STILL LIVING
O mais recente álbum da banda pernambucana de Hard Rock/AOR Still Living, “YmmiJ”, foi lançado em 2018, porém, antes, o disco foi lançado fora do país, mais precisamente na Europa no ano anterior. O álbum é conceitual, algo não muito contumaz no estilo, porém com lançamentos do tipo já feitos por grandes nomes. Mas, na entrevista a seguir, não falamos apenas desse novo disco, já que falamos sobre o álbum anterior e, também, de algumas outras coisas que permeiam a carreira dessa batalhadora banda. Com a palavra o vocalista Renato Costa e o guitarrista Eduardo Holanda.
Recife Metal Law – Antes de começarmos a falar sobre o atual álbum da , falemos sobre “Humanity”, lançado em 2016. Quando do seu lançamento, o álbum teve uma boa receptividade e divulgação? O álbum alcançou o seu objetivo?
Renato Costa – Valterlir! Primeiramente eu gostaria de te agradecer pelos imensos apoio e consideração desde sempre. Você é uma pessoa importante em nossa trajetória. Quanto ao “Humanity”, eu creio que, em termos mercadológicos, ele foi além do que pensávamos. Foi lançado e vendeu bem nos EUA, no Japão e na Europa, conseguindo, inclusive, um contrato de distribuição junto ao selo holandês Rock Company. Já em termos artísticos, eu creio que ele tenha alcançado o objetivo desde o primeiro dia de lançado. O objetivo de emocionar pessoas ao redor do mundo com nossas músicas e letras. Ao meu ver, essa é principal finalidade de uma obra artística. Então, eu acredito que tenhamos atingido bons lugares com ele.
Eduardo Holanda - “Humanity” é um álbum especial para mim em muitos aspectos. Originalmente lançado em dezembro de 2015, só teve sua divulgação de fato em 2016. Algumas pessoas o acharam ‘pouco polido’, talvez porque o álbum tenha uma sonoridade bem mais perto de um ‘ao vivo’; o deixamos soar mais ‘cru’, mesmo. “Humanity” deixou mais explícita uma de nossas principais características, que é não ficar na zona de conforto de um determinado estilo, assim como o uso de outras influências em nossas canções. Ele realmente atingiu seu objetivo, pois lá está nossa expressão musical naquele momento! Gosto muito das músicas daquele álbum.
Recife Metal Law – “Humanity” teve divulgação na Europa, Japão e EUA. Com essa divulgação, a banda chegou a ser sondada para fazer shows nesses países/continente?
Renato – Sim! Sondados chegamos a ser, sim! E isso é muito surreal. Por motivos diversos, a sondagem não se converteu em shows, mas isso ainda pode acontecer, né? Quem sabe? Temos esperanças em relação aos próximos trabalhos.
Recife Metal Law – Vamos falar, agora, sobre o novo álbum, “YmmiJ”. Em primeiro lugar: mais uma vez o logotipo da banda foi mudado, algo que já havia ocorrido no disco anterior. Dessa vez, qual foi a razão?
Renato – Ótima percepção! Acho que acabamos criando uma tradição de mudança de logotipos em cada álbum. Dessa vez, pensamos mais no álbum e em sua compleição visual para definir aquele logotipo (que é, na verdade, mais um letreiro do que um logotipo propriamente dito). (risos) Enfim... De fato, mudamos. E eu acho que isso pode se tornar uma tradição da Still Living. O próximo já está sendo escrito. Acho que já temos que pensar em um novo logotipo. (risos)
Eduardo - Usamos mais para divulgação o da capa de “Humanity”. Assim como Renato falou, reafirmo que em “Ymmij” o conceito gráfico pedia algo diferente. Aproveitamos a ideia da capa e colocamos o logotipo como um letreiro do bar. Será que teremos um logotipo definitivo para a Still Living algum dia? Depois de 16 anos, realmente não sei... (risos)
Recife Metal Law – Qual a razão de nomear o álbum de “Jimmy”, mas só que a contrário?
Renato – A ideia, de fato, era materializar a metáfora do espelho desde o início. Contamos, também, com o aspecto fonético do neologismo, porque a palavra “Ymmij” soa muito próxima à “Image”, que é exatamente a temática do disco: a construção da autoimagem através das relações especulares (o eu diante do outro, as identificações, etc.). Queríamos falar sobre como a construção da autoimagem dirige nossas vidas e como ela pode repercutir quando patológica.
Eduardo - Acredito que isso gera certa curiosidade. Rosângela C. Taylor, uma de nossas consultoras literárias, foi muito importante nesta questão.
Recife Metal Law – “YmmiJ” é um álbum conceitual, algo que não é contumaz em se falando de bandas de Hard Rock/AOR. De quem foi a ideia de trabalhar um álbum conceitual?
Renato – A ideia foi concebida em conjunto pelo Eduardo e por mim. Ambos tínhamos a intenção de compor um álbum conceitual, abordando um tema específico, com um enredo, personagens e tudo que se tem direito. O “Ymmij” é um álbum muito projetivo também. Ele descreve alguns momentos pessoais de nossas vidas e das vidas de pessoas próximas a nós. Tudo isso nos inspirou a trabalhar nessa história. Quando percebemos, já estávamos imersos na vida do Jimmy. (risos) Ou talvez estivéssemos imersos em nossas próprias imagens diante do espelho... vai saber, né? (risos)
Eduardo - Excelente pergunta! Eu considero que álbuns conceituais tem um atrativo a mais. Eu gosto muito de álbuns do Genesis, The Who, Queensrÿche e outras bandas mais, que compõem nesse formato. Criar uma estória interessante, manter as letras amarradas ao conceito sem entregar a estória de uma vez, conectar tudo à parte gráfica e ao principal: a música! Trabalhamos muito neste álbum, cada letra, as metáforas, a sonoridade, diálogos, detalhes da capa, até as fontes utilizadas no encarte tem um sentido. Tivemos uma significativa ajuda de algumas pessoas incríveis; foi um grande feito para nossa carreira enquanto músicos. Não é fácil ter uma produção saindo do ‘zero’, totalmente independente, para executar um projeto desses. Aprendemos muito nesse processo.
Recife Metal Law – As letras são algumas histórias e outras são diálogos. Como foi construir histórias, diálogos e “casar” isso com a parte instrumental? Como foi para a banda trabalhar o instrumental para que se adequasse a cada história/diálogo contidos no álbum?
Renato – Foi fluindo de certa forma. As canções vinham e, depois, adaptávamos as letras a elas, de forma geral. Eu acho que a maior dificuldade que tivemos foi em construir um enredo consistente. Lembro que quando estávamos pela metade pedimos críticas da Rosângela Taylor (um abraço gigante para ela), que trabalhou conosco na revisão do idioma e como consultora literária, quase tivemos que recomeçar todo o trabalho. Foi uma angústia gigante. Mas como toda angústia nos propõe algum movimento, retomamos as ideias e conseguimos terminar. Ah! A Rosângela também fez as vozes da Jane, que é nossa bartender! (risos) Temos sorte de encontrar pessoas excelentes que nos ajudam em nossos trabalhos!
Eduardo - De fato! Cada letra e sua respectiva música, os diálogos que conectam a estória, foi fluindo e foi desafiador! Tinha que haver sintonia entre a música com o que estava sendo contado em cada momento da estória, por isso precisamos usar toda nossa bagagem, tanto de músicos como de ouvintes. Logo, usamos elementos de Blues, Classic Rock e fomos até o Metal, aliados à nossa sonoridade característica. Usamos o que, para nós, deixaria a música mais rica. Em momentos da estória onde Jimmy resolve extravasar, lá está o Hard Rock mais despojado de “Call of the Night”; já no momento em que ele está atravessando um momento complicado, tem a melancolia de “Mr. Mirror” e seu experimentalismo que lembra bandas da década de 70, mas sempre mantendo nossa identidade na forma de compor.
Recife Metal Law – Sobre a parte instrumental, é o tipo de Hard Rock/AOR, como já fora feito anteriormente pela Still Living, que facilmente nos leva a voltar ao passado. É o tipo de música que podemos ouvir nas rádios, apesar de todas as restrições que o Rock em geral tem para alcançar as mídias populares. Músicas do novo álbum já chegaram a ser tocadas em estações de FM?
Renato – Ainda nos custa conseguir alguns ‘airplays’. Na Europa, às vezes, somos surpreendidos com algumas execuções, principalmente da “Call Of The Night” e da “Haunted”. Mas aqui no Brasil, no que diz respeito às rádios, ainda nos custa muito adentrar efetivamente nesse meio.
Eduardo - As coisas mudaram bastante, nossas músicas tocam em algumas web rádios, o que acho legal! Afinal, a programação geralmente é feita por alguém que entende a proposta de cada banda e onde se enquadra em suas programações, pelo menos das que acompanho. Não é novidade que a forma de consumir música mudou severamente, poucos compram CDs hoje em dia, creio que só colecionadores. Eu encaro o lançamento de um álbum como um conjunto de detalhes e esforços que compõem uma obra, opto por comprar uma cópia física sempre que posso! Gosto de algumas web rádios pelas novidades, por trazerem novas bandas e trabalhos, tudo longe das grandes mídias.
Recife Metal Law – Nota-se que os músicos estão cada vez mais seguros. Todo a musicalidade desse disco flui naturalmente, como é perceptível aos ouvidos. Como foi todo o processo de elaboração das músicas? Houve um conjunto na hora de compor o disco ou vocês preferiram trabalhar isoladamente e apenas juntar as ideias em estúdio?
Renato – Foi um trabalho mais resumido a mim e ao Eduardo. É um fato. Por circunstâncias diversas, precisamos centralizar um pouco a composição desse álbum. O Cleber estava prestes a ser papai e precisava dedicar mais tempo aos preparativos da paternidade, sem dúvidas. E não há problemas em relação à centralização do trabalho. Não foi nada imposto. Foi, de fato, espontâneo. Já funcionamos das duas formas e tudo correu bem, sabe? O “Humanity” foi composto e trabalhado pelos cinco componentes à época! Mas o “Ymmij” teve uma dinâmica própria e bem peculiar.
Recife Metal Law – Outro álbum da Still Living, novamente, foi gravado no Alpha Studio. O co-produtor Aldecy Souza mostra que entende do traçado e conseguiu mostrar no disco uma produção, ao lado da banda, excelente. Essa parceria foi essencial para que se chegasse ao resultado final, numa produção sonora muito bem feita?
Renato – Com certeza! O Aldecy, como já afirmamos há um bom tempo, é um membro da Still Living. Ele nos conhece muito bem e tudo flui muito naturalmente quando trabalhamos juntos. Ele é um gênio da música. É o melhor músico que conheço, sem dúvidas. Ele produziu conosco, além de ter gravado os baixos e as orquestrações, além de alguns teclados adicionais. É o companheiro de sempre, a quem rendemos uma enorme amizade e admiração. Resumindo: ele é sempre essencial.
Eduardo - Trabalhamos com ele desde 2007. Ele teve papel fundamental em todos os nossos álbuns, entretanto em “Ymmij” ele foi além! Conversamos sobre muitas ideias no estúdio e a criatividade desse cara é um dom! Trabalhamos muito para que esse álbum tivesse nossa melhor produção e ele é um dos grandes responsáveis por isso. Fica aqui meu agradecimento a ele! Além do mais, é um dos meus grandes amigos!
Recife Metal Law – Falando sobre Aldecy, além de alguns arranjos orquestrais, de piano e teclados, ele foi o responsável pela gravação do baixo. Qual a razão para não se ter um integrante na posição de baixista?
Renato – Já desde o final do ciclo do “Humanity”, o Leandro Andrade havia deixado a banda. Tudo da melhor forma. Somos todos amigos até hoje (essa é a melhor coisa). Então, contamos com o Wagner Souza nos shows por dois anos. Mas, no estúdio, contamos com a força de Aldecy para esse novo desafio. Como eu disse acima, ele é um músico genial e um multi-instrumentista. Então, com a experiência dele, pudemos ter linhas de baixo bem consistentes para o disco.
Eduardo - Valterlir, hoje somos um trio: Eu, Renato e Cleber. Para os shows contratamos os músicos (baixo e teclado). No momento isso torna a logística mais fácil, mas não quer dizer que no futuro não possamos efetivar alguém. Por hora, estamos tranquilos quanto a esta questão.
Recife Metal Law – A arte da capa surgiu de ideias de vocês dois. Mas a ideia para a concepção da capa surgiu a partir da história criada para o álbum ou ela já estava em mente antes disso?
Renato – Surgiu juntamente à história, sem dúvidas! Tudo girou em torno do enredo que criamos. A capa (feita pelo artista paulista Márcio Abreu e colorida pelo Vinícius Townsend) foi pensada já a partir desse contexto. E ficou linda, cara! Quando o desenho chegou, não tivemos dúvida de que aquela seria a capa de nosso disco.
Eduardo - Após termos uma estória construída, começamos a imaginar a arte do CD. Queríamos algo diferente, e as ideias convergiram para aquele resultado. Some a isto o talento que Renato citou de Márcio Abreu, grande ilustrador brasileiro, que inclusive já lançou ao lado de amigos sua HQ (Lorenna), que captou meus rabiscos (risos) e acrescentou mais ideias de Vinicius Townsend (colorista), que é outro talentoso artista. Resultado final, foi o que queríamos: algo original, uma capa feita a mão, um trabalho único. Realmente isto é um privilégio!
Recife Metal Law – Abrindo o encarte, vemos “Jimmy” se olhando no espelho de um bar; um cartaz anunciado um show da Still Living e a banda em ação, no palco. Essa capa também foi criada, assim, com a intenção de revelar algo contido nas letras?
Renato – Sim! Tudo foi projetado dessa forma. Tudo ali é símbolo. A própria banda em ação no palco traz um aspecto de autorreferência e traços metalinguísticos dos quais queríamos, realmente, nos servir. É como se disséssemos ali que o Jimmy é um pouco do Edu, de mim, de algumas das pessoas mais importantes de nossas vidas. Tudo é muito especulador ali.
Eduardo - Exatamente! Você faz ligação no momento que ouve o CD e acompanha o encarte. Absolutamente nada neste álbum é por acaso. De fato é uma grande diversão, se você se permitir embarcar na ideia geral de “Ymmij”.
Recife Metal Law – “YmmiJ” foi lançado via Rock Company (selo holandês) na Europa e nas plataformas digitais. No Brasil o lançamento sofreu um atraso, em razão de problemas com a prensagem. Mas a distribuição no Brasil também está sendo feita pela Rock Company?
Renato – Não. No Brasil a distribuição foi feita de forma independente. Tivemos, de fato, alguns problemas com a prensagem, mas ainda bem que conseguimos lançá-lo por aqui. Tivemos algumas boas surpresas em relação à recepção do “Ymmij”. Sabíamos que não seria unânime, e era essa a nossa maior intenção. A unanimidade sempre foi algo de que quisemos nos esquivar. No geral, a aceitação no Brasil foi bem legal.
Eduardo - A Rock Company é uma grande aliada. Graças a ela lançamos nosso primeiro álbum em formato físico em território europeu. No Brasil, “Ymmij” foi lançado de forma independente. O lançamento atrasou e isto nos gerou certo aborrecimento. Só pudemos lançá-lo em 2018. Relembro que nossos três álbuns são independentes aqui no Brasil e fora do país apenas “Ymmij” foi lançado na Europa. Quanto às distribuições, conseguimos parcerias com a Rock Company (Holanda) para os dois álbuns anteriores a “Ymmij” e com a Anderstein Music (Japão) distribuição para todos os álbuns. Através da Anderstein Music atingimos muitas lojas no Japão. Sempre trabalhamos muito para levar nossa música o mais longe possível, sempre com muito esforço e trabalho.
Recife Metal Law – 2020 não tem sido um ano bom, em razão da pandemia que assola o mundo. Mesmo assim, como andam os trabalhos da Still Living? Quais são os próximos passos da banda?
Renato – Vamos em busca do nosso quarto álbum. Não creio que vamos parar tão cedo, cara. Temos muito a dizer ainda. Como diz o Eduardo: “muita lenha pra queimar”. Concordo piamente. Temos muita coisa para dizer a quem quiser nos ouvir. Estamos escrevendo nossas letras e músicas. Agora somos um trio (ou quarteto, porque sempre contamos com o Aldecy Souza). (Risos) A responsabilidade fica ainda maior, porque temos menos cabeças para pensar. Mas o desafio alimenta a gente e nos força a sair de uma possível zona de conforto. Essa é sempre a ideia prevalente.
Eduardo - Estamos compondo o nosso quarto álbum. Estou gostando muito como as novas músicas estão soando. Valterlir, aproveito para agradecer a todas as pessoas que nos ajudaram a concretizar o álbum “Ymmij”; as pessoas que tem nos apoiado ao longo dos anos. Agradeço, também, a você pelo apoio de sempre e pela entrevista. No mais, desejo a todos o melhor neste momento tão difícil que estamos atravessando.
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Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Hilton Marques, Yuki Maurício