar aqui, à noite, na quarta-feira à noite, até meia-noite, depois voltar para casa, para ir trabalhar no outro dia, é outra relação, e essa imersão foi fundamental.
Recife Metal Law – No encarte existem detalhes do que cada letra fala e alguns samples foram inseridos em algumas músicas. Os samples são trechos de discursos de Malcom X. Qual a razão para inserir tais samples em determinadas músicas?
Poney – As falas do Malcom X se referem a temática do disco em geral. O disco não é exatamente conceitual, no sentido de contar uma história só, mas ele tem um conceito: cenários de brutalidade. Cada música aborda algum tipo de conflito recente, existente, especificamente na América do Sul. Tem desde temas como massacre dos índios no Mato Grosso do Sul, trabalho escravo no Brasil contemporâneo, a questão do aborto. Malcom X além de ter sido um cara que deu a vida dele por uma luta que ele acreditava, ele tinha um pensamento muito interessante sobre a questão da violência, um tipo de compreensão de que a resposta violenta que a gente dá é algo ínfimo perto da violência que a gente tem que suportar todos os dias. As falas dele são muito fortes, falas de tomadas de ação, se relacionam com todas as músicas, e mais do que isso, não é simplesmente um texto de um documentário, um trecho de um filme, uma ficção, uma fantasia, é uma fala real. Isso daí é outro caráter importante pelo qual a gente escolheu essas falas.
Recife Metal Law – Esse álbum também ganhou uma versão em vinil (eu, como admirador da música do Violator tratei de pegar ambas as versões). Qual a importância, para o Violator, ter seus materiais sendo lançados no formato LP?
Poney – É um prazer enorme ter os discos do Violator lançado em vinil, coisa que quando a banda começou a gente nem podia imaginar, porque naquela época vinil era coisa que ficava só nos sebos, coisa exclusivamente do passado. Eu sou um entusiasta, colecionador de vinil, quase um fetiche. Mas, para mim, é outra maneira de se relacionar com a música, uma maneira mais interessante. Mais do que a coisa da qualidade, isso é o de menos. Mas essa coisa de você ouvir a música como sentido final, você vai ouvir um som, quando você coloca o vinil você vai fazer isso: você vai ouvir uma música. Ela não é trilha sonora ou música ambiente para qualquer outra coisa. Simplesmente essa relação do vinil já transforma a relação que a gente tem com a música.
Recife Metal Law – Em 2013 o Brasil passou por um período conturbado, com muitas manifestações país afora. Vieram com o discurso de que o “gigante havia acordado”. Como vocês avaliam aquele período para o povo brasileiro, tendo em vista que hoje grande parte vem engolindo calado o caos na saúde, educação, corrupção, violência?
Poney – O que aconteceu em 2013, na minha avaliação, foi que a gente vive claramente uma crise da representatividade, de crise da democracia representativa. Todo mundo opera cinicamente com a democracia, ninguém acredita que essa porra funciona mais! A gente não se vê representado nos deputados, nos senadores... E mesmo quem é de direita, também não acredita nisso. Então a gente vive um momento de distanciamento entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, e a população tem uma consciência desse distanciamento que é único. A partir das manifestações do passe livre dentro de uma pauta que eu considero muito justa, acredito bastante na coisa da tarifa zero no transporte público, mas você teve uma virada conservadora, uma virada “coxinha”, e tudo terminou com o sabor amargo do fascismo vestido de camisas da CBF, um negócio horrendo! Mas que é uma lição política para todos nós, saber a dialética. A dialética é uma força que o fim nunca é determinado pelo início, a gente nunca sabe como as coisas vão dar. De qualquer maneira estamos vivendo um cenário complicadíssimo político nesse momento. Nem sei se é o caso para uma entrevista com o Violator, mas eu sou totalmente crítico ao governo, mas longe de mim querer ter qualquer tipo de semelhança com batedor de panela com camisa da CBF contra a corrupção. Acho isso a maior babaquice do mundo, coisa de burguês! A corrupção é uma coisa que é inerente a esse sistema que a gente vive, não é uma exclusividade do PT e nem de qualquer partido que esteve no poder, mas é como as coisas funcionam. Se a gente quiser mudar isso, a gente tem que mudar muito mais na raiz. Não que eu vá sair em defesa desse governo, inclusive eu sou servidor público, mas eu acho que esse não é um governo de esquerda (NDE.: entrevista realizada antes do impeachment da presidente Dilma Roussef), que não está colocando as contas da crise toda nas costas dos trabalhadores, mas poderia ter várias iniciativas, como taxação de grandes riquezas, reforma tributária para taxar os mais ricos, investimento em educação e saúde pública de qualidade, auditoria da dívida pública... Talvez não seja assunto para a gente abordar nessa entrevista, mas são coisas que um governo realmente comprometido com o povo diante de um cenário desse faria essa transformação. Mas o que a gente vê mais uma vez é que o PT, o PSDB e todos os partidos que estiveram no poder, tiveram um conchavo com a classe dominante, com a burguesia, com o status quo, e não consegue romper com isso. Enfim, um cenário complicado.
Recife Metal Law – Tu estás sempre engajado em projetos, seja na música ou na vida pessoal; lutando para ter maior espaço para bicicletas e até mesmo para comida vegetariana. Como vem sendo essa luta e quais as vitórias conquistadas até hoje?
Poney – Uma coisa que eu sempre achei importante foi não dividir a vida nessas instâncias. É um entendimento de que a política está no nosso cotidiano, essa coisa de sua alimentação, a maneira como você vai se mover dentro da cidade, isso tudo envolve relações de poder, envolve política, a gestão da cidade. Mas também não acho que essas pequenas coisas, essas mudanças de postura, do cotidiano, elas vão mudar o cenário todo. Eu não sou bobo a esse ponto. Eu acho que o perigo de a gente cair de amor por nós mesmos e achar que a gente fazendo essas coisas a gente tá mudando o mundo. O mundo é mais complicado que isso tudo. Se você ficar acreditando nisso, que um estilo de vida pode mudar o mundo, não é assim. Temos relações sociais de classe, de poder, que são bem maiores do que isso. Mas ao mesmo tempo acho que transformar o nosso cotidiano, as nossas vidas, continua sendo uma tarefa fundamental, uma tarefa que eu quero passar para minha filha, uma vida que a gente consiga viver da maneira que a gente acha mais correta e mais transformadora possível, dentro de todos os limites que cada um de nós tem; eu acho que é uma coisa que eu continuo acreditando. E aí não entra no fato de ter ou não conquista, mas simplesmente de seguir um caminho que você acha que é correto e ir nele.
Recife Metal Law – Certa vez, em conversa com David “Batera”, na Blackout Discos (em Recife), comentei sobre os caras do Violator viverem de música. A resposta dele foi “o Violator surgiu como uma diversão; fazemos música para nos divertir. No dia que for para o Violator viver de sua própria música é melhor acabar com a banda, pois a música não vai mais ser feita com espontaneidade, com paixão, mas com o fim de ser vendida”. Qual o principal objetivo dos seus músicos com o Violator?
Poney – Realmente, cara. A gente nunca teve a pretensão de viver do Violator. A gente já passou períodos vivendo do Violator. A gente ficou um semestre inteiro fazendo uma turnê pela América do Sul, e naquele momento o Violator era a nossa principal fonte de renda. Mas nunca foi um objetivo que o Violator pagasse a conta de luz, o aluguel e a escola de nossos filhos. Por um lado isso, que ao mesmo tempo faz com que a gente tenha uma vida que tem que trabalhar, uma vida convencional em algum sentido, faz com que o Violator seja um espaço de liberdade incrível. Como eu falei antes, um espaço que a gente pode produzir por pura paixão, sem outros interesses. Isso é de uma realidade muito rara no mundo de hoje. A pretensão com a música não tem nada para além da música em si. É isso e a gente tá junto como amigos, que a gente gosta muito de tá juntos, de compartilhar esses momentos e produzir o que a gente gosta. A coisa é muito simples e básica. Não tem nada para muito além disso. Eu acho que esse tipo de relação despretensiosa, no melhor dos sentidos que a gente tem com o Violator, é um dos motivos que explica a banda existir há tanto tempo. Nos curtos períodos que a banda virou obrigação, trabalho, a paixão vai minando, morrendo. Para fazer Thrash não tem como você fazer de maneira desapaixonada, seria falso, forçado. O trabalho tem esse poder devastador de acabar com qualquer paixão e, por outro lado, a gente ter conseguido, ter mantido a banda fora disso, talvez explique um pouco de a gente ter mantido essa paixão por tanto tempo.
Recife Metal Law – Antes de sua parada, a banda tinha sido anunciada como uma das atrações do Visions of Rock, evento que ocorre em Caruaru/PE. Infelizmente o show não ocorreu, inclusive com a banda ressarcindo o produtor do evento, com a devolução do dinheiro das passagens aéreas. Mas, recentemente, a banda pode tocar no evento, ao lado de lendas como Vital Remains e Entombed A.D.. Tirando o problema com a contusão do “Cambito” no show, qual foi o saldo final dessa última passagem do Violator por Pernambuco?
Poney – O principal saldo daquele show foi o “Cambito” ter arrebentado o joelho e os ligamentos dele. (risos) Brincadeira. O show do Entombed A.D. foi maravilhoso. Assistir o show do Entombed A.D. no palco, fumando um, e depois compartilhando, batendo cabeça junto com os caras da banda, e ver que eles têm também esse sentimento totalmente genuíno pela música que eles produzem foi uma coisa incrível. Além de encontrar, porra, vários amigos que a gente tem pelo Estado de Pernambuco... Você inclusive, o Coelho... O Coelho é um grande amigo... O Coelho salvou o “Cambito” nesse dia, o levando para o hospital e tudo o mais. Então são esses tipos de coisas que a gente mais valoriza. Em todos os shows do Violator, encontrar os amigos, são coisas que a gente sempre dá o maior valor. Só foi muito foda que quando o “Cambito” caiu eu não me liguei que tinha sido tão sério, achei que tinha sido só um tombinho. Porque a gente cai vez ou outra. O show é a maior loucura... a gente tropeça, pula, cai... E aí eu fui dar uma ‘zoada’ com ele ainda, fui ‘transar’ com a cabeça dele, e ele com o joelho fudido. Tem um vídeo na internet. Nossa... constrangedor! Foi mal, “Cambito”!
Recife Metal Law – A banda voltou a ensaiar, mas vocês já compuseram alguma música nova, para um lançamento futuro?
Poney – A gente tá compondo. Começamos a compor músicas novas nesses ensaios. A nossa primeira ideia é tentar fazer um lançamento bem simples, curto, que de repente a gente possa gravar aqui em Brasília mesmo, e que de repente a gente consiga fazer nesse processo de simplicidade certas experimentações com as composições. Já estou adiantando um pouco isso, mas a gente tá numa ‘pilha’ de fazer alguma coisa meio que seja um pouco mais ‘evil’, se é que me entende, uma coisa mais ‘do mal’. (risos) E aí tem muita influência do Death Metal, influência do Possessed, Death, do Slayer, do comecinho, ali do “Hell Awaits”, esse tipo de música, sentimento, que a gente tá buscando um pouco nessas novas músicas que estão surgindo. Como eu falei antes, está tudo em aberto. Dentro do estilo do Thrash a gente nunca colocou tantas regras.
Recife Metal Law – Numa entrevista que fiz anteriormente, você citou que “o Underground é uma grande rede de amigos, subterrânea e internacional”. Digo que isso é uma grande realidade, e não são apenas palavras ditas da boca pra fora, já que pude ir pra Brasília, em 2011, e recebi total suporte teu e do “Capaça” em suas respectivas casas. É... não é só expor em letras ou em entrevistas, é realmente viver o que se fala. Muito obrigado!
Poney – Porra, Valterlir! Eu fico muito contente, feliz em ouvir isso de você. Espero que você possa voltar a Brasília para conhecer minha filha, o filho do “Capaça”... Quem sabe a gente toma uma cervejinha, curte bastante. Foi um prazer enorme, cara! Realmente isso não são palavras vazias. A gente realmente, por mais inocente que possa parecer esse tipo de declaração... A gente vive num mundo tão cínico, eu sou cínico com várias coisas o tempo inteiro, todo mundo tem que ser cínico com várias coisas o tempo inteiro. Essa declaração de amor totalmente sincera que a gente tem no Underground, esse espaço que a gente pode ter para demonstrar esse amor desse jeito tão inocente, tão simples, mas tão verdadeiro, é realmente especial. Então te agradeço mais uma vez e peço desculpas pela enrolação para enviar a entrevista, mas espero que tenha sido de teu agrado. Queria agradecer todo mundo que sempre apoiou o Violator todos esses anos, nossos amigos, especialmente, para essa entrevista, de Recife, de Pernambuco, Nordeste em geral, é o nosso lugar favorito de tocar no mundo inteiro. Espero que não demore para a gente voltar. Muito obrigado! Valeu! United For Thrash!
Site: www.facebook.com/Violatorthrash
Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação, Barba Fotografia, Romulo Bewitched, Neth Vilhena, Martin DarkSoul, Nicolas Gomes