A banda potiguar Kataphero é relativamente nova, já que surgiu em 2009, mas já vem ganhando bastante respaldo no meio Underground nordestino, inclusive já tendo tocado no renomado festival Abril Pro Rock deste ano. A banda lançou apenas dois materiais: uma Demo (2010) e o ‘debut’ álbum “Life”. A sonoridade da banda é bem intricada, bem feita e cheia de atrativos. Além disso, a parte visual é de forte impacto, e talvez esse seja um dos motivos quem vem chamando à atenção de público e mídia. O Kataphero tem em sua formação Phelippe Melo (baixo), Lucas Somenzari (bateria), David Cantidio (guitarra) e Paulo Henrique Santiago (vocal/guitarra). Saibam mais sobre a banda na entrevista a seguir.
Recife Metal Law – Qual a razão para se nomear uma banda brasileira, com um nome em grego e que faz suas músicas em inglês?
David Cantidio – Se você parar para pensar, não é tão incomum uma banda brasileira cantar em inglês e ter nomes estrangeiros. O nosso nome, em vez de inglês, acabou sendo grego por causa de uma afinidade que sempre tivemos com a Grécia. Gostamos muito de filosofia. Paulo Henrique Santiago, por exemplo, se formou e tatuou filosofia no seu corpo. Além disso, sempre gostamos também da cena grega de Metal, e há quem diga que é perceptível essa influência no “Life”. Na verdade, se a gente for parar pra pensar mesmo, a nossa herança grega é muito maior que a americana ou inglesa. Da nossa cultura, senso estético, forma de pensar em geral, a política, a língua, é tudo de origem helênica. O contato com essa realidade nos fez descobrir a palavra/conceito Kataphero e naturalmente adotamos, não foi sequer proposital.
Recife Metal Law – O Kataphero surgiu em 2009 e no ano seguinte lançou sua primeira e única Demo. A banda faz um estilo praticamente impossível de rotular, e com o lançamento dessa Demo esse foi realmente o caminho que os músicos queriam seguir?
David – Acho que essa coisa de ser difícil de rotular não vem de uma preocupação em ser “irrotulável”, mas, do contrário; da “DESpreocupação” em se encaixar em rótulos. A gente realmente nunca se incomodou em ser ou não ser rotulado. Os caminhos que buscamos seguir, até hoje, passam longe de discussões sobre estilo. Nossa preocupação mesmo é em fazer a coisa com honestidade e verdade artística. O compromisso sempre foi muito mais com a ideia do que com gênero. O resto, o “ser Metal” acaba sendo uma consequência da nossa formação musical. Metal, como linguagem que é, e sendo inevitavelmente nosso idioma, acaba sendo, naturalmente, o resultado do que a gente faz. Forçar isso seria redundante.
Recife Metal Law – Os músicos já participaram de diversas outras bandas do cenário potiguar. O que a passagem por essas bandas acrescentou à musicalidade do Kataphero?
David – Ter passado por outras bandas anteriormente talvez tenha sido a coisa mais fundamental para a existência do Kataphero do jeito que ele é, ou está. É toda fonte de aprendizado e experiência que tivemos, e isso tem total influência no resultado do que fazemos. Já musicalidade é uma coisa meio pessoal. Eu devo muito às bandas que eu participei antes, mas não a minha musicalidade. Acho que na verdade é o contrário, a musicalidade a gente adquire fora das bandas, até fora do Metal, até fora da música, e então a injetamos nos nosso projetos, e não a banda que nos injeta musicalidade. Mas essa é uma visão pessoal minha.
Recife Metal Law – A banda ainda é jovem, contando apenas com quatro anos, mas já vem ganhando um bom respaldo no meio Underground nordestino. De que forma vocês vêm trabalhando o nome da banda e como vocês pretendem espalhar o nome Kataphero a nível nacional?
David – A gente acredita muito no trabalho e na postura profissional e procuramos ser assim em todos os momentos da banda porque entendemos que só assim é possível fazer boa música, bons álbuns e bons shows. E é isso que uma banda precisa, no mínimo, para ter algum sucesso, não é? Sobre espalhar o nome a nível nacional, é basicamente a mesma receita, só que com umas doses a mais de pé no chão, persistência e paciência.
Recife Metal Law – O primeiro álbum, “Life”, foi lançado no final de 2012, e traz onze faixas, sendo que três delas são instrumentais (na verdade “Exilium” e “Aeon” são uma espécie de intermezzo). A parte sonora já tinha uma forma definida desde o lançamento da Demo ou vocês trabalharam para evoluir no conceito musical da banda?
David – A parte conceitual foi evoluindo aos poucos. O ponto mais decisivo disso foi o espetáculo teatral “Lifetime” que produzimos. Com esse exercício, a gente percebeu que a música, e a, digamos, “mensagem” da banda, pode ter muito menos limites e muito mais camadas do que normalmente se pensa. A partir daí adotamos essa visão e temos trabalhado a partir dela.
Recife Metal Law – A capa parece ser uma espécie de paradoxo com o título do álbum, trazendo uma espécie de ancião, em seu leito de morte e despido. Qual a relação existente entre a capa e o título do álbum?
David – Vem também dessa visão conceitual que adquirimos no espetáculo “Lifetime”. Nessa experiência, percebemos que haviam pontos em comum nas músicas que foram, a princípio, compostas sem conexão entre si. O conceito do espetáculo, que acabou coincidindo e se confundindo com o álbum em si, é o da vida enquanto um processo de morte. Sendo o nascimento o começo, e a morte um (bem entre aspas) “fim”, a vida é o processo para o fim. A imagem é uma mera representação gráfica dessa ideia.
Recife Metal Law – Além da musicalidade complexa contida em “Life”, devo dizer que as letras também são bem complexas, e títulos como “Thanatolatria”, “Brethren” e “Sophorosyne” corroboram para isso. Como foi criada toda a estética literária do álbum.
David – Eu admito a complexidade, mas ela não é nenhum pouco intencional. Todas as letras são de Paulo Henrique Santiago e todas elas foram exaustivamente discutidas e conversadas. Tão exaustivamente discutidas e conversadas que para chegar na resposta não teria espaço suficiente. Mas por um lado isso é bom. É importante que cada um entenda a sua maneira o que tem ali. Só posso dizer que nenhuma vírgula está lá por acaso.
Recife Metal Law – A produção sonora ficou muito boa, algo necessário para uma música como a do Kataphero, que lança mão de samples e até corais. Tal gravação ter ficado a cargo do vocalista Paulo Henrique Santiago colaborou para que a produção sonora saísse tão bem feita?
David – Totalmente. Paulo é um produtor virtuosíssimo, inclusive recomendo totalmente a qualquer banda de qualquer nível produzir com ele, de preferência agora enquanto ele ainda está barato. (risos) Para você ter uma ideia, o disco foi totalmente produzido, exceto a bateria e vocais – que usamos uma sala de estúdio (mas com nosso equipamento) - no quarto de Paulo. Não tínhamos grana para gravar em um estúdio de verdade, então compensamos com o zelo e cuidado. Demorou quase um ano entre gravações, mixagem e masterização. Muitas coisas refeitas mil vezes, muito estudo da parte de Paulo para chegar onde a gente queria. Enfim, é um trabalho feito com um carinho profundo.
Recife Metal Law – Já a produção gráfica poderia ter sido melhor, já que traz apenas a capa, com letras alguns informes, mas nenhuma foto, sequer, da banda.
David – Temos consciência disso. Mas esse lançamento que você se refere, que inclusive está esgotado, não é e nem foi feito para ser definitivo. O que aconteceu foi que chegamos em um momento que tínhamos, de qualquer maneira, que ter um material. Sem material a banda não existe. Então nos apressamos e fizemos isso, com os recursos e o tempo que tínhamos e a total consciência de estar aquém do padrão que tentamos impor em tudo. Mas às vezes, só às vezes, entre fazer ruim e não fazer é melhor fazer ruim. A razão de não ter foto da banda foi também uma questão financeira. Tínhamos que escolher entre as letras das músicas e a foto da banda, e como somos feios pra caralho... Mas já está no forno a versão definitiva, que inclusive vai ser bem interessante. Incomum, até.
Recife Metal Law – Em abril deste ano, no renomado Abril Pro Rock, o Kataphero fez um dos shows mais elogiados da “Noite do Peso”, onde apresentou, além de sua musicalidade ímpar, um visual carregado. O Kataphero surgiu para causar impacto?
David – Claro que a gente sabe do impacto, e do efeito do impacto. Mas o visual, que estreamos no APR não foi feito simplesmente para impactar. Esse é um efeito colateral bem vindo. Sempre fomos uma banda que se preocupa com a atmosfera que entregamos no show, e o figurino, sem dúvida nenhuma, é um fator que pode contribuir para isso, então por que, não? A história por trás dele vai ficar mais clara no segundo álbum, que estamos compondo.
Recife Metal Law – Voltando a falar sobre o álbum “Life”, ele está disponível para download grátis no próprio site da banda. Muitos reclamam que o público ao invés de apoiar as bandas, preferem baixar seus discos totalmente de graça. Então, o que os motivou a disponibilizar para download o primeiro CD do Kataphero?
David – A gente diverge respeitosamente desse pensamento de que o público deve ter uma obrigação de apoiar uma banda. A gente acredita que ninguém deve ser obrigado a apoiar ninguém. Se existe alguém que tem alguma obrigação na relação público/banda, é a banda, nunca o público. Além disso, temos a certeza que o modelo de remuneração a partir da venda de CDs está falido e enterrado há muito tempo, e é perda de tempo nadar contra essa maré. O que a gente pensa é que temos que ser bons o suficiente, para ser relevantes o suficiente para as pessoas nos quererem o suficiente, porque, já que elas não compram mais música (e, em minha opinião, porque deveriam, se a música inevitavelmente está de graça, por aí?) vamos ter que vender outras coisas. E essas coisas não são compradas por obrigação. Temos que despertar o desejo das pessoas, e não apelar para irem contra uma evolução natural do mundo para nos apoiarem.
Recife Metal Law – Quais são os próximos passos do Kataphero? A banda já está trabalhando em novas músicas?
David – Estamos trabalhando freneticamente no novo álbum, que já está com metade das músicas gravadas em fase de Demo e pré-produção, faltando arranjos e ambientações. Na verdade eu falei álbum, mas vai ser muito mais que isso. É um projeto complexo. Quando a gente tiver certeza que vai conseguir realizá-lo como idealizamos, daremos mais detalhes. O que eu posso dizer é que ele já está fazendo o “Life” parecer brincadeirinha de criança.
Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação