Quando se falar em Death Metal oriundo da Bahia logo quem conhece bandas daquele Estado sabe que estamos falando de algo de qualidade. A banda Escarnium não foge a esta regra, mas também não se prende a ela, como o próprio guitarrista Victor Elian menciona na entrevista a seguir. A Escarnium é uma banda relativamente nova, porém bem ativa, já tendo lançado diversos materiais no meio Underground, assim como tendo feito duas turnês na Europa, algo que também fica bem esclarecido nessa entrevista. Não houve meias palavras e na entrevista a seguir Victor fala, sem meias palavras, sobre tudo o que permeia a banda e a luta que é se trabalhar de forma independente no meio Underground. Recife Metal Law – A Escarnium surgiu em 2008 e desde a sua formação vem se mostrando bastante produtiva, fazendo lançamentos anos após anos. Antes de seu primeiro álbum, a banda lançou uma Demo, um EP e um split (este ao lado da conterrânea Inside Hatred). Qual a análise que vocês fazem desses lançamentos para o legado do Escarnium?
Victor Elian – Antes de tudo, Gostaria de agradecer pela entrevista. É muito gratificante para nós da Escarnium podermos contribuir para o Recife Metal Law. Espero que os leitores gostem da entrevista. Sim, de fato, desde o início da banda, o Escarnium nunca parou, e pelo que tenho visto não irá parar. Gostamos do que fazemos e sempre estamos compondo novas músicas, procurando novas parcerias e ampliando nossos contatos por todo o Underground. Não é algo que fazemos por obrigação de gravadoras ou coisas do tipo, até porque somos uma banda bastante independente e com bastante liberdade com os parceiros que trabalhamos. O fato de terem sido lançados vários materiais praticamente ano após ano é somente uma coincidência. Pode ser que os intervalos de um lançamento e outro aumentem ou diminuam, mas sempre estamos trabalhando em algo. Também conta o fato de que algumas vezes o mesmo material é lançado em outros formatos ou outros países. Então é comum que tenha essa aparência de que sempre estamos lançando algo novo. Mas algumas vezes se trata do mesmo material, apenas sendo relançado. Todos os materiais têm sua importância, cada um com seu devido valor para um determinado momento. A Demo foi um importante ponto de partida; O EP foi uma chave para nossa primeira tour no Velho Mundo; o álbum uma concretização desse primeiro momento que nos trouxe nosso primeiro lançamento em vinil e, finalizando, com nossa segunda tour na Europa no ano de 2013. Foram duas turnês divulgando esse mesmo trabalho.
Recife Metal Law – Notei que a cada lançamento que a banda fez, houve alterações em sua formação, principalmente no baixo. Qual a razão para essa oscilação no ‘line up’?
Victor – Na real já tiveram várias mudanças, não é algo em particular com baixistas... Só tivemos uma alteração no baixo. Antes meu grande amigo e irmão Gabriel Dantas era o baixista e devido ao ritmo que a coisa foi tomando (turnês, gravações) não foi possível que ele nos acompanhasse. De qualquer forma a Escarnium é eternamente grata a cada um desses membros que passaram na formação. Todos eles tiveram sua importância e deixaram um legado positivo, seja em composições, discussões ou farras. É possível se lembrar de cada um e ter algo interessante para contar!
Recife Metal Law – O Escarnium é oriundo da Bahia, Estado bem conhecido por apresentar bandas de alta qualidade, ainda mais se tratando de estilos mais extremos, como o Death e o Black Metal, principalmente o Death Metal. Isso, de certa forma, facilita na hora de apresentar a banda para o público de fora de seu Estado?
Victor – De fato a Bahia é um celeiro de bandas. Todo momento surge algo interessante por aqui, além de várias bandas clássicas que aqui residem. Pena que não é uma cena unida. Poderia ser muito mais do que é. Mas não quero entrar nessa questão. Aprendemos que cada um segue o seu caminho e daí as consequências acontecem. Sejam de unir mais ou afastar mais. Não olhamos para o lado, apenas para nosso caminho cheio de percalços. Nossa cena seria mais forte se cada um olhasse mais para si do que para a vida alheia. Nós não nos preocupamos com esse tipo de coisa: “olha somos brasileiros, somos baianos, sul-americanos”. Isso pra mim é uma besteira enorme e só alimenta determinadas fronteiras e bairrismos que, a meu ver, não agregam nada. O que fazemos para apresentar nossa banda é o que sabemos. Tocar Death Metal com muita energia e sentimento, sempre! Não tenho orgulho de coisas na qual eu não pude optar. Nascemos onde nascemos e morremos onde morremos e só. Nada mais. Não carregamos a bandeira da Bahia nos shows, nem a bandeira do Nordeste e muito menos a bandeira brasileira. A Bahia, o Nordeste, o Brasil, não fazem nada por nós e pelo seu povo! Pelo contrário! Cada vez mais estamos afundando em um sistema corrupto, hipócrita e filho da puta! Que só fode conosco! Algo que influência negativamente em nossas vidas e, obviamente, acaba afetando diretamente a banda e, consequentemente, afeta o nosso cenário. Eu acredito que o Metal, principalmente o Underground, não necessita de fronteiras. Elas não ajudam em nada!
Recife Metal Law – “Excruciating Existente” é o primeiro full lenght da banda, e traz oito músicas inéditas, mais uma bônus. Essa bônus, “Covered in Decadence”, fez parte de todos os outros lançamento anteriores. Qual seria a razão para essa faixa estar presente em todos os materiais lançados?
Victor – “Covered in Decadence” estava na Demo, e a Demo está inserida no EP. E no disco é apenas uma regravação com outra afinação e linha de vocal mais atual, apenas isso. E é uma música que sempre recebeu ótimos comentários, sempre é umas das melhores para ser tocadas ao vivo e abriu muitas portas para nós. Acho que no próximo lançamento de inéditas elas não estará. (risos) Talvez algum outro som da Demo pode ser regravado.
Recife Metal Law – Esse ‘debut’ álbum traz uma parte lírica conceitual. Obviamente, esse foi um dos motivos para que o álbum contasse apenas com músicas inéditas, com exceção do bônus. Mas a temática lírica abordada pela banda desde o início não faria com que músicas antigas fossem aproveitadas para esse disco?
Victor – Na verdade o disco não é só composto por inéditas. Ele também tem duas faixas do EP regravadas, uma da Demo e um bônus (também da Demo), ou seja, utilizamos músicas antigas sim. As nossas letras, de modo geral, sempre podem ser relacionadas umas com as outras se olhar de maneira geral... Até porque temos uma identidade particular em relação a isso.
Recife Metal Law – Em se tratando de um álbum conceitual, que trata da fragilidade e decadência humana, como foi trabalhada a parte instrumental para que esta se encaixasse em cada letra e para que cada música fosse interligada?
Victor – Como eu disse na resposta anterior, sempre é possível relacionar, de alguma maneira, as nossas letras e por isso ficou sendo um álbum “conceitual”, podemos dizer assim. Mas no geral apenas quis mostrar isso, essa conexão entre os temas, ao dizer que é um álbum conceitual, pois tudo que falamos em nossas letras estão interligados de maneira direta ou indireta. Sempre construímos primeiro os riffs e daí, de acordo com o sentimento que a música me passa, faço as letras em cima.
Recife Metal Law – Ainda sobre a temática lírica, a música “Death Metal Terror”, pelo seu título, leva a acreditar que ela foge da parte conceitual do álbum, porém sua letra condiz perfeitamente com o que é totalmente abordado em “Excruciating Existence”. Como foi trabalhar nessa música, já que ela segue a parte conceitual, mas, de certa forma, homenageia o estilo praticado pela banda?
Victor – Trabalhar nela foi como trabalhar nas outras, mas o que acho de interessante nela é exatamente o que você falou. Ela descreve exatamente o que a banda Escarnium representa. Esta música transmite o que pensamos e transmite as nossas influências, além de retratar bastante nossa identidade. Nunca conseguimos rotular o que a Escarnium é. Tem gente que fala que é brutal, muitos falam ‘old school’, outros falam das passagens mais lentas e com mais atmosferas mórbidas. E essa mescla define bem o nosso som. Gostamos disso e decidimos chamar de “Death Metal Terror”! Não estamos tentando criar uma nova modalidade dentro do Death Metal, apenas é uma forma de abranger tudo o que tocamos e ao mesmo tempo expelir essa necessidade de rotular tudo!
Recife Metal Law – A produção sonora do álbum foi feita no Studio 60, na cidade natal da banda. Devo mencionar que a produção ficou impecável e acrescentou ainda mais peso à sonoridade da banda. Essa parte de produção sonora foi fácil de ser trabalhada? O que vocês acharam do resultado final?
Victor – Esse álbum deu muito trabalho, pois não tivemos o tempo necessário para trabalhar nele, e o resultado final não nos agradou. A primeira versão lançada do álbum saiu na Europa e não gostamos nada do resultado, o que nos levou a remixar o álbum com Jera Cravo, o mesmo que mixou nosso EP. E então conseguimos melhorar bastante a sonoridade do álbum. Não sei qual a versão que você tem, mas a versão nacional está melhor do que a versão ‘gringa’ (NDE.: tenho a versão nacional). Mas de qualquer forma obrigado pelos elogios citados ao álbum!
Recife Metal Law – Em muitos momentos percebi que as linhas de baixo e bateria ganharam uma atenção especial. Destacar tais instrumentos serviu para que o álbum ganhasse mais peso, além do que fora feito em toda a produção sonora?
Victor – A nossa afinação contribui bastante para o peso de tudo. Eu, antes de ser guitarra e vocal, era baixista, e sou fascinado por bateria, apesar de não tocar porra nenhuma! Então gosto de alimentar nas composições trechos em destaque para o baixo. E na bateria acredito que temos um bom baterista, com capacidade de executar coisas interessantes. Talvez seja por isso o destaque.
Recife Metal Law – Com relação à parte gráfica, ela vem numa tonalidade preta/acinzentada. Trabalhar com esses tons era o que esse álbum conceitual pedia?
Victor – É o que o Escarnium pede! (risos) Não só nesse disco, mas tudo que fazemos acredito que o preto, o cinza e branco, cai perfeitamente bem. Acho que é algo que complementa o nosso som, acrescenta uma identidade visual ao nosso som. Você poderá perceber que cada vez mais usamos estas cores e no nosso clipe, “Salvation Trough Zyklon B”, também usamos essa tonalidade escurecida.
Recife Metal Law – A Escarnium, recentemente, fez uma turnê pelo Velho Mundo. Muitas bandas brasileiras vêm fazendo isso atualmente. Mas para a Escarnium, como foi poder fazer esse giro? Quais os percalços e conquistas adquiridos no período que você estiveram na Europa?
Victor – Fizemos uma tour na Europa em 2012, que foi bastante produtiva, e resultou na segunda tour em 2013. Em 2014 estamos preparando para um giro nacional e, em 2015, voltaremos a Europa mais uma vez. Para nós foi do caralho, até porque acredito que o Escarnium tenha mais contatos e reconhecimento lá fora do que aqui. Contamos com o apoio de vários contatos que temos, selos que nos lançaram, bandas que nos apoiam e da agência de booking Roadmaster. E, óbvio, um apoio fudido da cena Underground Death Metal europeia. Hoje em dia muitos dizem que é fácil ir para a Europa, que qualquer um vai, mas uma tour na Europa pode ser muito cruel se você não tiver nenhum selo lançando e divulgando sua banda por lá. Tenho visto várias bandas que vão para a Europa pensando que vão realizar sonhos, tocar para mil pessoas todos os dias, e não é bem por aí. Bandas que gastam rios de dinheiro e ao voltar para o Brasil ficam descrentes com o que acontece por lá. Felizmente não é nosso caso. Cada tour que fizemos incentiva ainda mais para que voltemos lá. Para mim tocar em um bar, em uma segunda-feira, para 60 loucos embriagados, é do caralho! Gostamos disso! Tocamos em festivais como tocamos em botecos sem palco e ambos foram do caralho! A estrada é cansativa e fazer uma tour por si só já é um percalço. Conseguir manter a banda unida durante trinta dias é foda! São muitas noites sem dormir, show atrás de show, montar e desmontar ‘backline’ TODOS os dias, viajar 12 horas, tocar e partir para a próxima cidade com quatro, cinco dias sem poder tomar banho... É assim que é. Aí depende de cada um. Tem gente que se diverte com isso. Tem gente que descobre que odeia. Eu sei que gostamos disso, gostamos de tocar ao vivo... Gostamos de interagir com outras bandas, outros cenários, vivenciar outras culturas. Isso para mim é estar no Underground, e não ficar atrás do PC fazendo boicotes estúpidos, como anda rolando o tempo todo. Outro dia vi gente dizendo que pagamos para tocar. Não temos vergonha nenhuma de termos pagado as nossas passagens. Isso não quer dizer que tocamos de graça. Vendemos camisas, CDs, vinis e, o mais importante, fizemos mais e mais amizades. Ajuda também o fato de eu viver na estrada aqui no Brasil, não é mesmo Valterlir? (risos) Nos conhecemos em Recife, depois te vi em Campina Grande, não é isso? (NDE.: exatamente!) Prefiro estar na estrada, no meio de caminhões, do que viver a loucura e o dia-a-dia das cidades... Aos que ficam menosprezando as bandas que encaram turnês de frente: um grande foda-se! Banda = estrada. Se você não tem disposição para isso, não o faça, mas não critiquem quem o faz!
Recife Metal Law – Tenho conhecimento que a banda já se prepara para gravar um novo álbum. Tendo em vista o que ouvimos no ‘debut’, o que esperar do novo disco?
Victor – Estamos preparando um EP, e lançaremos algo novo em 2014. Acredito que você pode esperar o mesmo que já viu/ouviu. (risos) Não creio que muita coisa irá mudar, somente o fato que iremos ficar mais atentos com a produção do disco. Muito obrigado pela entrevista meu velho! Forte abraço e nos vemos por aí.