O Unborn surgiu em meados de 2003, na cidade de Imperatriz/MA, tendo a sua frente o vocalista Slanderer e o guitarrista Junior Massacre. Depois de vários anos, compondo e tentando firmar uma formação duradoura, a banda lançou recentemente sua primeira Demo “Dogmas Massacra”, um trabalho cercado de muitos cuidados e profissionalismo. Apesar de todas as dificuldades para se manter uma banda no meio Underground, o Unborn vem divulgando seu Death/Thrash Metal, onde “prevalece ausência de modismos e tendências, mantendo em seu cerne a música marginal como deve ser: underground, extrema e sem dogmatismo.”, como a própria banda diz. Na entrevista a seguir, saberemos mais a respeito do Unborn, nas palavras do vocalista Slanderer...
Recife Metal Law – O Unborn surgiu em 2003, porém passou por vários problemas até estabilizar sua formação, sendo do meu conhecimento que um antigo membro da banda, ao sair, levou consigo todas as composições que a banda tinha feito até então. Fale-nos um pouco desse início conturbado do Unborn.
Samuel “Slanderer” Souza – Valterlir amigo, antes de tudo é uma puta honra configurar o web-zine Recife Metal Law, um trampo que vem somar em muito para a música Underground ‘brazuca’! Há certa confusão nesta informação do antigo membro... Quando resolvemos nos afastar, as músicas compostas continuaram conosco, sem nenhum problema da parte dele - pelo menos nunca chegou a nós este tipo de “cobrança”, e mesmo porque tudo que é produzido no Unborn é com a colaboração de todos e para a banda. Naquele período, ficamos praticamente um ano em processo de adaptação, já que o Junior Massacre passou do baixo para guitarra, e havia anos que Massacre deixou de tocar as seis cordas. Foi um período chato e realmente conturbado, principalmente quando voltamos aos ensaios. As músicas não estavam funcionando mais, e até fizemos algumas mudanças. Mas elas não representavam aquele momento... Estávamos mais raivosos, selvagens, insanos e endiabrados (risos). Resolvemos deixá-las de mão, pois era desgastante tentar adaptá-las. Assim, olhando sempre pra frente, sem medo de mudar e arriscar, partimos para o processo de compor novos sons e abandonar as músicas antigas. Para nosso espanto, as composições saíram mais espontâneas. Com isso, começamos a moldar a possibilidade de criar nosso próprio estilo e maneira de fazer música barulhenta, o que seria difícil numa formação anterior, por estarmos limitados a certa falta de experiência com som extremo por parte dos antigos membros. Talvez possamos em algum futuro fazer releitura dos sons antigos, mesmo porque elas representam uma época que devemos respeitar, porém estamos compondo riffs novos a cada ensaio, e até mesmo acontece de um esboço completo de som recente, a gente deixar de mão. Estamos ficando velhos pra perder tempo em tirar leite de pedra, entende? Não deu, passamos pra frente. O sol há sempre de nascer amanhã, ainda que às vezes com o clima nublado e cinzento.
Recife Metal Law – O ‘line up’ atual é Slanderer (vocal) e Junior Massacre (guitarra). Qual é a real situação de André (baixo) e Bruno (bateria) na banda?
Slanderer – O Bruno e o André são brothers nossos, fazem parte da banda Mortos daqui da cidade, e executam um grande Death Metal. E com a paciência deles, nos ajudam nos ensaios e shows. O Bruno é um batera que dificilmente encontraremos por aqui, portanto as possibilidades dele deixar a vaga é bem remota. Ele gosta do nosso som (basta vê-lo tocando com tanta insanidade), entende a proposta e colabora nas composições, empregando batidas violentas e matadoras. Desta forma, ele é quase um membro fixo, mas sua prioridade é o Mortos, o que entendemos perfeitamente, e naturalmente trabalhamos. Quanto ao posto de baixista, é, digamos, o mais flexível para nós, e é o que mais tentamos em manter fixo, buscando e arriscando alguém para ocupá-lo, todavia nunca oficializamos ninguém ao posto. Enquanto isso, André participa nos ensaios para shows e os faz também – dando então esta puta força. Obviamente, seria ideal ter membros integrais, mas da forma que estamos também vem funcionando, além do mais, encontrar as pessoas certas aqui, é complicado.
Recife Metal Law – A Demo “Dogmas Massacra” foi recentemente lançada, e nos apresenta um poderoso Death Metal, com algumas nuances do Thrash. Difícil é destacar uma música nesse trabalho tão linear, mas vou fazer aqui uma menção a “Invaders”, que serve como um cartão de visitas da banda. Essa música sintetizaria o que é a sonoridade do Unborn?
Slanderer – Agradecemos pelas palavras! É muita foda quando vêm de pessoas que vivem a música subterrânea em sua essência. Para nós é o que nos completa! A “Invaders” é da fase inicial da banda, porém demos um gás a mais nela, baixando afinação e empregando um peso mais na cara, isso incluindo também até a forma de cantá-la. Não sei dizer se ela sintetiza bem nossa sonoridade - é uma música excelente ao vivo, ótima para quebrar vários pescoços! Apesar de tocarmos um som simples e rasteiro, até nos vejo plural e diversificado em cada música... É como se fossemos um pequeno quarto, podemos mudar ali e acolá um móvel ou objeto de local, mas sempre à vista pode soar a mesma decoração. Este é o barato do som simples. “Invaders” é uma puta música, com uma das melhores letras que já fiz, mas enfim, temos outras músicas que expressam outros comportamentos estranhos que temos, musicalmente falando. As músicas novas estão representando um momento atual da banda, e elas expressam outro nível de selvageria que estamos passando, como “The Hostile Sick of Madness” e “From Damage to Ignorance”, que estarão em nosso próximo trabalho.
Recife Metal Law – Esse material conta com seis faixas, sendo que a primeira, “Invictus”, uma “Intro”, e a última, uma “Outro”, não foram credenciadas. Qual a razão para isso?
Slanderer – Olha, estas coisas servem pra gente saber quem ouve o material de verdade ou não (risos). Nós crescemos ouvindo LPs e muitas fitas K-7, nestas, principalmente, os créditos sempre geraram controvérsias. Colocamos desta forma como uma referência e pra gerar certa confusão, o que de fato aconteceu lendo algumas resenhas sobre a Demo. É legal quando alguém pergunta sobre elas, sinal que despertou curiosidade – este feedback faz parte da diversão.
Recife Metal Law – “Invictus” tem a participação do líder do Mystifier, Beelzeebubth, que emprestou sua voz na mesma. Como surgiram os contatos e a idéia de ter a voz de Beelzeebubth nessa Intro?
Slanderer – Tenho contato com Beelzeebubth há muitos e muitos anos – acho que somos até amigos (risos). Sou um fã incondicional do Mystifier e é uma auto-realização ter esta participação em algo tão pessoal que é o Unborn. O convite surgiu naturalmente e com os avanços tecnológicos que encurtam distâncias, recebemos o material gravado, e então montamos e mixamos por aqui. Isso também tem muito haver com o lance dos LPs que falei antes, de ter um disco de uma banda com participações de outros caras. Estas coisas ficam com a gente, que ama esta porra chamada Heavy Metal, e quando você tem uma banda, lança mão do mesmo expediente. Olhando com outra análise, somos uma banda iniciante e temos muito que aprender e percorrer para fixarmos um nome no cenário. Com Beelzeebubth abrindo a Demo, entendemos como forma de validar nosso barulho! Nos próximos trabalhos também convidaremos outros maníacos. É importante para uma banda inicial como a nossa e de uma região tão distante dos grandes centros, agregarem valores ao seu trabalho. É uma demonstração que não estamos brincando! E no final, no Brasil há muitos caras que consideramos importantes dentro da cena, mesmo que para a massa em geral não significa muita coisa, porém, para nós estimamos respeito e consideração.
Recife Metal Law – As letras abordam diversos temas, mas duas apresentam duras críticas ao cristianismo e as religiões, de forma geral. Qual a visão de vocês sobre um tema tão complexo como fé e religiosidade?
Slanderer – São temas complexos às pessoas “comuns” do dia-a-dia que todos nós mantemos relações, pessoalmente e profissionalmente. Levantar estas discussões, que a religião explora os mais necessitados e que não há sentido nenhum em levar em consideração a existência de uma única verdade, sendo este mundo tão imenso e diferente, sempre vai gerar divergências. Mas, acredito que o Heavy Metal, ou lá em nossas raízes, o Rock N’ Roll, veio para questionar a moralidade, chutar o pau da barraca, por assim dizer, então algo que a principio é tido como complexo, dentro da música é um conceito solto para ser trabalhado. Nossa visão é sintetizada neste sentido, de jogar areia no ventilador, enquanto processo de composição e assumir com a nossa música barulhenta a liberdade de expressão, da mesma forma que há a liberdade de culto. Todavia, fé e religiosidade têm sentidos completamente diferentes para aborígines, krikatis, mulçumanos, budistas ou cristãos. E seria estúpido limar por baixo estes individualismos culturais e formação religiosa, só porque fomos educados no ocidente e apontar também, historicamente, nosso dedo sujo. Desta forma, de um modo geral, o cristianismo é o maior alvo de críticas pela exposição que o mesmo construiu durante toda sua sangrenta história, para massificar-se como religião suprema. Entretanto, na música “Religious Cancer” o foco é mais destinado às religiões do oriente e suas guerras estúpidas, as milícias armadas com suporte do governo que representa uma determinada comunidade dita como santa ou escolhida, explorando o trabalho infantil como pequenas máquinas de matar e condicionando as mulheres a todo tipo de privação. Há muitas formas de manipulação espalhadas por aí como um câncer, e não é crédito apenas do cristianismo. Infelizmente, pouco se ver dentro do nosso próprio estilo.
Recife Metal Law – E qual a ligação entre a capa, o título da Demo e as letras contidas na mesma?
Slanderer – A capa genialmente criada por Alcides Burn tem todo este aspecto de impacto e retrata de forma bem direta o conceito empregada em músicas como “Dogmas Massacra” e “Religious Cancer”. A submissão e o autoflagelo, o se pôr de joelhos, a subsistência isolada em quarto fechado... São expostas em um sentido figurado o que os dogmas podem causar a alma e se estende até mesmo ao corpo. E sabemos que há realidades assim da forma que foi desenhada na capa, todavia há este lado do não poder questionar e do não duvidar, a doença mortal silenciosa, que é ainda mais rasteira para o ser humano, este animal selvagem que fora domesticado. E prefiro o entendimento da capa neste sentido! Quanto a “Invaders”, ela tem um direcionamento mais histórico, já que retrata a invasão européia, com seus ladrões, saqueadores, padres e prostitutas, nas terras tupiniquins. “The Fall of the Ideology” tem o teor mais politizado, da ascensão das bandeiras esquerdistas ao poder e suas feridas expostas à corrupção e desmandos da coisa pública, e da conclusão que cores partidárias são todas as mesmas merdas. De certa forma, o chicote que açoita a carne já podre é, em suma, a religião e a política – dois temas ótimos para serem trabalhados.
Recife Metal Law – Esse primeiro lançamento da banda veio cercado de cuidados. Dificilmente se vê algo tão profissional sendo lançado no meio Underground. Nada passou batido; desde a concepção gráfica, passando pela gravação e terminando no encarte, totalmente informativo, tudo é digno de elogios. Qual a importância de lançar uma Demo com esse alto teor de profissionalismo?
Slanderer – Cara, creio que isso é respeito. Nossa origem como headbangers consiste na aquisição de material via correios, das Demo Tapes e dos zines xerocados, e alguns eram elaborados de forma tão minimalista e caprichada, que saltavam aos nossos olhos, ainda mais numa época em que por ser Underground, deveria ser feito de qualquer maneira. Algumas bandas e zines pensavam diferentes, e apostavam nos detalhes, ainda que artesanal. Essa é nossa herança e nos marcou internamente. Quando fazíamos zines (Nota: Slanderer editava o Deusdemoteme Zine e o Junior Massacre produzia o Metal Storms Zine e HC Mosh Zine), nosso direcionamento era também de aprontar um material bem feito, bem sacado. “Dogmas Massacra” e qualquer outro material com assinatura minha e de Massacre, serão assim, pois são conduzidas por maníacos que respiram o Underground em sua essência, forjados numa época em que tudo era mais honesto e orgânico. Nós não perdemos estes valores, de trabalhar com o simples e o tangível, mas de forma profissional e acima de tudo com respeito. Como citado antes, contamos com o trabalho gráfico do expert Alcides Burn e na masterização com Fabiano Penna (The Ordher, ex-Rebaelliun), e com estes profissionais envolvidos no processo, foi justamente visando concluir um material de nível, ainda que estejamos vivendo a época em que a música se tornou um arquivo. Só que nós não estamos produzindo para este pessoal. Como se diz, o buraco é mais embaixo, e é assim que nos direcionamos.
Recife Metal Law – Vocês estão tendo apoio de alguns selos na distribuição desse trabalho, inclusive alguns de fora do país. A distribuição e divulgação do material vêm sendo satisfatórias?
Slanderer – Estão começando a rolar e alguns contatos novos estão surgindo como, por exemplo, a recente distribuição de “Dogmas Massacra” no Peru pela UnderMetal Records; na Bolívia pela Intifernal Records e em Portugal pela Orion Productions. Países como Peru, Bolívia, Costa Rica e Chile, são locais que estamos nos infiltrando aos poucos, seja com a circulação da Demo e também com a fundamental divulgação em zines. O cenário da América do Sul é algo que nos interessa profundamente. Em novembro/dezembro “Dogmas Massacra” será oficialmente lançada pela Infernal Kaos Productions da Coréia do Sul, fazendo intensa distribuição na Ásia e em alguns países da Europa. E aqui no Brasil, a Demo começou a sair pela Mountain Distro, uma produtora importantíssima dentro do Underground e tem um alcance muito grande, e o que é melhor, destinado para quem respira a música subterrânea. São parcerias que solidificamos e visamos manter para nossos futuros lançamentos. Vale ressaltar que além das distros, alguns irmãos da cena também vêm ajudando, obtendo mais de uma cópia e assim espalhando a nossa peste para outros necrobangers.
Recife Metal Law – Já que a banda vem contando com apoio de selos estrangeiros, já houve algum convite para que o Unborn se apresentasse fora do país?
Slanderer – Não cara, nada neste sentido. Estamos trabalhando o nome nos países da América do Sul como falei antes, que é algo mais próximo da nossa realidade e quem sabe poderá ter algum retorno daqui alguns anos, quando tivermos um material à altura de sair divulgando na estrada e com a vida pessoal mais flexível para viagens extensas.
Recife Metal Law – E no Brasil, como anda a agenda de shows da banda?
Slanderer – Por enquanto nos limitamos a tocar em nossa cidade esporadicamente. Quando tivemos oportunidades concretas de fazer shows fora do estado, tivemos os problemas de formação. Convites há muitos, mas para nós é complicado, ter que se auto-financiar. Não que isso seria incômodo, mas o retorno para cobrir as despesas passa batido, então ficaríamos com a vida pessoal desequilibrada, afinal de contas temos famílias e uma série de limitações, a começar também pela instabilidade na formação. E há locais e locais para se tocar e, por opção pessoal, queremos nos dedicar aos locais que sabemos da insanidade e compromisso com a música doente e dissonante. Para chegar a estes porões estamos trabalhando muito, preparando um material ainda mais possante e fazendo os contatos certos, para ter um retorno mais palpável.
Recife Metal Law – A banda noticiou que estaria lançando um EP via Genocide Records, no formato vinil. Porém, não acontecerá mais. Por quê?
Slanderer – A única fábrica de vinil no Brasil, a PolySom, chegou a fechar as portas. Há certa tentativa do Governo Federal através do Ministério da Cultura, de reerguer a fábrica, mas até o momento nada de concreto aconteceu. Enquanto isso nada mais foi produzido! Então, nós perdemos esta oportunidade, sabe-se lá até quando! Nosso papo com a Genocide era deste formato, nem chegamos a comentar sobre outra possibilidade.
Recife Metal Law – E esse material viria com músicas inéditas? Quais serão os próximos passos do Unborn?
Slanderer – Sim, o material apenas com músicas inéditas. Agora, elas estão sendo imaginadas para outro formato. Já temos título definido e mais ou menos como será o material, o conceito, as ordens das músicas, primando por um nível acima de “Dogmas Massacra”. Não queremos demorar tanto tempo em lançar, para que as músicas não fiquem “mornas” para nós. Visamos ampliar o número de distros, como dito antes e aumentar ainda mais o leque de contatos com zines ao redor do mundo e ingressar em mais algumas coletâneas. Não há muitos segredos e/ou estratégicas mirabolantes para o futuro, apenas queremos seguir com ensaios e produzir o máximo possível. Então é isso Valterlir, agradecemos mais uma vez o grande suporte ao Unborn. Nós estamos na torcida para que o Recife Metal Law perpetue por muito tempo. Esperamos um dia poder tocar em sua cidade, beber muita cerva e vomitar aí pelas calçadas do Recife Antigo. Grande abraço! Let the Metal Scum to dirty your souls!!!!
Site: www.unborn.com.br
Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação