AGNIDEVA





Essa entrevista com a banda paraibana de Black Metal Agnideva ficou bem interessante, haja vista que as respostas estão carregadas de todo um conceito. Exceto por uma resposta, que foi bem sucinta, o vocalista Nightmare respondeu a entrevista de forma esclarecedora, não se limitando a apenas responder o que lhe foi perguntado, indo um pouco além e deixando claro qual o real significado da entidade Agnideva. Nem vou me prolongar nesse texto de introdução. A entrevista respondida não carece disso. Confira!


Recife Metal Law – Agnideva surgiu em 2013, porém, ao que parece, seu embrião vem bem antes disso. Qual a relação das bandas Óstia Podre e Abaddon com a formação do Agnideva?
Nightmare -
O Agnideva insurge das chamas em tempos obscuros e meados do ano 2013 da era vulgar, emanando a evocação da ancestralidade pagã indiana antiga e tendo como intuito inicial dar continuidade às blasfêmias da horda Abaddon (Paraíba, Brasil), a qual havia se formado nos anos 1991, mas, por motivos pessoais, encerrou suas atividades profanas em 1993. Dois membros do antigo Abaddon - Christianicide e eu (também ex-membro cofundador do Gore Vomit – 1988) - deram início às exortações que permearam essa nova face pagã do Abaddon: o Agnideva. Em novembro de 2014, integram-se à guerra contra os cristãos os membros Necrovomit (ex-fundador do Óstia Podre, 1987) e Decaptator (do Demonized Legion). Em maio de 2015 agrega-se à legião o Anguis Infernalis (também do Demonized Legion). Finalmente, sua formação de guerra se estabelece com: Christianicide (guitarra base), Necrovomit (guitarra solo, acústico e flauta hulusi), Decaptator (bateria, tabla e percussão em geral), Anguis Infernalis (baixo) e Nightmare (vocal). Em suma, apesar de nossos membros terem passado por várias outras bandas e estarem na cena Underground há décadas, o Agnideva é relativamente uma banda recente, com alguns shows realizados e o primeiro álbum lançado em abril de 2017.

Recife Metal Law – O nome da banda é bem curioso, de certa forma remetendo a uma parte de sua temática lírica, no que se refere ao paganismo. Como o significado do nome se relaciona à banda?
Nightmare -
Muitos símbolos envolvem a banda, e o nome não poderia ser diferente. Não obstante, o principal símbolo da banda é o hexagrama unicursal, que é um hexagrama (estrela de seis pontas traçado ou desenhado de maneira unicursal) em uma linha contínua em vez de dois triângulos sobrepostos. Em Thelema, de Aleister Crowley, que também é o sentido que utilizamos, o hexagrama é geralmente representado com uma flor de cinco pétalas no centro, a qual simboliza um pentáculo, indicando as forças do microcosmo se entrelaçando com as forças macrocósmicas, ou mesmo a união dos contrários em sinergia absoluta. Nós do Agnideva inserimos ao hexagrama o símbolo do paganismo indiano do deus Agni, já que o paganismo indiano permeia nossa vociferação central. No logotipo da banda, especificamente, utilizamos um pentagrama invertido como símbolo do deus cornífero – como assim também Agni é representado; face de um bode formando o nome, como símbolo do veículo sacrificial que o deus Agni utiliza, assim como chamas em sua barba, a qual representa o fogo, sua manifestação física. Também existe uma sutil cruz invertida nas chamas da barba, o que representa nossa força anticristã. Enfim, o próprio nome da banda Agnideva - “deus Agni”, deus do fogo - é um antagonismo ao “Agnus Dei”, já que somos o seu oponente. E foi com esse sentido mais profundo que surgiu tal nome, símbolo de nosso sentimento de guerra.

Recife Metal Law – Desde 2015, portanto, a banda se encontra com a mesma formação. Em 2017 veio o primeiro álbum, “Kaliseva”. Como foi criada toda a parte instrumental do álbum, que traz instrumentos não muito convencionais para o estilo?
Nightmare -
“Kaliseva” contém instrumentos peculiares como hulusi (flauta chinesa), violino, viola, cítara indiana, tabla (instrumento de percussão indiano) e cello. E dos oito sons que estão presentes nesse álbum, cinco falam da cultura indiana. Desta forma, “Kaliseva” é, enfim, um álbum conceitual, mesclando as armas do Metal Negro com a conspiração inalienável de uma cultura sem medo e que nos mostra o caos como fenômeno natural da vida. A inspiração é puramente pagã. Já os trabalhos de mixagem e masterização foram realizados por ninguém menos que Konstatinos Kalampokas (Infinite Loop Music Studio - Grécia), o qual foi responsável pela produção de “Untrodden Corridors of Hades” do Varathron, que em cuja memorável apresentação no Brasil, em 2015, também tocou o baixo. O Kalampokas, juntamente com a violinista Débora Amorim (da Universidade Federal de Campina Grande) também fez alguns arranjos musicais na música “Virgin, Mother, Crone”. A cantora Akasha Samodivas participa como ‘backing vocal’ na música “Mistress Marrigje” (dedicada à bruxa Marrigje Áriens, a qual o Quorthon dedicou ao clássico hino “Burn for Burning”), assim como Mayara Carmeli (também da Universidade Federal de Campina Grande) com arranjos orquestrais em “Mistress Marrigje”. Penso que o público brasileiro anseia por coisas novas e diferentes, e isso tem nos favorecido, uma vez que buscamos unir vários elementos tradicionais do Oriente com um som que possa bater cabeça e ritualizar ideias. Para o próximo álbum teremos algumas novidades, aguardem!

Recife Metal Law – Falando no estilo, a banda pratica Black Metal, mas não se apega a violência, agressividade do estilo, bebendo mais na cena grega do Black Metal, com músicas que trazem melodias características, sem apego a pancadaria desenfreada. Mesmo sendo uma banda de Black Metal, houve a preocupação de não se ater aos clichês do estilo e criar uma sonoridade única, que fugisse dos padrões pré-estabelecidos do estilo?
Nightmare -
Nos moldamos em torno de cânticos e mantras pagãos em nossos sons. E encaramos tais mantras, como xamanismo indiano, já que é um conceito derivado da palavra “xamã”, que, segundo o historiador e mitólogo Mircea Eliade, se trata de um conceito que advém do sânscrito Sramana, que significa “Senhor dos Espíritos”. Sendo assim, de alguma forma, ao entoarmos mantras pagãos indianos, entoamos as forças xamânicas, já que possui o mesmo propósito: alterar e elevar o estado de consciência. Desta forma, no geral, nossas letras se focam mais no paganismo indiano, sempre com o propósito anticristão. Nós gostamos de mesclar estilos do Metal, mas sempre nos preocupamos em manter a essência Black Metal. É nossa alma mater. 

Recife Metal Law – “Kaliseva” também é um título curioso, diferente, por assim dizer. De onde surgiu esse título e qual o seu real significado?
Nightmare -
“Kaliseva” é um termo sânscrito que denota o culto ao flamejante (Agni) das oferendas pagãs indianas junto à sua energia primordial negra (Kali). Em uma tradução literal, diz respeito ao seguidor (seva) da Deusa Negra (Kali). Seremos sempre seguidores do lado negro da vida, pois a escuridão é a “luz” absoluta. Muitos símbolos envolvem a banda, e o nome do álbum não poderia ser diferente.

Recife Metal Law – Eu recebi o CD da banda por meio de Diego Vomitory (Demonized Legion, Funeral Profano), o qual, ao me entregar disse: “Valterlir, dê uma conferida nessa banda. É lá de Campina Grande. Tenho certeza que tu irás gostar”. Quando cheguei em casa e coloquei para tocar pude ouvir uma musicalidade ímpar, atrativa e que não se faz por qualquer um. Como vem sendo a receptividade do público com relação a esse álbum de estreia? O que mais chama a atenção do público nesse disco?
Nightmare -
Vomitory é um velho irmão de guerra, está sempre no front. A receptividade em torno dos sons divulgados no Youtube, nos shows e com o álbum em si está bem positiva, até acima do esperado. Talvez pela proposta original e inédita no Brasil de se fazer uma aliança entre paganismo indiano e Black Metal. Todavia, destacamos que, como a divulgação de “Kaliseva” foca-se ao público Underground, às almas das sombras, torna-se ainda mais importante saber que conseguimos expressar satisfatória e sonoramente nossas inquietações, devaneios e protestos profanos. O intuito é sempre
focar-se no público Underground, nos guerreiros que realmente orgulham o real Metal Negro. Fora do Brasil, a receptividade maior está na Rússia, Índia e Grécia, isso com base naquilo que nos chega.

Recife Metal Law – As músicas são bem longas, porém com uma gama de passagens incríveis e o uso de instrumentos inusitados, como já mencionado. Isso faz com que as músicas, mesmo longas, não se tornem cansativas. Pelo contrário, o ouvinte é carregado para uma espécie de transe. Com essa gama de passagens, vocês ficaram mais à vontade para compor músicas longas?
Necrovomit -
Quando compomos, levamos em consideração o que queremo
s dizer e a forma daquilo ser dito. Para o Agnideva, a música não é só um suporte para o que falamos, é também outra estrutura que tem sua autonomia narrativa. Quando misturamos esses dois elementos, letra e som, observamos que a música, muitas vezes, serve de ênfase ao que a letra diz, por outro lado, em outras, a música diz o que a palavra não tem condições de expressar. Quando estamos compondo, não nos colocamos limites de tempo, o que buscamos é a coerência entre a letra e o som, entendendo que tratamos de uma obra híbrida, na qual duas poesias sombrias (a literária e a musical) formam um corpo só, e que ritmo e harmonia se fazem lógicos e coerentes naquilo que buscamos passar enquanto mensagem; contribuindo, assim, para um Black Metal que almejamos: com variadas formas de composições, umas rápidas e curtas, outras longas e lentas... Somos velhos habitantes deste universo, em nossa música trazemos um pouco daquilo que vivenciamos desde os anos 80, o que implica dizer que são muitas influências, muitos referenciais. Nosso caminho musical a ser construído é decorrente de tudo aquilo que já percorremos. Somados a tudo isso, adicionamos a música devocional pagã indiana que tem sua estrutura fundamentada no ciclo, no loop e na repetição. A música do Agnideva, por fim, é um amálgama resultante destes compostos, em que o tempo se faz forma e, desta forma, precisamos deste tempo para dizer o que sentimos.

Recife Metal Law – As letras abordam temas como paganismo, ocultismo, anticristianismo... Quem é o responsável pela criação das letras e de onde vem as principais influências? Algum livro ou autor em especial?
Nightmare -
Eu componho as letras. Elas surgem de 35 anos de Metal, duas graduações, um mestrado, dois doutorados e um pós-doutorado, sempre estudando religiões, cultura indiana e sânscrito, além de várias passagens pela Índia. E, sim, muitos mestres ocultistas, poetas, mitologias antigas, historiadores e filósofos estão nas premissas intelectivas, me acompanham nessa jornada e me inspiram. Especificamente, posso citar as obras de Voltaire, Nietzsche, Crowley, Mircea Eliade, Annie Besant, Keith Thomas, Sam Harris, Georg Feuerstein, Fernando Pessoa, além da Bhagavad-gita e do Hermetismo.

Recife Metal Law – A arte da capa ficou, ao mesmo tempo, profana e bela. Essa arte tem ligação com o título do álbum, que também é uma das músicas contidas nele, ou com alguma letra?
Nightmare -
A capa do álbum é do renomado Marcelo Vasco, a qual representa brilhantemente o nosso sentimento pagão. A capa também representa o título e uma letra ao mesmo tempo, mas engloba tudo que o álbum contém. Como um dos refrões da letra “Kaliseva” nos diz: “Kali, blessed be our journey against Christians”. Marcelo Vasco soube manifestar a essência de nossa temática central: seguir os passos da Deusa Kali, adorando-a, invocando-a e sentindo sua força contra nossos inimigos proeminentes. E para a elaboração
da mesma, apenas indicamos por cima a temática ao Marcelo, pois é basicamente tudo de sua mente insana; não mexemos em praticamente nada de sua obra final, ou seja, o deixamos com livre criação. E assim foi! A contemplamos como uma obra-prima de um grande artista.

Recife Metal Law – O álbum foi gravado no Single A Studio, na Paraíba, porém engenharia de som, mixagem e masterização foram feitas na Grécia, no Infinite Loop Music Studio, sob a responsabilidade do produtor Konstantinos Kalampokas, como você mesmo disse acima. Também mencionei que o Black Metal grego
é uma das influências do Agnideva. Essa foi a razão para se trabalhar com um produtor grego?
Nightmare -
Mais do que isso, pois o Kalampokas é um parceiro que admiramos muito e, por já conhecer sua profissionalidade, não foi difícil escolhê-lo como aquele que seria responsável para finalizar com esmero o que realmente sentíamos. Ele conseguiu captar perfeitamente nossa proposta. Certo dia, após concluir seu trabalho em uma de nossas músicas, ele nos mostrou que estava todos os dias apreciando o luar grego, muito à vontade e nos escutando em êxtase. Esse é o nosso propósito: proporcionar catarse profana. Ele se tornou um grande irmão após a produção do primeiro álbum e tem total admiração da banda. Aqui e acolá recebemos mensagens de apreciadores gregos, e isso é uma honra para nós. 

Recife Metal Law – “Kaliseva” foi lançado pelo selo Hammer of Damnation, que tem sua sede em São Caetano do Sul/SP. Como selo e banda vem trabalhando o lado de divulgação desse álbum? O alcance tem sido o esperado pelo Agnideva?
Nightmare -
Tudo o que foi planejado, cumpriu-se.

Recife Metal Law – O que se esperar, para o futuro, do Agnideva? Algo novo já vem sendo criado, em termos de músicas ou shows?
Nightmare -
O Agnideva se encontra compondo (virtualmente) com muita voracidade, mesmo diante da pandemia. O nosso segundo álbum terá dez músicas inéditas e forcar-se-á na obra de um grande pensador, com letras organizadas a partir desta obra e centrada na sinergia indológica que o mesmo elaborou, notadamente frente à cultura judaico-cristã. A temática trará, portanto, fúria, resistência, polêmica e confrontação de culturas antagônicas. As músicas estão 90% prontas e a arte visual está em elaboração. E, mesmo distantes fisicamente, os membros da banda elaboram e decidem detalhes sonoros e arranjos que identificam a banda, para que assim tudo reverbere e seja mais agressivo, provocador e pesado em relação ao primeiro álbum. Agradecemos a oportunidade pela entrevista. Oh, Agni! Fogo sagrado! Fogo purificador! Tu que dormes na lenha e sobes em chamas brilhantes sobre o altar negro, tu és o coração do sacrifício profano, o vôo ousado na prece herética, a centelha oculta em todas as coisas e a alma gloriosa do sol, és nossa força, grito e cerne. Que todos se entreguem a ti! Aqueça-nos!

Site: www.facebook.com/agnidevaband

Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação, Maria Sousa