Hellish War e Heavy Metal são praticamente sinônimos. Essa banda trilha o caminho do tradicional Heavy Metal há quase vinte anos, tendo começado num período em que o estilo estava praticamente parado (ele nunca estará morto!). Como é de se esperar, algumas mudanças em sua formação ocorreram, porém isso nunca fez com que o seu fundador, o guitarrista Vulcano baixasse sua guarda. A maior prova disso é o excelente “Keep It Hellish”, lançado no ano passado, disco que vem ganhando ótimas críticas, algo que não poderia ser diferente, tendo em vista a sua grandiosa qualidade. Atualmente Vulcano é acompanhado de JR (baixo), Bil Martins (vocal), Daniel Person (bateria) e Daniel Job (guitarra, teclados). Acompanhem a esclarecedora entrevista a seguir e “Keep It Hellish”! Recife Metal Law – No próximo ano o Hellish War completa 20 anos de amor incondicional ao Heavy Metal tradicional. Tendo em vista que a banda surgiu numa época onde o estilo estava totalmente em baixa, como foi toda a sua luta para se manter firme e não se render aos modismos que vieram e foram embora?
Vulcano – O Hellish War surgiu justamente para combater a baixa do Metal na época. Eu acreditei piamente que o público do Metal sempre iria existir e dar a força que eu precisava para estar até hoje fazendo Heavy Metal tradicional.
Recife Metal Law – Da formação original, apenas o guitarrista Vulcano permanece na banda. Inclusive foi apenas Vulcano o responsável pelas guitarras na primeira Demo. O que você aprendeu com todas as mudanças na formação da banda?
Vulcano – O aprendizado vem das dificuldades em compor um bom som e depois gravar com uma boa produção. Depois de tantos anos, além de músico, aprendi a também ser produtor de gravação e hoje procuro ajudar outras bandas que enfrentam as mesmas dificuldades que o Hellish War passou no início de carreira.
Recife Metal Law – Sobre a primeira Demo, “The Sign” (1996), ela foi lançada ainda no formato K-7, e deve ser um material bem raro de se encontrar atualmente. Você se lembra de como foi à receptividade a Demo na época?
Vulcano – Essa Demo foi uma boa ferramenta para nossa aparição no cenário. Obtivemos excelentes resenhas nas principais revistas da época, como a Rock Brigade e na revista Valhalla. Pessoas do país inteiro nos mandavam cartas querendo saber se éramos reais mesmo. Foi uma surpresa, e bem estimulante, para que a banda continuasse a luta no Heavy Metal.
Recife Metal Law – O primeiro álbum da banda foi o elogiado “Defender of Metal”, lançado há mais de uma década. Esse disco ganhou, inclusive, grande respaldo na Europa. Com esse álbum vocês abriram de vez a Europa e o nome do Hellish War ficou verdadeiramente forte por lá?
JR – O “Defender of Metal” foi o primeiro álbum da banda, e foi a porta de entrada para muitos lugares, tanto dentro quanto fora do Brasil. Talvez sua fórmula de simplicidade e mixagem crua tenha sido o segredo. É um álbum honesto, como todos os outros que fizemos. Mas este ainda é especial e muitas pessoas ainda procuram por ele. Infelizmente está esgotado no formato simples original, mas conseguimos relançar ele na Europa em 2009, em formato duplo, junto com o segundo disco, “Heroes of Tomorrow”. O público europeu ama o “Defender of Metal”. Tanto que quando fizemos nossa primeira tour por lá, já tínhamos lançado o “Heroes of Tomorrouw” há mais de um ano, mas o pessoal conhecia muito mais o “Defender of Metal”. Foi este álbum que nos levou para lá, mesmo tendo sido lançado há mais de sete anos. Até fizemos um ‘set’ especial em um dos shows por lá, onde tocamos somente músicas do “Defender of Metal”.
Recife Metal Law – Um dos maiores mercados para o Hellish War, na Europa, é a Alemanha. Foi por isso que vocês decidiram gravar o ao vivo “Live in Germany” naquele país?
JR – Sem dúvida alguma. Na verdade foi um momento oportuno. Nós iríamos fazer dois shows no mesmo festival, que calhou de ser na Alemanha. Vimos a possibilidade de gravar o show e rolou. Por serem duas noites, teríamos a chance de alternar o repertório e até de escolher entre as melhores versões. Foi excelente no final. Chegamos também a gravar um dos shows na Suíça, no festival Back To Rock, mas infelizmente tivemos um problema com o áudio e não conseguimos recuperá-lo.
Recife Metal Law – Devo dizer que me sinto um pouco envergonhado por não ter toda a discografia do Hellish War. Mas “Keep it Hellish” foi um grande começo para mim. Esse álbum é simplesmente espetacular! Como vocês analisam esse novo lançamento para a carreira da banda?
JR – Valterlir, então você já começou de forma excelente (risos). Não temos uma discografia extensa ainda. São apenas três álbuns de estúdio, contando o “Keep It Hellish”, mais o “Live In Germany”. Porém este é o álbum mais completo que já fizemos. Temos um orgulho gigantesco deste trabalho, este é o filho perfeito. Com esse álbum, conquistamos um patamar de respeito muito grande. Teve uma resenha europeia ou americana, não me recordo, que foi interessante... Nela o crítico disse que não podemos mais ser considerados como uma banda que faz um som baseado em outras bandas, mas sim uma banda com suas próprias características e com sua própria identidade musical. Temos um álbum excelente em mãos. Não digo que é perfeito ou a salvação da lavoura, mas é um álbum honesto, feito de metalhead para metalhead e muito melhor do que muita coisa que tem sido lançada ultimamente, inclusive por bandas do alto escalão.
Recife Metal Law – Todas as músicas do novo disco são carregadas de forte feeling, melodias apuradas, ‘punch’ em cada um dos riffs ou bases e um vocal simplesmente perfeito para a sonoridade do Hellish War. Seria “Keep it Hellish” a descrição perfeita do Heavy Metal feito pelo Hellish War?
JR – Sim! Não há o que acrescentar. É um disco completo, como disse anteriormente. Ele reflete o momento em que estamos. Todos nós estamos ficando mais velhos e com isso vem sabedoria e maturidade. Sendo assim, a reflexão disso na música é evidente. Tanto nas melodias como nas letras.
Recife Metal Law – Para o lançamento desse álbum diversos problemas ocorreram e um deles foi à escolha de um novo vocalista. Mas, no fim, após tantos perrengues, Bil Martins foi uma escolha mais que acertada para o posto. Parece que ele é vocalista da banda há anos! Entre as músicas presentes no álbum, apenas “The Quest” tem a participação de Bill na composição. Mas ele chegou a opinar nas demais músicas?
JR – Internamente, também sentimos isso. Tivemos um ‘click’ quando conhecemos o Bil, e a partir do primeiro dia, foi como se já rolasse há anos. Agora, só uma correção, a música que o Bil é creditado é a “Phantom Ship”, onde ele contribuiu com parte da letra e da melodia vocal, menos o refrão. Porém ele incorporou vários detalhes nas músicas, onde acrescentou sua própria personalidade.
Recife Metal Law – Antes de Bill veio à vocalista Thalita e, na época que a mesma foi anunciada, a banda se mostrou bastante satisfeita com a escolha para os vocais. Por qual razão Thalita não continuou na banda?
JR – Porque com o tempo percebemos que isso foi um erro. Não por ela ser mulher ou ter uma voz diferente. Mas foi pesado para ela. Era sua primeira banda, e ela já chegou com a missão de superar as expectativas e de gravar um novo álbum. No final das contas, não teria sido justo com ela e nem mesmo conosco. Então decidimos por não continuar, foi um período de experiência e na época tínhamos a convicção de que seria ela. Tivemos muita coragem na escolha, pois parecia ser o certo. Seguimos nossa intuição e ponto final. Muita gente não gostou e criticou. Mas a vida é assim.
Recife Metal Law – Outro problema ocorrido foi com o guitarrista/fundador Vulcano, que se envolveu num grave acidente automobilístico. Como foi todo o processo de recuperação e como foi para Vulcano ficar afastado – em alguns shows – da banda que criou?
JR – Esse foi um período difícil, cara. Lembro até hoje quando o Daniel Person (baterista) me ligou para dar a notícia. Tínhamos um show neste dia, e achei que ele tinha ligado para acertar algum detalhe ou algo do tipo. Daí ele me fala do acidente e tudo mais. Ficamos muito preocupados com a situação e tivemos medo dele ir nessa. Mas esse aí é um sobrevivente nato (risos). O Vulcano é uma pessoa muito forte, tanto física quanto espiritualmente, e isso também o ajudou. Estamos juntos há mais de uma década e somos realmente amigos, todos nós. Então ficamos ao lado dele e o ajudamos em sua recuperação, que foi rápida devido à gravidade do acidente. Ele realmente poderia ter morrido. Após três meses ele voltou aos palcos. Foi difícil ficar afastado, mas era preciso, e ele aceitou isso e tocou sua vida para frente.
Recife Metal Law – Sinceramente, apontar apenas uma faixa num álbum que tem dez músicas excelentes, é missão impossível. Não há como não se emocionar em temas como “Keep it Hellish”, “Reflects on the Blade”, “Masters of Wreckage”, a instrumental “Battle at Sea”... Fazer um álbum que transmitisse forte emoção foi o principal objetivo da banda para esse lançamento?
JR – Cara, quando se escreve um álbum você não pensa em nada (risos). Simplesmente fomos escrevendo e no final do dia avaliamos o material e tentamos sentir o feeling do que está vindo dali. Nosso objetivo é sempre ser honestos, não fazer nada forçado e não fazer nada para outras pessoas. Fazemos para nós e se isso agradar outras pessoas, melhor ainda (risos). Temos o comprometimento com nossa música, não faremos nada que não gostarmos.
Recife Metal Law – A temática lírica da banda permanece intacta, falando em batalhas épicas, conquistas, honra, mas sempre mostrando um lado não ficcional nas letras. Existe uma preocupação de se mostrar um lado mais pessoal nas letras, falando de algo que acontece com os integrantes da banda?
JR – Creio que parte das “batalhas” já tenha ficado para trás. Agora com o “Keep It Hellish” trazemos mais diversidade nos temas. Quando se escreve uma letra, a preocupação é a mesma que com a melodia. Todos nós temos sentimentos e preocupações, e o que escrevemos acaba refletindo nossa personalidade. Não há uma mensura de o que deve ou não ser dito, todos temos demônios interiores, algo com que brigar, algo a honrar. Escrevemos nossos sentimentos. Eu gosto de acompanhar a letra de uma música e me sentir conectado. Acho que se houver uma preocupação, é de que quando alguém pegue uma letra do Hellish War e a acompanhe com a música; a de que o ouvinte se sinta conectado conosco. Letra é inspiração. E se isto inspirar outras pessoas, então é perfeito.
Recife Metal Law – No Brasil o novo álbum foi lançado pela Voice Music e na Europa pela Pure Steel Records. Como está sendo o trabalho de divulgação feito pelos selos. Está satisfazendo totalmente a banda?
JR – Essa tem sido uma questão complicada. Acho que este álbum ficou maior do que a maioria dos trabalhos lançados por estas gravadoras, não digo que estão fazendo um mau trabalho, pelo contrário. O álbum está rodando o mundo. Mas achamos que este disco é muito forte, um trabalho de puro Heavy Metal. Algo que não é feito mais hoje em dia, com este comprometimento e qualidade. Sendo assim, a atenção que está sendo dada ao álbum não nos agrada. Para um próximo passo, precisamos de uma gravadora e um suporte maior.
Recife Metal Law – O Hellish War já fez duas turnês na Europa, mas quando chegará a hora de fazer uma turnê por todo o Brasil?
JR – Quando promotores e público pararem de olhar para o que vem de fora, e começarem a investir no próprio produto. Não vou falar em apoio, como outras centenas de pessoas falam. O que precisa é investimento, do governo, do promotor e do público. O cara investe do próprio bolso, sem apoio de uma secretaria de cultura, faz uma estrutura descente para as bandas, daí o público não investe comparecendo ao evento. O que acontece? O promotor toma um puta prejuízo e desiste. E esse ciclo é vicioso, está em todos os pontos. Ou o público aparece e a estrutura é uma merda. É complicado cara. Daí vem as bandas ‘gringas’, com uma puta facada de ingresso, e lá tem 50.000 pessoas. Não digo que não devam ir, pois eu também vou a determinados shows. Mas daqui há dez anos, estas bandas não vão estar mais aí. E o público vai procurar o quê? Bandas que sobem no palco principal de um evento no Rio de Janeiro para tocar cover? Daí os baba-ovo vão pagar para ver estas bandas quando tocam em sua cidade, porque tocou num evento de expressão. E pagam um valor de ingresso, às vezes, até alto. Mas acho que precisamos ainda nos fortalecer mais na Europa, daí sim o Brasil olha pra gente e podemos fazer uma tour por aqui. Aconteceu com o Sepultura há mais de 20 anos e, infelizmente, a mentalidade ainda é a mesma. Não estou nos comparando com o Sepultura, mas a mecânica das coisas no Brasil não mudou nada. Quantas outras bandas realmente transcenderam de fato esta barreira? Agradecemos pelo espaço e espero poder tocar no Recife em breve! Keep It Hellish!