Spartacus não é aquele tipo de banda que lança materiais com frequência, tampouco faz shows em grande número. Até mesmo passa por períodos de hibernação, até que aparece com algum lançamento. Isso pode até parecer que a banda não dá muita bola para o que faz, mas se engana quem acha isso. Surgida em 1985, na capital gaúcha, o Spartacus tem apenas dois full lenght lançados, sendo que o mais recente, “Imperium Legis”, foi lançado em 2015. E 11 anos separam esse disco do álbum de estreia, “Libertae”, lançado pela UGK Discos em 2004. Mesmo com tanto tempo entre um disco e outro, a qualidade musical salta aos olhos e permanece com suas raízes fincadas no Heavy Metal, totalmente cantado em português. O fundador e baixista Marco Di Martino nos conta um pouco mais sobre a história da banda, lançamentos, tecnologia, temática lírica, entre outros tópicos, na entrevista a seguir. Recife Metal Law – O primeiro álbum, “Libertae”, foi lançado em 2004, pela UGK Discos, 19 anos depois da formação da banda. Como foi a receptividade, à época, desse primeiro full lenght?
Marco Di Martino – Muito boa! Por quase todos os locais por onde o disco passou, o lançamento chamou a atenção pelo encarte e pela sonoridade, ainda que em algumas vezes um tanto incompreendido pela proposta. No Brasil muita coisa acontece ao contrário e cantar no próprio idioma pode parecer pitoresco... Em nosso site constam vários ‘reviews’. Claro que houve gente ‘graúda’ do meio, no centro do país, que sequer aceitou ouvir o disco por ser cantado em português, mas como não dependemos deles pra continuar fazendo o que fazemos, seguimos nossa escolha. O “Libertae” já estava pronto e só queríamos que nos ajudassem a trabalhar sua distribuição.
Recife Metal Law – O Spartacus parece não ter muita pressa em lançar seus discos, afinal o segundo álbum só foi lançado em 2015, 11 anos após o lançamento do primeiro. Por que intervalos tão grandes entre lançamentos?
Marco – Isso não é voluntário. A banda sempre teve e continua tendo muita dificuldade de articulação. Spartacus foi um trabalho concebido para atingir um determinado nível de qualidade com uma proposta que não prioriza o mercado comercial, não se submetendo a pressões por um determinado tipo de layout, o que afugenta produtores e empresários. Os músicos, visualizando essa restrição de trabalho, também ficam receosos de abraçar a proposta que também não é negociável. Tudo isso diminui o número de pessoas com as quais podemos contar para tocar o trabalho, tanto dentro do palco como fora dele. Quando conseguimos tudo isso, temos ainda que considerar os aspectos particulares de cada integrante e sua disposição de tempo e possibilidade econômica de comprometimento. Sempre que há alguma baixa no ‘line up’ torna-se complexo e demorado fazer a substituição, também porque a banda custeia tudo o que faz sozinha.
Recife Metal Law – Vocês não acham que grandes hiatos de tempo entre lançamentos não atrapalham a divulgação do nome da banda, ainda mais em tempos “tão corridos” por causa dos avanços tecnológicos?
Marco – Sem dúvida, mas isso é o que se consegue fazer. Não dá pra ficarmos lançando por lançar, isso comprometeria nossa qualidade. Precisamos atender as nossas condições, caso contrário o resultado não valerá a pena. Fazemos pouco, mas procuramos fazê-lo com autenticidade, coração e qualidade. Temos que ter em conta também que Spartacus não tem uma carreira profissional. Tem uma carreira artística com qualidade profissional e, às vezes, até superior à profissional quando se percebe que o acabamento dos nossos CDs e da nossa música é superior ao de muita gente que ganha a vida profissionalmente com música autoral. Nós não quisemos arriscar tudo pra viver da música, isso nunca foi a ideia. Quem arrisca tudo, pode perder tudo e para que o Spartacus pudesse prosseguir, tivemos que continuar lutando individualmente para termos estabilidade econômica em nossas vidas, caso contrário teríamos que submeter a proposta artística da banda à preferência do mercado e aí, no nosso caso, não faria sentido continuar.
Recife Metal Law – Falamos em tecnologia, e o Spartacus é um grupo que surgiu em 1985, na capital Gaúcha. Quais as vantagens e desvantagens daquela época, se comparando com os dias atuais?
Marco – Investir em Rock em 1985 era novidade. Bandas gaúchas sendo lançadas em vinil e tocando no rádio também. A plateia era bem mais interessada do que hoje; era mais uniforme em razão do Rock e do Pop não estarem tão fragmentados, e acompanhava a efervescência do momento que trazia os efeitos do primeiro Rock in Rio, por exemplo. Havia notícia de um número bem menor de bandas do que hoje em dia, o que fazia com que fosse mais fácil para uma banda distinguir-se das outras. Por outro lado, veicular as músicas era infinitamente mais difícil. Tínhamos que nos valer de fitas cassete e tentar fazer com que os programas alternativos de rádio (quando existiam) tocassem as fitas, pois não havia CD, formato digital e nem Internet. Os lançamentos eram muito mais difíceis devido aos custos de prensar em vinil e da maldita tiragem mínima que também era exigida. Além disso, quase ninguém sabia gravar Rock. Quem trabalhava na área estava acostumado a gravar o que a indústria da música encomendava, Rock não. Hoje temos tudo isso que eu comentei acima ao contrário.
Recife Metal Law – Da formação original, apenas o baixista Marco Di Martino permanece na banda. Marco ainda mantém contato com os demais membros que já passaram pelo Spartacus? De certa forma, os antigos membros ainda acompanham o trabalho da banda?
Marco – Depende do membro. Alguns até flertam com a banda de novo, fazendo uma coisa ou outra. Temos o exemplo do Robson Serafini que foi guitarrista na época do Aquiles Priester e que gravou o piano no último tema do “Libertae”, nosso primeiro disco, muito tempo depois de ele ter atuado na banda. O baterista Erick Lisboa é outro exemplo que gravou o “Libertae” e nos ajudou em gravações posteriores como técnico e até tocando em uma oportunidade; ou o Márcio Massa que é um guitarrista gaúcho conhecido em Porto Alegre e que tocou conosco nos anos 80 e revisitou a banda de novo em 2008, fazendo shows e até gravando.
Recife Metal Law – O mais novo lançamento é o disco “Imperivm Legis”, que trouxe poucas mudanças com relação ao ‘debut’. Uma delas é a mudança no posto de baterista, já que Erick Lisboa cedeu lugar a Guilherme Oliveira. Qual a razão para a mudança no posto de baterista?
Marco – Foi uma conjunção de fatores, desde o estresse de trabalho em grupo que vínhamos tendo ao longo de anos, como a necessidade deste ou daquele integrante de partir para outros projetos. O Erick tinha uma banda paralela com a namorada e resolveu investir nisso, pois já se previa um tempo de parada na banda com o término do lançamento do CD, que foi extremamente desgastante. O Victor foi de “mala e cuia” viver de novo nos EUA e só voltou dois anos e meio depois, vindo a trabalhar com a banda em 2009 para fazer nosso disco seguinte, “Imperium Legis”.
Recife Metal Law – Com relação à parte instrumental e aos vocais, não houve relevantes mudanças e quem já conhece o Spartacus logo saberá, ao se colocar o disco para rolar e sem olhar o encarte, que é a banda que está tocando. Houve essa preocupação para manter as raízes vivas e não mudar abruptamente o estilo do Spartacus?
Marco – A gente sempre se pautou pela coerência. Spartacus é Spartacus... Como a única alteração na banda havia sido o baterista, não admira que a sonoridade do trabalho desse continuidade àquela que começamos no “Libertae”. E também não se pode esquecer que havia material antigo que não poderia ficar sem ser lançado (aliás, até hoje, ainda há).
Recife Metal Law – Nesse novo álbum a banda lançou mão de teclados e arranjos orquestrais sintetizados em algumas músicas. A banda é tipicamente Heavy Metal, então porque usar de tais arranjos e camas de teclados em algumas músicas?
Marco – O Heavy Metal, Rock, dá a possibilidade de incrementar arranjos. O Black Sabbath, por exemplo, usou e abusou disso nos anos 70. Uma vez que, entre os integrantes que gravaram o “Imperium Legis” havia gente com ‘know-how’ para esse tipo de introdução, resolvemos aproveitar essa potencialidade, mesmo porque as músicas escolhidas para os arranjos eram próprias para esse tipo de inserção.
Recife Metal Law – O próprio encarte informa que “Imperivm Legis” é um disco que contém músicas do passado, mescladas com temas mais recentes. Quais são os temas mais antigos e como eles foram trabalhados para não soarem datados?
Marco – Os temas foram escolhidos dentre aqueles propostos que fizeram história nos anos 80 e 90 e que tiveram a concordância dos músicos. “Sob a Sentença Um Carrasco”, “Prisioneiro do Alvorecer”, “Fruto da Criação” e “Nas Trevas da Insanidade” são os mais antigos dentre os temas do disco. Como a metade dos músicos da formação que gravou é consideravelmente mais nova do que a outra metade, o processo de releitura dessas músicas trouxe um ‘upgrade’ natural. Para outros temas do disco, há inclusive aspectos que praticamente não existiam nos anos 80, como certas batidas de mão direita do guitarrista e certas levadas em bumbo duplo. A ideia sempre foi tocar os temas da maneira como os músicos sentiam que deveriam tocá-los, utilizando-se de seus dotes artísticos e intuitivos, respeitando as diretrizes da banda. A contemporaneidade preservando a caracterização do som do Spartacus sempre foi bem-vinda.
Recife Metal Law – A temática lírica continua a abordar o cotidiano, tudo o que nos envolve, mas com letras escritas de forma que nos remete à histórias épicas. Como surgem as ideias para a forma de escrever as letras das músicas do Spartacus?
Marco – Como não poderia deixar de ser, isso leva em conta o background cultural e a formação da gente, associados a uma percepção de mundo que vem ao encontro do que o Rock sempre procurou dizer em sua essência: “não entregue as decisões de sua vida à sociedade opressora! Não abra mão de sua crítica (e nem da autocrítica)!”. A proposta da banda leva em consideração a cultura universal clássica, não a popular. Por isso nossas referências não se restringem à cultura popular local ou a seus ícones especificamente (a nomenclatura de produtos socialmente desejáveis, por exemplo; ou expressões coloquiais da fala cotidiana). Cantamos em nosso próprio idioma por querermos dizer alguma coisa ao mundo do qual fazemos parte diretamente. Não usamos outro idioma em nossa comunicação com o meio e nem o meio se utiliza de outro idioma que não seja a língua local. Não é, e nunca foi uma questão de nacionalismo e sim de coerência cultural e autenticidade. Sofrer influência não impede a autenticidade, imitação, sim.
Recife Metal Law – A parte gráfica vai além do que é apresentado em alguns lançamentos, falando um pouco da história do disco, do trabalho em estúdio... Ter o encarte bem informativo foi para fugir do lugar comum e com a intenção de prender o ouvinte ao que ele está ouvindo?
Marco – Também foi isso, mas não tivemos em conta a comparação com outros trabalhos gráficos de outros CDs. Além do mais, como lançamos as coisas com um espaço muito grande de tempo, é necessário dar uma satisfação a quem adquire o trabalho do que acontece com a banda e ao mesmo tempo dar um subsídio de suporte para o disco.
Recife Metal Law – O nosso país passa por um momento conturbado, politicamente falando, e o mais prejudicado é o povo, por causa dessa luta do poder pelo poder. Mesmo com algumas letras feitas há vários anos atrás, elas permanecem bem atuais. Isso não chegou a assustar o Spartacus, tal coincidência?
Marco – Não. Os assuntos das letras são temas universais, feitos em vista do que acontece em nosso mundo. “Noite Sem Lua”, por exemplo, do “Imperium Legis”, tem a cara dos movimentos de junho de 2013. Praticamente qualquer letra do Spartacus pode ser compreendida em qualquer época da civilização, salvo em situações mais pontuais como no caso de menção a coisas de época, como o drama das mães da Praça de Maio, na Argentina, em “No Sul da América Antártida”, por exemplo, último tema do “Libertae”.
Recife Metal Law – O Spartacus parece não fazer muitos shows e os que são feito se limitam a sua região. Isso é uma opção ou a demanda de bandas atrapalha na hora de fechar shows pelo país?
Marco – O problema de sempre é o fato de que ninguém da banda tem gosto ou tino para produção executiva de manager. Geralmente alguém das bandas assume isso, no caso do Spartacus, caberia a mim, mas realmente não me apetece uma rotina empresarial e a ninguém da banda. Nosso ‘negócio’ é artístico mesmo. Não temos gerência comercial e é difícil consegui-la onde vivemos. Tocamos onde a oportunidade se apresente e seja possível.
Recife Metal Law – O que podemos esperar do Spartacus daqui para frente? Haverá outro grande hiato sem lançamentos?
Marco – Geralmente se faz o disco e se sai para rua pra divulgar. Nós temos feito o contrário, tocando o repertório em shows e depois lançando o disco pra sacramentá-lo. Assim fizemos com o “Libertae” e depois com o “Imperium Legis”. Em princípio, Spartacus já fez o que lhe competia. Apesar de muito demoradamente, o motivo pelo qual a banda começou foi alcançado. Gravamos, lançamos, tocamos e aparecemos (sem maiores alardes, é bem verdade). O que vier a partir de agora, só acrescenta. Não surgimos para sermos “profissionais da música” e nem pra fazermos “sucesso”. Surgimos para materializar o Rock Pesado como algo natural em língua local e de modo sério, com a qualidade tradicional do estilo, para sentirmos e cantarmos juntos, preenchendo uma lacuna que sentíamos falta no cenário do Rock dentro do Brasil. A banda no momento não está atuando. Seus integrantes estão empenhados em resolver suas pendências pessoais ou estão em outros projetos. Victor Petroscki, guitarrista que gravou os dois discos, está vinculado à banda 1010 e o baixista que responde a essa entrevista, Marco Di Martino, está integrando a banda Dramma, que se encontra em estúdio gravando seu disco de estreia. Não se descarta que haja um retorno do Spartacus às rotinas de ensaio para shows e gravações em um momento mais oportuno, mas até a presente data, não se visualiza quando. Em nome de Spartacus agradeço ao Recife Metal Law pelo interesse e pela divulgação que pode ser viabilizada através da leitura dessas ‘linhas’. Nosso muito obrigado!