A história da lendária banda Taurus chega a se confundir com a própria história do Thrash Metal nacional, afinal a banda foi uma das grandes responsáveis pela disseminação do estilo no país, em meados da década de 80. A banda começou a dar seus primeiros passos em 1981, quando o Thrash Metal ainda nem havia surgido de forma oficial. Um de seus trabalhos mais conhecido é o seminal “Signo de Taurus” (1986), que influenciou diversas bandas no decorrer dos anos. Mesmo tendo passado vários anos inativa, a banda sempre foi bastante cultuada, algo que fez com que os músicos pensassem numa volta, o que aconteceu em 2007. E essa volta se transformou em “Fissura”, um álbum que mostra um Taurus fazendo um Thrash Metal “totalmente vintage, valvulado e quente...”, como dizem os membros da banda. O Recife Metal Law teve a oportunidade de entrevistar a banda, onde os músicos falaram de todas as fases do Taurus, inclusive da fase mais nova. Confiram!
Recife Metal Law – Em primeiro lugar digo que, como grande fã do Heavy Metal nacional da década de 80, é uma grande honra poder estar entrevistando uma banda que foi símbolo de luta e glórias para o Heavy Metal nacional naquela época.
Sérgio Bezz – Agradecemos muito. Traz muita satisfação a nós responder suas perguntas, que mostram o respeito a nós. Fizemos parte, como muitos outros, do início da construção da estrada que hoje está aí, do Metal nacional, e demos muito sangue pra isso, mas ainda corre muito em nossas veias. Cláudio Bezz – O prazer é todo nosso. Aliás, o que os fanzines, revistas de Metal, webzines e afins, além do público, tem feito por nós não tem preço. Se pudermos retribuir com alguma coisa, que seja com um disco novo cheio de gás.
Recife Metal Law – O embrião do Taurus surgiu em 1981, quando quatro jovens ‘deixaram de ser fã e fazer música’. Como foi esse processo, de serem apenas fãs de música pesada para serem integrantes de uma banda?
Cláudio – Foi uma coisa natural. Era a vontade de qualquer garoto naquela época. Vivíamos juntos o tempo todo, ouvindo som na casa de um e de outro, tentando descobrir o que as bandas que gostávamos estavam fazendo... Discos, shows e sonhando um dia poder assisti-los ao vivo. Até o dia que resolvemos tentar tocar algumas das músicas que adorávamos. De Black Sabbath, Iron Maiden, Deep Purple, e as ‘novas’ Metallica, Slayer, etc. Daí a pintarem as primeiras composições até a primeira Demo e o primeiro disco foi um pulo.
Recife Metal Law – Naquela época não se tinha tanto acesso as bandas e seus respectivos lançamentos como se tem atualmente. Então como foi sendo criadas as músicas que mais tarde fariam parte da primeira Demo do Taurus? Em quais bandas vocês se espelhavam para fazer suas músicas?
Cláudio – Como sempre compúnhamos juntos nos ensaios, tentávamos fazer músicas que refletissem o que éramos na época: cheios de gás, com vontade de fazer o bairro inteiro ouvir o que estávamos tocando. E parece que ouviram! (risos) Ensaiávamos em uma casa de uma amiga (Simone Bruxa, dos Autoramas), que estava vazia, e fazíamos um barulho danado. Era o nosso ‘covão’, como chamávamos na época. Tudo o que ouvíamos nos influenciava, mas mesmo querendo tocar igual a essa ou aquela banda, saía do nosso jeito. Era tudo muito natural.
Recife Metal Law – Por falar na primeira Demo, lançada em 1985, uma de suas músicas, nunca foi lançada de forma oficial, apenas fazendo parte do relançamento do “Signo de Taurus”, numa versão ao vivo. Por que a música “Gladiadores” nunca foi lançada de forma oficial?
Sérgio – No período das gravações do “Signo de Taurus” precisamos cortar algumas coisas (restrição ao tempo do LP) e “Gladiadores” foi a eleita. Essa foi uma das primeiras composições do Taurus, e na época tivemos um evolução muito rápida em pouco tempo. Ensaiávamos todos os dias, mais de uma vez por dia. Assim as novas músicas soavam, para nós, melhores, mais trabalhadas. Mantivemos essa música ao vivo, e não tinha mais sentido regravá-la nos discos posteriores, mas quem sabe, podemos ainda gravá-la.
Recife Metal Law – “Signo de Taurus” foi o álbum que catapultou a banda, que a partir dele começou a ser conhecida em todo o Brasil, e em outras partes do mundo. Vocês lembram como foi todo o processo de gravação desse disco? Esperavam que ele causasse tanto impacto na época?
Cláudio – O processo da gravação, em si, não teve muito segredo não. Foi ralação do primeiro ao último dia. Mas como já havíamos gravado a nossa segunda Demo naquele mesmo estúdio, com o mesmo técnico da gravação do “Signo de Taurus”, houve uma integração muito maior entre a parte técnica e a parte musical. Experimentamos coisas em relação a posição de microfones, amplificadores e, principalmente, na mixagem, que deixaram uma marca naquele disco, que, obviamente, somou-se a toda a produção. Utilizamos o processo de masterização que hoje todo mundo faz, mas foi uma novidade em se tratando de disco brasileiro de Rock. Tudo isso aliado ao contexto da época foi o que levou a termos um ‘certo sucesso’ com o “Signo de Taurus. Digo ‘certo sucesso’, pois não dava para falar em altas vendagens, mas satisfatórias em se tratando de disco independente.
Recife Metal Law – Após esse disco, a banda perdeu o vocalista Otávio Augusto. Tendo lançado um disco contendo músicas fortes, aclamado por crítica e público, e ainda com vários shows marcados pelo Brasil, o que levou Otávio a deixar a banda num momento tão crucial?
Cláudio – Não foi nada demais. O cara tinha uma faculdade em curso e estava a fim de terminar, era só isso. Mas na época ficamos super decepcionados, pois estávamos ficando com uma agenda bacana e realmente foi um anticlímax. Mas conseguimos superar e encontramos o Jeziel, um cara que se tornou nosso amigo rapidamente, e pudemos dar continuidade aos nossos planos. Além de também tocar guitarra, o que ao vivo foi um ganho muito importante para nós.
Recife Metal Law – Os dois discos posteriores, “Trapped In Lies” (1988) e “Pornography” (1989) deram uma guinada na sonoridade do Taurus, que foi para um lado mais experimental e Heavy Metal, diferente da sonoridade agressiva e Thrash Metal do primeiro álbum. A mudança de vocalista os levou a tomar esse caminho?
Sérgio – A saída do Otávio e a entrada do Jeziel trouxeram várias mudanças, entre elas o Jeziel também tocava guitarra, dando outra pegada ao vivo, o que refletiu no estúdio também. Acho que no “Trapped in Lies” cadenciamos um pouco o som. De fato, quisemos experimentar outras águas. No “Pornography” já foi outro passo, a influência do Punk bateu em nós. Um som mais direto, básico, rápido. Acho que esse disco foi prejudicado pela gravação, que não realçou elementos do arranjo bem interessantes.
Recife Metal Law – Pouco tempo depois desses lançamentos, a banda se desfez, prematuramente. O que os levou a tomar essa decisão foi a pouca aceitação dos álbuns cantados em inglês?
Cláudio – Não, muito pelo contrário. O público nos dava todo o suporte que precisávamos. Era só vê-los ao vivo. Nós só refletíamos a vibração, que era super legal. O principal motivo por termos ‘dado um tempo’ foi toda a situação econômica e social do Brasil. Estávamos vivendo um período muito estranho mesmo. Não tinha mais espaços para shows, faltava até vinil para prensarmos os LPs. Inflação, passagens caras demais para viajarmos. Não só a gente, mas todas as bandas. Mesmo assim ainda fizemos shows em vários Estados, divulgando o “Pornography”. Foi quando resolvemos parar e mantermos os sentimentos pela banda intactos. Hoje posso dizer que foi a melhor coisa que poderíamos ter feito, pois mantivemos resguardados tudo o que tínhamos de melhor para podermos voltar a tocar hoje em dia com a mesma vontade de antes. Com uma diferença: estamos muito melhores!
Recife Metal Law – A banda passou diversos anos inativa. Cláudio foi tocar numa banda de jazz, Sérgio tornou-se psicanalista, e Jeziel participou de uma banda de Rock N’Roll chamada Gnose. E Otávio, o que fez após a sua saída do Taurus?
Cláudio – Não foi só isso. Cada um foi viver sua vida e não dar para quantificar o que cada um fez, pois somos muita coisa ao mesmo tempo. Eu não fui ‘tocar jazz’, mas trabalhar em estúdio, gravando com muita gente, profissionalmente. Além de terminar minha graduação em violão erudito. Você acaba tendo que dominar várias linguagens musicais para sobreviver nessa selva. Otávio foi trabalhar como profissional de educação física e se tornou empresário desse ramo.
Recife Metal Law – Em 2006 começou a ser programada a volta do Taurus ao cenário Heavy Metal nacional. De que forma foi trabalhada essa volta e como surgiu o contato com o Otávio para voltar aos vocais da banda?
Cláudio – Foi uma coisa de fora para dentro mesmo. Descobri, por acaso, uma comunidade no Orkut dedicada ao “Signo de Taurus” com mais de 2000 pessoas, que me deixou muito intrigado e orgulhoso, pois como poderia, depois de 20 anos, uma garotada estar curtindo um disco de Metal nacional dos anos 80? Resolvemos matar a saudade deles e fazer um show fechado, mas antes rolou um ensaio que foi surpreendente, pois a sensação de que nunca paramos foi evidente. Daí um convite para a abertura do show do Testament no Canecão foi irrecusável, e quando vimos estávamos na estrada de novo. Convidamos o Otávio para uma participação em um show, e essa participação virou definitiva depois do primeiro encontro. Era inevitável.
Recife Metal Law – Um dos músicos que estavam na banda, com essa volta, foi o baixista Beto de Gásperis, que inclusive compôs algumas músicas para o que viria a ser “Fissura”, além de gravar o baixo em oito das nove faixas contidas no álbum. Por que ele não permaneceu na banda?
Cláudio – O Beto foi um cara super importante na volta da banda, pois tivemos uma interação musical imediata, desde o primeiro ensaio com ele. Além de ser um ótimo compositor, se tornou um irmão Metálico. Ele substituiu o Jean, baixista original da banda, e trouxe uma vontade de tocar que contagiou a todos. Depois de quase dois anos fazendo parte do Taurus foi viver seu sonho de muito tempo: trabalhar e viver fora do país. Continuamos em contato direto, e hoje ele é o nosso webmaster. Graças as maravilhas da internet, temos tido contato permanente. Assim sendo, o Jeziel assumiu o baixo e voltamos a ser um quarteto, mas com as duas formações. Interessante, pois podemos tocar qualquer música de qualquer período sem inventar nada, com os vocalistas originais.
Recife Metal Law – Falando sobre “Fissura”, o achei um álbum que seria a continuidade natural de “Signo de Taurus”. As músicas seguem aquela linha do Thrash Metal que foi responsável pelo reconhecimento do Taurus, mas não soam forçadas. Como foi trabalhar nessas novas músicas? Voltar a fazer algo na linha do primeiro álbum foi proposital?
Sérgio – Não, saiu assim. O primeiro álbum foi, sem dúvida, aquele que mais presença teve com o público e sentimos isso ao vivo, nos shows pelo Brasil que fizemos no retorno. A presença de Otávio, o espírito dos shows, somada a nossa decisão pela língua portuguesa, de nos fazer entender pelo nosso público no Brasil, esse caldeirão nos aproximou do primeiro disco, mas acho que há muitos elementos que ultrapassam, em muito, o que estava no “Signo de Taurus”.
Recife Metal Law – Esse álbum foi recentemente lançado, mas já vem ganhando diversas críticas positivas. Qual a importância desse novo material para a carreira do Taurus?
Sérgio – É um momento muito importante para nós termos conseguido realizar esse trabalho, depois de tanto tempo e com tanta força, sem cara de comida requentada. Abrimos um novo tempo em nossa história. Para muitas pessoas é o primeiro álbum, porque não somos tão conhecidos, já que paramos num período pré-internet. Para mim foi um recomeço, de uma forma consistente musicalmente e, acho, acrescentando ao mundo Metálico do Brasil, sem pretensões internacionais, e aí, surpresa, estamos recebendo propostas de fora. A primeira, de Portugal. Já está fechado o lançamento do álbum por lá, e em outros países está em negociação.
Recife Metal Law – As letras desse disco tratam de temas do cotidiano, como violência, drogas, guerra, crime organizado, ganância e fanatismo/hipocrisia religiosa. “Mercenários” e “Fanatismo” tratam de oposição as religiões. Essas músicas têm letras bem interessantes, e escritas de forma inteligente, mas por que fazer músicas tratando desse assunto?
Otávio Augusto – Quando escrevemos uma letra esperamos que as pessoas reflitam sobre o assunto. Na verdade não estamos sendo contra nenhuma religião ou culto, mas sabemos que usada de forma indevida só proporciona violência e preconceito. “Mercenários” tem uma linha histórica e começa falando da Inquisição. Já “Fanatismo” retrata a intolerância, o radicalismo. Cláudio – Em todas as nossas letras tentamos dar um ar descritivo e nunca professoral. Apenas somos críticos ao que nos acontece na vida diária. As violências que todos sofremos, injustiças, falta de ética e tudo mais. O Otávio gosta de assuntos históricos, e nada melhor do que relembrar certos fatos para não nos deixar esquecer. Só assim a gente não repete os mesmos erros. Temos memória muito curta, e isso é um perigo. Não há nada contra as religiões, mas só chamamos a atenção sobre determinados aspectos da ‘cegueira’ que uns e outros impõem a população. Pensar nunca é demais e, às vezes, o povo esquece disso.
Recife Metal Law – “Let’s Cut”, apesar de ser cantada em português, tem algumas partes em inglês. Por que essa música conta com essas passagens em inglês?
Otávio – Essa música fala de consumismo e achamos interessante usar o inglês, porque não existe povo mais consumista que o americano. Não só o Brasil, como outras nações receberam grande influência dos Estados Unidos e, de certa forma, perdemos nossa identidade. Não adianta ter grandes bandas nacionais que sempre terão preferência pela estrangeira, não é verdade? Olha aí a influência. Cláudio – E também temos o direito a certa liberdade poética, se pudermos chamar assim. O texto falado em inglês (inclusive pelo Beto de Gásperis) fica mais forte do que em Português. Também foi uma decisão musical.
Recife Metal Law – A faixa-título é uma música tipicamente antidrogas, e a sua letra é de Sérgio. O que te levou, Sérgio, a fazer a letra da música tratando desse tema?
Sérgio – Já havia escrito outras letras em parcerias em discos anteriores. Essa foi a primeira, de fato, que escrevi ‘solo’. Não considero uma letra antidrogas, mas, antes, uma letra que fala de um destino possível para certo uso delas. Como trabalho no tratamento de pessoas com problemas com drogas, sei do potencial arrasador da vida, destrutivo das toxicomanias. Mas como disse, não considero antidrogas, até porque isso seria hipocrisia e artificial, já que vivemos num mundo onde as drogas estão aí, usadas por todos e em vários formatos, legais e ilegais. É uma letra que procura tocar nas drogas de um modo a fazer pensar um pouco, pra quem quiser e puder, é claro, senão curtam o som, que é uma porrada na cabeça!
Recife Metal Law – Existe alguma letra em “Fissura” que foi escrita antes da volta da banda?
Cláudio – Não, são todas inéditas e recentes. Fizemos questão disso, pois o novo disco é um retrato do que somos hoje, e não há vinte anos. Não há nada no disco que tenha sido composto antes. Tudo é novo.
Recife Metal Law – Muitos fãs mais jovens nunca tiveram a oportunidade de ver a banda ao vivo. Vocês planejam fazer uma turnê de divulgação do novo álbum pelo país?
Cláudio – Claro! Apesar de termos feito vários shows dos relançamentos dos discos anteriores em versão remasterizada em CD, fomos a vários estados e foi uma loucura ver fãs novos e antigos curtindo o nosso som. Estamos agendando as datas de lançamento do “Fissura” e em breve chegaremos bem perto dos que gostam do Taurus. No momento estamos fazendo a divulgação em revistas, zines, webzines e webradios. Que foi sempre a nossa base de sustentação.
Recife Metal Law – O que podemos esperar do Taurus de agora por diante? A banda realmente voltou pra ficar?
Sérgio – Voltamos e estamos tocando pelo país. Está sendo muito boa a receptividade do público. Se voltamos pra ficar? Só posso dizer que estamos na atividade, e queremos ter oportunidade que o maior número de pessoas ouçam o “Fissura” e nos veja ao vivo. Então, esperamos vocês por aí. Cláudio – Estamos na estrada de novo e só tenho a agradecer o apoio de todos. O que tenho a dizer sobre essa volta? Bem, estamos com muito gás e a nossa história apenas está no começo. Muita coisa ainda vai rolar. Batam as cabeças e escutem o “Fissura” bem alto! Faz bem para a saúde!!!