A banda gaúcha Carniça, após um hiato de alguns anos, voltou à ativa com o ótimo “Temple’s Fall... Time to Reborn”, um álbum que mostrou todo o poderio da banda. A aceitação foi tão boa que não demorou para que a banda lançasse o seu sucessor: “Nations of Few” (lançado em dezembro de 2012), um álbum ainda mais maduro, mas que não deixa de lado a pegada forte da Carniça, que tem sua sonoridade calcada no Thrash Metal, mas, definitivamente, não se apegando apenas a esse estilo. Nesta nova entrevista cedida ao Recife Metal Law o trio, que é formado por Marlo Lustosa (bateria), Parahim Neto (guitarra) e Mauriano Lustosa (vocal/baixo), fala mais sobre o novo álbum, mas sem deixar de lado outros tópicos. Confira!
Recife Metal Law – Dessa vez a banda não demorou doze anos para lançar um novo álbum. Mas antes de começarmos a falar sobre o novo disco, gostaria de saber se as metas traçadas para “Temple’s Fall... Time to Reborn” foram devidamente alcançadas?
O “Temple's Fall... Time to Reborn” superou nossas expectativas. O álbum foi muito bem recebido, inclusive sendo indicado como melhor álbum de 2011 por diversos sites e mídias especializadas. Chegamos ao prêmio Dynamite 2011 de melhor álbum juntamente com feras como Sepultura e Krisiun. Daí vimos o nível alcançado pelo ‘trampo’. Fora este aspecto, “Temple’s Fall... Time to Reborn” nos proporcionou ampliarmos nosso trabalho e nos apresentarmos em locais diferentes, como Argentina, por exemplo.
Recife Metal Law – O novo álbum, “Nations of Few”, mesmo não tendo muitos anos de lançamento para o álbum anterior, mostra um Carniça mais amadurecido, mais evoluído, musicalmente, crescendo dentro do próprio estilo. Como vocês analisam toda essa evolução em tão pouco tempo?
Bem, a diferença entre o lançamento dos dois álbuns foi algo em torno de um ano e alguns poucos meses. Creio que a evolução está mais na produção, visto que o disco foi elaborado num período longo e com muitas, mas muitas horas de estúdio, tanto na gravação, quanto na produção e mixagem. Quanto ao nosso nível musical, achamos que ele, na sua essência, continua o mesmo, porém com uma métrica das músicas mais elaborada, o que configura certo amadurecimento, natural quando um projeto envelhece e se torna consistente.
Recife Metal Law – A gravação desse novo álbum o deixou muito pesado e denso, e mesmo a banda ainda soando Thrash Metal, algumas levadas se aproximam bastante do Death Metal, algo já ouvido logo no início, com “The Protester”. Era assim que vocês queriam que o som do Carniça soasse?
Costumamos dizer que somos uma banda de Heavy Metal. O Thrash, o Death e outras “subdivisões” fazem parte da nossa trajetória, das influências de cada integrante, da nossa individualidade como ouvintes de Metal Pesado. Sendo assim, tentamos incorporar através de uma identidade própria esses conceitos, sempre passando musicalmente o que as letras estão discorrendo. O que podemos dizer é que a cada álbum que passa o som tende a ser mais pesado, rápido e sujo, mas sem perder nossa essência, que é o Heavy Metal!
Recife Metal Law – Achei que a temática lírica desse novo álbum veio mais politizada, com temas que abordam corrupção, política, mentiras. De alguma forma, essa temática pareceu seguir um conceito. Seria a temática desse álbum, de alguma forma, conceitual?
Sim, a ideia foi essa! Achamos muito proveitoso “conceitualizar” temas. Assim uma música acaba sendo princípio e fim de outra. Abordamos a política e sua devasta trajetória na vida de todo a humanidade, fazendo um mix de toda esta desgraceira que vivemos. Por trás de tudo sempre há um conceito, que fica mais ou menos evidente conforme o agrupamento das ideias concentradas num álbum. Fizemos isso com “Temple’s Fall... Time to Reborn” e novamente com “Nations of Few”.
Recife Metal Law – As letras vieram devidamente traduzidas para o português. Bem escritas, e ainda traduzidas para o nosso idioma. Vocês fizeram isso visando, também, atingir outro tipo de público?
Não a princípio. Queríamos, sim, é que todos, independentemente da proficiência do indivíduo em inglês, entendesse até onde gostaríamos de chegar com nossas músicas. Como o disco se chama “Nações de Poucos”, gostaríamos que muitos nos entendessem. Além disso, num tema que é tão presente no Brasil, as letras em português reforçam o tom de manifesto nacionalmente do álbum.
Recife Metal Law – A arte da capa retrata bem o seu título. Com essa imagem da capa a Carniça queria tão somente ilustrar o título de seu novo álbum?
A capa ilustra todo o sentimento e a real falência do sistema político mundial. Conchavos, interesses de poucos e verdadeiras orgias com os recursos das nações. A política preocupa-se exclusivamente com os políticos e seus anseios, retirando raras exceções. O que ilustramos na capa de “Nations of Few” é que corrupção é algo que vem de muito tempo, realidade em diferentes países, independente de seu status.
Recife Metal Law – Mais uma vez a banda apresentou um álbum com sete músicas, sendo a última um cover e após esse cover uma faixa instrumental, escondida. Os outros dois álbuns também foram apresentados dessa forma, ou seja, não é mais coincidência que os álbuns do Carniça contenham sete faixas, um cover e uma faixa instrumental escondida. Eu acho que existe algo por trás disso tudo, e que não é apenas simbologia ou numerologia...
(Risos) Então encontrou a “hide track”, muito bom, funcionou! Bem, achamos que um disco tem de ser um tiro certo, algo que agrade e que não seja enjoativo. Sete faixas, sendo uma delas uma homenagem às lendas do Heavy Metal que nos influenciaram, nos agrada e muito. Um play deve ser rápido, rasteiro e objetivo. Como muitas coisas na vida. Se for numerologia, não sabemos, apenas que se tornou uma bandeira para que consigamos ter mais qualidade do que quantidade no que fazemos.
Recife Metal Law – Sobre o cover, se trata de “I Wanna be Somebody” do W.A.S.P.. Os álbuns anteriores trouxeram covers do Venom e Slayer, respectivamente, e dessa vez a banda trouxe algo, digamos, menos extremo. Por qual razão?
Ah, pelo simples fato de sermos uma banda de Heavy Metal e o Heavy Metal ser nossa raiz mestra. Curtimos desde o Hard Rock “farofa” até o Metal extremo e homenageamos a todos, sem radicalismos. Além disso, “I Wanna Be Somebody” é a canção perfeita para um álbum que fala da dificuldade que a corrupção e a miséria decorrente dela impõem para alguém que quer seus direitos e ser alguém na vida.
Recife Metal Law – O guitarrista Claudio David, do Overdose, fez uma participação em “Prayers Before the Death”. Quando surgiu a ideia de convidar o Claudio a fazer uma participação no álbum e por que justamente essa música foi a escolhida para a sua participação?
Tudo começou com as benesses da tecnologia “internética”. (risos) Nosso batera, Marlo, entrou em contato com ele pelo Facebook e o “namoro” começou. Acho que no começo ele (Claudio David), achou que seria uma má ideia, pois não conhecia a banda bem e tinha medo de queimar seu filme. Mas quando passamos a ele o “esqueleto” da música, ele pirou e aceitou o convite. O Claudio, além de ser um músico virtuosíssimo, é um INIGUALÁVEL ser humano. Uma pessoa genial! Escolhemos esta faixa especificamente porque um duelo entre Claudio e nosso guitarrista Parahim, na opinião do produtor (Mauriano), ficaria como um duelo a la Jeff Henneman e Kerry King das antigas.
Recife Metal Law – Outra participação que chamou a atenção foi a do ex-baixista da banda, Márcio Weeck, fazendo backing vocals em “I Wanna be Somebody”. Márcio ainda acompanha a trajetória de sua ex-banda?
Foi uma maneira justa de homenagear ex-integrantes da banda. Além do Márcio, Alexandre e Ariel também tiveram passagens pelo Carniça, e todos eles, de certa forma, ainda acompanham nossa trajetória de 22 anos. Também foi um convite óbvio no momento em que decidimos ter um backing supercomposto no refrão deste clássico do W.A.S.P..
Recife Metal Law – Como a banda abordou temas políticos e corrupção nas letras de seu novo álbum, o que vocês acham de temas como redução da maioridade penal e dinheiro público sendo gasto com estádios para a Copa do Mundo?
Tudo muito complexo. A redução da maioridade penal, se for feita para os 16 anos, não vai funcionar. Temos criminosos de 8, 10 anos já! O crime organizado vai deixar de utilizar seus soldados de 16 e 17 e treinar melhor os seus de 7, 8, 10 anos. O que tem de mudar é efetivar as leis existentes, fazer a coisa funcionar realmente. Hoje, bandido ri da lei e da polícia. Grana pública? Piada! A galera que vota e elege toda essa corja gosta de ver obras faraônicas, pois é educada para se impressionar com este tipo de “artefato”. Assim, basta construir um estádio de futebol novo e estará tudo maravilhosamente bem. Então, dê-lhe gastança nestes projetos. Ninguém reclama da falta de estrutura na saúde e educação, absolutamente ninguém! Quantas vezes vemos a população protestando, enchendo as ruas, clamando por educação e saúde, por exemplo? (NDE.: entrevista realizada antes dos protestos em massa por todo o Brasil) A região Nordeste passa por uma seca fudida há décadas e quantos bilhões já foram gastos na transposição do São Francisco? Adiantou? Está funcionando? Pra citar apenas algumas situações públicas patéticas da nossa realidade, infelizmente.
Recife Metal Law – Na entrevista que fiz anteriormente com o Carniça, vocês comentaram acerca do lançamento de um DVD. Como anda esse projeto?
O projeto está indo, mas devagar, pois nossa intenção, como dissemos, é entregar mais qualidade do que quantidade. Estamos trabalhando com parcimônia nele e, se falarmos alguma data, estaremos mentindo. Mas estamos trabalhando neste projeto agora mesmo!
Recife Metal Law – Como vem sendo os shows de suporte desse novo álbum? Algum local em especial que a banda queira tocar?
Acabamos de voltar de uma minitour pela Argentina. Foi mágico, realmente muito bom! Queremos muito tocar no Nordeste, mas, para isso, falta uma maior integração entre a galera na cena nacional, ao que parece. Portanto, se você quer ver o Carniça ao vivo por aí, entre em contato! Gostaríamos muito de agradecer ao espaço do Recife Metal Law pela entrevista. Realmente vocês escutaram o álbum, curtiram a parte gráfica e fizeram perguntas inteligentes e condizentes ao nosso trabalho. É bom ver quando isso acontece, pois é certeza de que a cena tem força inteligente pra amadurecê-la e fazê-la crescer. MUITO OBRIGADO PELO APOIO!
Entrevista por Valterlir Mendes
Fotos: Divulgação, Abstratti Produtora e Aline Jechow