NEROS BENEDICTIOS
Apesar de ser uma banda surgida em 2003, a Neros Benedictios lançou apenas uma Demo em 2005 e depois entrou no limbo só voltando com suas atividades, de forma discreta, em 2014, período em que começou a trabalhar no seu primeiro álbum, “Ermo”, lançado via Dead Paradise, em 2018. Atualmente formada por Alexandre Cunha (baixo e backing vocals), Douglas Batista (bateria), Ivanubis Holanda (guitarra e backing vocals) e João Paulo Araújo (guitarra e vocal) a banda continua a trabalhar na divulgação de seu álbum de estreia, que é um disco que foge dos padrões do estilo. Sobre o atual álbum, os primórdios da banda, entre outros tópicos, o Recife Metal Law conversou com o guitarrista João Paulo, que nos fala um pouco mais sobre a Neros Benedictios.
Recife Metal Law – Neros Benedictios... Não há como iniciar a entrevista de outra forma: como esse nome se encaixa no perfil da banda, tanto filosófico como musical?
João Paulo - Saudações aos leitores do Recife Metal Law! Como já mencionei em outra entrevista, com o nome da banda queremos traduzir o significado de Dádiva Negra. Penso que esse nome se alinha muito bem com a proposta Black Metal, sobretudo se considerarmos o gênero como uma das mais obscuras formas de arte dentro dos subgêneros do Metal. Consequentemente, temos um encaixe perfeito do nome com os temas que abordamos em nossas letras, que vão desde questões metafísico-ocultistas a outras questões envolvendo paganismo, literatura, existencialismo, etc. Todos esses elementos somados à nossa sonoridade compõem nossa miríade filosófica e estética.
Recife Metal Law – A banda não é nova, pois surgiu em 2003. Em 2005 lançou a Demo “Novarum Era Portae Curriendo”, porém pouco se ouviu falar da banda até o lançamento de seu primeiro álbum. O que aconteceu com a banda no período compreendido entre o lançamento da Demo até o lançamento de seu ‘debut’ álbum?
João - Isso mesmo, a banda surgiu em 2003. Nesse mesmo ano produzimos um material ao vivo que no YouTube está disponibilizado como “Rare Live Rehearsal” (confira clicando aqui). Em 2005 lançamos a Demo e seguimos com as atividades até o ano de 2007. As coisas foram naturalmente desacelerando e cada um dos integrantes seguiram caminhos que envolviam questões relacionadas aos estudos e trabalho. Eu, particularmente, nesse período dei um tempo de bandas, e só retomei as atividades ao final de 2009 para início de 2010 para tocar na Rotting Christ Cover, liderada pelo amigo Ricardo Necrogod. Depois surgiu o convite para entrar no Hate Embrace, foi quando voltei com tudo para o mundo da música Underground. Em 2014, ao lado de Ivanubis Holanda, gravamos uma versão para a música “Man Of Iron” do Bathory, e nesse mesmo ano a chama de retornar com a banda já tinha sido acesa. Discretamente fui compondo e retomando composições que na época não tinham entrado na Demo. Como tudo ainda andava a passos lentos, em 2016 comecei toda a pré-produção de “Ermo”, mas só em 2018 ele foi lançado. De lá para cá entramos literalmente num capítulo novo da história da banda.
Recife Metal Law – Ainda sobre a Demo, é um material que traz nove músicas em cerca de 35 minutos (praticamente um álbum). Esse material ainda está disponível?
João - O material se encontra disponível em nosso canal do YouTube e também no Bandcamp. A verdade é que nunca lançamos oficialmente nossa Demo. Éramos inexperientes com relação a essas coisas. Quando terminamos a gravação, toda a distribuição foi feita de modo independente. Nós mesmos fazíamos as cópias e imprimíamos a capa para distribuir para os amigos e afins. Tenho muitas lembranças de conhecidos indo lá em casa para colocar a Demo em formato MP3 nos seus pen drives.
Recife Metal Law – Lá no início as letras eram apresentadas em português e tinha como temática o satanismo e o paganismo. Com o primeiro álbum veio a mudança no idioma e na temática lírica. A que se deve isso?
João - Do ponto de vista da temática, a mudança se deu em relação a outro momento que estava vivendo. De lá para cá foram muitas leituras e mudanças de perspectivas acerca da vida e da existência como um todo. Isso naturalmente nos empurrou para outras narrativas que transcendiam essas esferas iniciais dos temas que abordávamos. Do ponto de vista do idioma, a principal razão foi que sempre houve o desejo que fazer músicas folks com linhas de vozes que não fossem guturais, porém quando tentava fazer isso em português (hoje penso que por incompetência minha) não soava legal. Daí a ideia de mudar o idioma para algo mais comum aos ouvidos. Todavia, penso que atualmente pode ser possível criar músicas folks em português. Tratava-se também de uma insegurança da minha parte.
Recife Metal Law – Agora falando sobre o primeiro álbum, “Ermo”, ele foi lançado em 2018. Primeiramente de forma digital e depois através do selo Dead Paradise, fisicamente. Havia o intuito de lançar o álbum fisicamente ou isso só foi possível em razão da parceria com a Dead Paradise?
João - Quando decidi gravar um álbum minha intenção, desde o início, era de fazer tudo diferente do que fiz na Demo. Dessa forma, “Ermo” já foi idealizado para ser lançado em formato físico, nem que isso (sabemos das dificuldades) saísse do meu próprio bolso. A parte gráfica, como um todo, já foi pensada para o formato digipack. Na ocasião, para nossa felicidade, alguns selos entraram em contato e no final fechamos com a Dead Paradise, pois eles atendiam todas às nossas expectativas. Vale ressaltar que quando Antonio Belchior entrou em contato comigo ele foi super gente fina, atencioso e profissional. Hugo Veikon, que também cuida da parte de distribuição e contrato, também foi super tranquilo. Só tenho a agradecer.
Recife Metal Law – Como já mencionado, a temática lírica e o idioma foram mudados. Esse álbum traz letras mais filosóficas, porém sem deixar de lado críticas à deuses, além de niilismo, ocultismo... Quais temáticas vocês procuram abordar, de forma principal, em “Ermo”?
João - “Ermo” carrega uma miscelânea de temas. Mas é possível sintetizar como temática central a questão da ipseidade, da finitude e da solidão. Somos seres de crenças, possuímos os mais variados tipos de crenças: políticas, religiosas, científicas, morais, estéticas e por aí vai. Algumas dessas crenças são bem justificadas, outras nem tanto, e outras, ainda, nós sequer paramos para pensar sobre. Aliado a isso se soma os critérios de verdade para nosso conjunto de crenças, pois muitas vezes partimos do pressuposto de que aquilo que acreditamos é verdadeiro em alguma medida. Todavia, na medida em que somos seres de crenças, somos seres representacionais, isto é, nossas crenças são representadas dentro de uma infinidade semântica, muitas vezes idiossincrática. Assim, “Ermo” pode ser considerado um somatório de perspectivas que do ponto de vista filosófico de nossas crenças, tenta lidar com a questão limítrofe que todo ser humano se depara ao longo de sua existência: a morte. Como cada um de nós lida com isso? Esta questão está ligada direta e indiretamente com as distintas fases que passamos ao longo de nossa estrada terrena.
Recife Metal Law – Sonoramente o Neros Benedictios envereda por linhas mais melódicas, mesmo havendo, em algumas passagens, algo mais ríspido, agressivo, seja no instrumental ou nos vocais. Essa tendência já é bem real no Black Metal, principalmente no Black Metal grego. Porém o que os fez compor nessa linha?
João - Seguramente a escola grega é uma de nossas influências. Mas não apenas isso. Tentamos passar nossas influencias através das combinações de possibilidades sonoras dentro estilo, ao mesmo tempo em que nos preocupamos em criar uma identidade para nosso som. A tarefa da identidade é a que mais pesa, pois muitas vezes é difícil não deixar nossas influências falarem mais alto do que nossas peculiaridades.
Recife Metal Law – Os vocais, tanto guturais/agressivos como limpos, são feitos pelos guitarristas João Paulo e Ivanubis Holanda. Como vocês analisam onde cada um encaixar sua vocalização?
João - Quando estava compondo e criando as linhas de voz, fiz tudo totalmente despreocupado com divisões, pois sabia que as coisas naturalmente seriam resolvidas, e assim o foi. No que concerne às divisões guturais, deixei a cargo de Ivan colocar os backing vocals mais graves em partes estratégicas das músicas. Vale ressaltar que isso também poderia ser feito por Alexandre Cunha (baixo), mas como ele mesmo (por motivos pessoais) não se sentia à vontade naquela ocasião, Ivan assumiu também esta tarefa. Com relação às vozes limpas, com exceção de “September is Now”, na qual Ivan atuou mais com os backings, dividi as partes por igual, pois Ivan consegue passear por distintos timbres de vozes e isso ajudou bastante a dar um caráter diversificado nas composições.
Recife Metal Law – As músicas apresentam uma boa alternância. Dentro de uma mesma música ouvimos momentos ríspidos intercalados com momentos de calmaria... vocais agressivos e outros limpos, criando uma dinâmica bem interessante. Ao compor as músicas, no que vocês pensaram para os seus andamentos e vocalizações?
João - O meu intuito desde sempre era quebrar com a ideia de fazer musica extrema contínua. Por isso a inserção de outros elementos (acústicos, ‘clean guitars’, linhas melódicas de voz, etc.). Acredito que essa foi uma decisão feliz, pois acabou chamando muito a atenção dos ouvintes, sobretudo porque se trata de uma banda de Black Metal do cenário Underground recifense que, apesar de fazer música extrema, tenta na mesma medida criar dinâmicas e texturas alternativas para sua sonoridade.
Recife Metal Law – No disco existem músicas simplesmente acústicas. “Just a Metaphor” é uma de minhas preferidas. Houve algum receio em inserir músicas nesses moldes num álbum de uma banda de Black Metal?
João - De maneira alguma. Na verdade esse já era um desejo desde os primórdios da banda. Na própria Demo é possível encontrar (ainda que em forma instrumental) composições acústicas. Em 2007 Ivan e eu já estávamos buscando compor algo nesses moldes. O que fizemos em “Ermo” foi apenas subir um degrau na inserção desses elementos que se tornaram presentes, não só em canções totalmente acústicas, como também nas mais extremas como, por exemplo, “Carcosa”.
Recife Metal Law – O álbum conta, ainda, com instrumentos não tão usuais para uma banda do estilo, tais como erhu (instrumento musical originário da China, dotado de duas cordas), violino, mandolin e viola caipira. Em estúdio esses instrumentos se adequam muito bem nas músicas que se fazem presentes. Mas e ao vivo? Eles são inseridos?
João - Infelizmente ao vivo eles não são usados. Na verdade, não tocamos as músicas acústicas ao vivo devido a uma série de questões técnicas. Contudo, nas músicas extremas que aparecem alguns desses elementos, nossa alternativa foi inserir samples em pequenos trechos ao vivo para não perder algumas características. Usamos introduções e passagens, como na parte acústica de “Carcosa”, em que surge um coral acompanhado por um violão. Temos um projeto para o futuro de tocar as músicas acústicas, mas para isso precisaríamos de uma estrutura específica para esse tipo de performance, além de músicos extras para executar os instrumentos de cordas friccionadas, deixando a banda e, principalmente, Ivan respirar um pouco.
Recife Metal Law – A atual formação do Neros Benedictios conta com o baterista Douglas Batista, mas em estúdio a bateria foi gravada por Ricardo Necrogod. Douglas só entrou na banda após a gravação do álbum?
João - Correto! Ricardo gravou toda a bateria do álbum, inclusive cheguei a fazer o convite para ele assumir o posto na banda, mas por motivos pessoais ele não aceitou. Naquela ocasião, em meados de julho/agosto de 2017 a Paganus nos convidou para fazer um show de retorno aos palcos marcado para dezembro, cuja atração principal seria o Sextrash. Foi aí que começou minha saga à procura de baterista. Depois de ter recebido alguns “nãos” cheguei até Douglas, que apenas ouvindo nossa Demo ficou interessado no som. Ele entrou em estúdio apenas com a finalidade de ensaiar para aquele show em particular, não tinha nada certo. Quando Douglas tinha feito exatamente um mês de ensaios conosco, isso totalizando quatro ensaios, surgiu um convite inusitado para substituir o Lord Blasphemate num outro show organizado pela Paganus, no dia 07 de setembro. Esse show contou com a participação das bandas Necrolust Alcoholic (PE), Red Razor (SC), Murdeath (PR), Flageladör (RJ) e Ragnarok (Noruega). Para nossa felicidade, o show foi muito melhor do que esperávamos e nos ajudou com as divulgações futuras da banda, ainda que de forma discreta. A partir de então Douglas, oficialmente, estava na banda. Quando lançamos o álbum em 2018 ele já estava compondo nosso ‘line-up’ como baterista oficial.
Recife Metal Law – A arte da capa ficou muito bela, uma espécie de quadro, feita em preto e branco, com muitos detalhes. O desenho foi feito à mão ou de forma digital?
João - A arte foi feita à mão pelo ilustrador Vanderlei Soares (Deley) que utilizou uma interface de desenho digital.
Recife Metal Law – Ainda sobre essa arte da capa, ela traz um velho, a sua frente um tabuleiro de xadrez e uma cadeira vazia. Ao fundo, sua cabana e uma densa floresta, sem falar em outros detalhes. Uma capa com tantos detalhes foi uma forma de mostrar, em desenho, o que encontrar em termos líricos no álbum?
João - Perfeitamente. A ideia da capa é justamente fazer referência a algumas questões do álbum. Mais acima sintetizei as ideias centrais de “Ermo” em torno da ipseidade, da solidão e da finitude. A figura do velho homem jogando xadrez sozinho expressa, em metáfora, a nossa mortalidade, algo semelhante ao clássico filme de Bergman: O Sétimo Selo. A vida é tomada como uma partida de xadrez e a morte é o adversário invisível, imprevisível. Por quanto tempo conseguimos nos manter nesse jogo? Isso por si só já revela a fragilidade de nossa existência. Diante dessa fragilidade, do devir das coisas, tentamos transcender a mudança pensando o imutável, o perene, o fixo; queremos transpor barreiras que encerram os limites daquilo que podemos conhecer e, assim, nomeamos o desconhecido, corporificando-o ontologicamente. Nossas inúmeras tentativas de postular garantias, de se agarrar a promessas metafísicas, culminam nas mais variadas narrativas. Eis nossa herança platônica e judaico-cristã. Mas o velho homem está sereno, seu espírito em estado de ataraxia já refletiu bastante sobre essas questões e ele está em paz com tudo isso...
Recife Metal Law – Apresentada em digipack, a capa principal traz o logotipo da banda e o título do álbum em alto relevo. Apresentar um disco com uma parte gráfica tão caprichada se faz necessário para que haja um maior interesse dos headbangers atuais em comprar o material físico?
João - É defensável a ideia de que o mais importante é a música e a mensagem que ela passa. Mas, olhando por outro lado, acredito que é o somatório de todos os elementos possíveis que vai conferir a tua música uma conexão maior com o público. Nesse sentido, é sempre bom ter um cuidado com a parte gráfica do álbum, afinal de contas, a capa de um disco é muitas vezes um convite para se ouvir a banda. Todavia, vale ressaltar que essas características extras, como auto relevo do logotipo e do título do álbum, é algo próprio da Dead Paradise.
Recife Metal Law – A pandemia do coronavírus fez mudar muita coisa, entre essas coisas a realização de shows. Como vocês estão fazendo para divulgar “Ermo”, já que não podem tocar ao vivo?
João - A divulgação do álbum continua sendo feita através das mídias digitais, redes sociais, etc. Sempre que posso estou compartilhando alguma coisa no meu perfil pessoal e no da banda. A pandemia, por um lado, sufocou qualquer possibilidade de shows em lugares públicos, mas por outro possibilitou um tempo maior para o ócio, que para aqueles que podem, estão transformando esse ócio em criatividade para compor e encaminhar trabalhos futuros. Quem sabe em breve não apresentamos algo novo? Agradeço ao Valterlir pelo espaço concedido e aos leitores que acompanham o seu trabalho.
Contatos:
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Entrevista: Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação