AZTLÁN





As terras baianas sempre foram conhecidas por nos apresentar bandas de alto nível, quando se fala em Death Metal. E o Aztlán não foge a essa regra. Mesmo que usando de elementos mais melódicas, por assim dizer, a banda não deixa de soar Death Metal. Muito pelo contrário, até lhe dar características bem próprias. E eu diria que a forma como a banda faz o seu Death Metal advém da temática lírica abordada: antiga civilização mesoamericana. A banda surgiu em 2006 como um projeto de Marcello Antunes “Paganus” (baixo/vocal), mas, após o lançamento de seu primeiro EP, passou a ser uma banda de fato, contando com, além de Marcello, Vurmum (bateria), Mateus Alves e Gabriel Mattos (guitarras). Saibamos um pouco mais sobre o Aztlán nas palavras do próprio Marcello.


Recife Metal Law – Aztlán surgiu como um projeto de Marcello Antunes “Paganus”, lá no ano de 2006, mas só veio a lançar algo - o single “Blood Offering” - em 2018. Por que criar o projeto e passar tantos anos para lançar algo?
Marcello Antunes “Paganus” -
Um dos grandes motivos que justificam esse atraso se deve a minha jornada profissional. No ano de 2006, já fora das bandas Martyrdom e Deformity BR, iniciei um processo de transferências pelo interior da Bahia. Aonde fosse, era com baixo e guitarra na mochila, sempre compondo e amadurecendo meu trabalho, até que tivesse uma quantidade de sons adequada, oportunidade para encontrar parceiros que pudessem se juntar a mim e, sobretudo, poder participar mais ativamente da cena. Apesar de um pouco insólito, seria injusto comigo mesmo dizer que Aztlán se formou em 2018 ainda como projeto individual e lançou um single, sendo que houve uma história de persistência e maturação por trás de tudo isso.

Recife Metal Law – Após o lançamento do single veio o EP “Entrance to Mictlán”, ainda com contigo à frente de tudo, mas com alguns músicos convidados. O lançamento desse EP foi o motivo para que Aztlán passasse a ser uma banda?
Marcello -
Na verdade, a ideia era gravar o full-lenght sozinho e logo de cara. Comecei gravando a música “Blood Offering”, com a produção do grandioso Louis (Den Studio), também baterista do The Cross e Drearylands, e a participação de Fábio Maka, e grande amigo, guitarrista que fez um solo fudido nesse som. Quando fui vendo o resultado, tive a certeza que Aztlán teria que se tornar uma banda e fazer shows. Gravar é bom, mas eu faço questão de tocar ao vivo e nada substitui isso. Com mais dois sons parcialmente gravados, soube ainda no primeiro semestre de 2019 que haveria um festival em novembro na minha cidade natal, Feira de Santana. Aí solidifiquei isso na minha mente: Aztlán será uma banda e tocará nesse evento. Conversei com a produção, que já conhecia o som e a atmosfera conceitual do trabalho. Finalizamos a tempo os dois sons, que fariam parte do EP “Entrance to Mictlán”, com os solos dos guitarristas que entraram de vez para a banda. Um deles é o Gabriel Mattos, parceiro de longas datas e que fez parte dos primórdios do projeto, que tem um modo de tocar e ‘pensar’ o som do mesmo jeito que eu, e o outro, Mateus Alves, que é o cara mais novo da banda e tem uma interpretação extraordinária. Gilmar Vurmum, apesar de tocar em 666 bandas, aceitou colar na proposta e tem feito um trabalho sensacional!

Recife Metal Law – E como foi juntar os demais membros para a banda? Afinal, apesar de fazer Death Metal, o Aztlán não se limita aos clichês do estilo e sua musicalidade é bem complexa, além de sua temática lírica.
Marcello -
De fato, Valterlir! Vurmum e Gabriel conheciam um pouco do que seria Aztlán há um tempo. Apesar de falar de um início em 2006, tem algumas músicas mais antigas. Gabriel fez parte da banda Martyrdom e já compartilhávamos alguns arranjos que acabaram sendo guardados. Sempre que podia mostrava uma ou outra gravação mais caseira pro Vurmun, e conheci Mateus enquanto gravava o EP e ele também viajou no conceito. A ideia de ter uma banda como Aztlán transcende a questão musical. Só aceitaria isso com algumas condições: que todos viajassem na temática, que todos fossem amigos e, principalmente, que todos tivessem paixão por serem headbangers. Atuei na cena no passado tocando em bandas, fui editor do webzine MetalVox com o irmão Jaime Amorim e fundei, em 2003, meu próprio webzine, Eye of Shiva. Além das bandas citadas, tive uma rápida passagem pelo Malefactor em 2001 como ‘session bass’ na sua primeira tour europeia. Além disso, sempre apoiei os artistas e os zines locais. Não aceitaria menos que isso nos outros membros em termo de consciência e de paixão. E é muito gratificante dividir estúdio e palco de maneira profissional, mas ao mesmo tempo de forma natural, sem pesos e egos desnecessários.

Recife Metal Law – Sobre a parte instrumental e musicalidade da banda, como já mencionado, é Death Metal, porém não se limitando a soar apenas bruto, agressivo, o tempo todo, haja vista ouvirmos passagens que lembram o tema abordado nas letras, outras de andamentos mais trabalhados e densos, além dos vocais, que tem passagens limpas. Além disso, passagens épicas também são apresentadas na parte instrumental. Criar algo assim não é nada simples. Como foi colocar um som tão complexo em prática?
Marcello -
Demorou um pouco até eu descobrir de maneira espontânea como seria o tipo de som. Eu pessoalmente ouço muita coisa dentro do Rock/Metal. Saio de Jethro Tull para Dismember, de Rush a Napalm Death. Em termos de banda, naturalmente eu faria Death Metal, que é meu tipo de música favorita, principalmente as bandas mais antigas das cenas brasileira, sueca, grega e americana (mais precisamente da Flórida). Por outro lado, sempre tive vontade de fazer um som menos reto, encontrando também certo equilíbrio para não se tornar algo experimental. Ao mesmo tempo em que Aztlán tem influências do Death/Black Metal grego, aparece com passagens de Heavy Metal tradicional, com nuances de Judas Priest e Mercyful Fate e um pouco de Doom. Há melodia na dose certa, com bastante peso e feeling. Além disso, há a preocupação em oferecer o clima específico para o que está sendo exposto nas letras. “Mictlán” é um exemplo: começa cadenciada, parte para o ‘blast beat’ e finaliza de forma melancólica com um poema de Nezahualcoyotl refletindo a existência humana. Componho as músicas me colocando no lugar de quem está ouvindo. Outro ponto que contribui muito é o vocal. Quando cantava na banda Martyrdom, entre 1999 e 2004, já fazia um pouco dessas variações, mas tinha um vocal mais rasgado boa parte do tempo. Além dele, atualmente trabalho com dois tipos de gutural e o vocal cantado com bastante ‘drive’ e agressividade. Cada um utilizado no momento certo. No processo de composição as variações vem de maneira natural.

Recife Metal Law – A parte lírica fala de antigas civilizações, mais precisamente da civilização mesoamericana, como o nome da banda e título do EP indicam. Porém não se apega apenas aos temas históricos, mas, também, as lendas dessas civilizações. Como foram feitas as pesquisas para que as letras pudessem ser escritas?
Marcello -
Cara, é um lance muito louco! Desde a adolescência eu piro com História e com o desconhecido. Mas posso afirmar que, precisamente em 1997, comecei a pesquisar bastante a cultura mesoamericana, e precisamente a Cultura Mexicana, do povo que ficou conhecido como Asteca. Sempre tive a intenção de transportar isso para a música traduzida em Death Metal. O povo asteca era bélico, dominador e os seus ritos continham o sangue como elemento comum. Para eles, devíamos sangrar em retribuição, pois os deuses o fizeram para nos criar. Cada ritual, cada modalidade de sacrifício tinha um simbolismo único e era devotado a um deus diferente. A cosmogonia mesoamericana é bastante rica e temos pouquíssimas bandas que versam sobre esse tema, tanto no Brasil como em outros países. Aqui ainda se valoriza demais a cultura europeia em detrimento das nossas raízes. Os povos nativos de toda América são descendentes diretos dos povos que atravessaram o norte do continente e migraram gradativa e incessantemente para o sul. Somos todos “filhos de Aztlán”. Há uma necessidade urgente desse resgate cultural, contar histórias do passado que deveriam ter servido de lição para o ser humano, embora sejamos uma porcaria de espécie difícil de aprender as coisas. Por isso, apesar de as lendas e os aspectos culturais serem importantes, tenho a preocupação de retratar fatos históricos, principalmente os ligados ao traumático contado dos espanhóis com o povo que realmente é dono destas terras e foi massacrado em nome de uma religião vazia que servia apenas de pretexto para a pilhagem de ouro e para um dos processos mais brutais de colonização da humanidade. Aztlán não é uma banda descritiva que acha o tema interessante e peculiar. Somos contra a opressão que ocorre todos os dias e em todos os aspectos da existência humana.

Recife Metal Law – Outro fator interessante, é que não apenas o idioma inglês é usado nas letras. O uso dos demais idiomas, um deles o espanhol, o outro talvez uma língua nativa, se fazia necessário, tendo em vista a temática abordada?
Marcello -
Exatamente! Inicialmente trabalhava apenas com o inglês, mas durante o amadurecimento das composições, percebi que havia a necessidade de incluir o Nahuatl (língua asteca) e o espanhol, pois em muitos momentos sinto que é preciso expor a mensagem nesses idiomas. Além de enriquecer o trabalho, considero que uma homenagem digna à cultura antiga do México exige muito respeito e não seria legal trabalhar com as limitações da língua inglesa. Em “Mictlán”, o início e o final são complementares. Trata-se de um poema do Rei e filósofo Nezahualcoyotl chamado Nitlayocoia (Estoy Triste), começando em Nahuatl e terminando em espanhol, mostrando de forma implícita a mudança cultural ocorrida a partir de 1520. “Amongst the Walls of Tenochtitlán” finaliza com um lamento marcado pelo assassinato de Montezuma II, no qual um sacerdote incensa os doentes acometidos da varíola cristã pedindo piedade aos seus deuses. Sempre tive material suficiente para referência. Livros dos mais diversos, tanto no âmbito cultural, como linguístico.

Recife Metal Law – O EP conta com quatro faixas, sendo que uma é a intro “Niquitoa”, duas são inéditas e a última faixa é “Blood Offering”, primeiro single da banda. O EP conta com músicas até então compostas pela banda ou algo ficou de fora para um possível novo lançamento em breve?
Marcello -
Todas as músicas do nosso álbum já estão praticamente definidas e em processo de pré-produção. Há muita coisa pronta e muito segredo. (risos). Mas o que posso afirmar é que será dedicado à principal divindade mexica, Huitzilopochtli, Deus do Sol e da Guerra. Esperamos trabalhar muito esse ano pro álbum sair do caralho!

Recife Metal Law – O encarte, apesar de simples, é bem cuidado. Em se desdobrando, parece uma
espécie de pergaminho, trazendo as letras das músicas e os créditos da gravação, além de trazer foto da atual formação do Aztlán. A ideia de apresentar o encarte nesse formato foi tua ou teve a intervenção de algum designer gráfico?
Marcello -
Achei que ficou muito fudido! A ideia do encarte surgiu juntamente com o Cláudio Putrid (Putrid Design), velho amigo e artista gráfico responsável por excelentes trabalhos com Martyrdom, Mystifier, Deformity BR e Inner Call. Queria que o encarte causasse essa sensação de coisa antiga, como um velho códice asteca. Ficou simples e sensacional! Demorei um pouco para achar a capa perfeita para o trabalho até conhecer um artista mexicano cujo pseudônimo é Balam Tzibtah. A arte já estava pronta e utilizamos seu nome original para o EP: “Entrance to Mictlán”. Ele nos cedeu sem custo e somos muito gratos por isso. Queria muito que essa capa fosse feita por alguém imerso na antiga cultura do México e nada melhor que um artista local.

Recife Metal Law – A estreia da banda se deu no Festival Dopesmoke (2019) e mais recentemente a banda fez um show no Festival Palco do Rock (2020). Sendo uma banda novata, em termos de lançamentos, como foi a receptividade do público nesses shows?
Marcello -
Foi a melhor possível! Como disse no início, a banda praticamente concretizou sua formação com a ideia de estrear nesse festival e o retorno que tive foi que, apesar de sermos novos como banda, fizemos uma apresentação bem marcante. Não é todo dia que uma banda faz seu primeiro show dividindo palco com The Mist e Brujeria. (risos) Vale lembrar que no nosso canal do YouTube há três passagens desse show. Depois desse, tocamos aqui em Salvador em mais uma edição do “Metal no Teatro”, festival organizado pelo irmão Luiz Omar, baterista do Inner Call. Fizemos uma apresentação melhor. Logo depois tocamos no Palco do Rock, fechando a primeira noite do festival. Ficamos muito surpresos e agradecidos por tocar para uma quantidade enorme de pessoas às 03h00 da manhã! O público tem demonstrado bastante interesse no som e no conceito do nosso trabalho e acho isso excelente. A ideia é que se possa curtir a banda em sua totalidade: som, letras, conceito, apresentações. Para mim tem que haver esse conjunto todo envolvido.

Recife Metal Law – O mundo, atualmente, está em ‘stand by’. Como vem sendo o trabalho do Aztlán, tanto na parte de criação como de composição em meio a essa pandemia?
Marcello -
Tínhamos mais eventos agendados, mas infelizmente a pandemia da Covid19 apareceu para dar um freio brusco no planeta que, diga-se de passagem, é redondo! (risos) Apesar de todo distanciamento social, sou bancário e não parei de trabalhar, por ser uma área essencial. Meu ritmo de vida não foi muito alterado, portanto não tive tanto tempo assim sobrando. Consegui fechar algumas composições novas para o álbum e o restante da banda está dando ideias e sacando as músicas para podermos gravar. Sempre vem à mente um riff ou arranjo novo que acabo gravando. Não sou nenhum Tony Iommi, mas sigo guardando minha coleção de riffs para o futuro. (risos)

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Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação, Duane Carvalho