Manter uma banda Underground ativa não é nada fácil, sabemos que é uma estrada árdua, com muitos obstáculos. E manter uma banda ativa por mais de duas décadas fazendo um estilo, digamos, menos convencional no meio Heavy Metal, é algo a se tirar o chapéu e aplaudir de pé. A banda gaúcha A Sorrowful Dream permanece fiel ao seu estilo desde a sua formação e moldou sua música durante todo esse tempo, sendo uma das poucas no país é fazer Dark Metal. Durante todo esse tempo muitas coisas aconteceram com a banda, inclusive mudanças em sua formação e o lançamento de dois álbuns de estúdio, sendo o mais recente “Passion”. Eu já havia entrevistado a banda para o Recife Metal Law, mas cada entrevista com essa banda traz algo revelador. Então ficamos, agora, com as palavras do vocalista Éder Macedo. Recife Metal Law – Após o lançamento do primeiro álbum, “Toward Nothingness”, até que “Passion” fosse lançado houve apenas uma mudança na formação, com a saída da guitarrista Josene Toldo e a entrada de Aurélio Martins. Mesmo que a A Sorrowful Dream já tenha tido diversas mudanças na formação, como vocês avaliam a saída de Josene e a entrada de Aurélio?
Éder Macedo – Acho que o mais interessante é avaliarmos o que perdemos e ganhamos em cada momento. Com a saída da Jô, perdemos muito, pois, além da grande amiga que ela continua sendo, ela é uma grande guitarrista, criativa e com uma formação musical em total consonância com a banda. Foi uma perda grande naquele momento. Por outro lado, o Aurélio já era uma amigo de longa data e sempre acompanhava a banda, por isso sua entrada foi um ganho para nós. Ele, muito embora tenha entrado com parte do repertório do “Passion” já composto ou em vias de composição, conseguiu deixar sua assinatura em cada faixa. Além disso, há muitos grandes shows realizados os quais devemos totalmente a ele, pela sua perseverança e profissionalismo. Na verdade, ao avaliar a saída da Jô e a entrada do Aurélio, não consigo pensar que este substituiu aquele. A presença da Jô ainda nos faz falta, mas isso não exclui o profissionalismo, a dedicação, a criatividade e amizade do Aurélio.
Recife Metal Law – Já o baterista Ricardo Giordano, que segurou as baquetas da banda de 2011 até o ano passado, saiu recentemente. O que houve? A vaga já foi preenchida?
Éder – O “Drumam”, como chamamos o Ricardo Giordano, saiu por questões pessoais, mas tudo ocorreu amigavelmente. Sua participação na banda foi significativa, pois além de segurar as baquetas de nosso último álbum, ele foi, junto do Sebastian Carsin, o produtor do CD. Atualmente contamos com a ajuda do baterista Marcelo Dornel, mas sua entrada ainda não é oficial, embora tudo indique que, em breve, será.
Recife Metal Law – “Toward Nothingness” foi lançado de forma independente em 2009 e teve um período de divulgação de cerca de seis anos. Tendo em vista que o disco foi lançado de forma independente, como foi feito todo o trabalho promocional para divulgar aqueçe álbum?
Éder – Não tivemos um trabalho promocional. Divulgamos o álbum na internet e em shows que fazemos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina e onde nos convidam e seja possível para todos da banda. Parcerias são sempre bem vindas, mas, por vezes, as demandas do dia-a-dia nos impedem de correr atrás.
Recife Metal Law – Sabemos que o Underground caminha de forma cada vez mais lenta e por ser o Brasil um país enorme, muitas bandas deixam de tocar em outros Estados não em razão de sua qualidade, mas por não ter quem invista em tais bandas para se apresentar em outras regiões. Como é para vocês, da A Sorrowful Dream, uma banda com sete componentes, conseguir toca fora de seu Estado?
Éder – É muito difícil. Como você disse, somos sete integrantes e isso dificulta muito a viagem, pois ela, no fim, se torna muito cara. No entanto, quando em vez, fazemos uma ou outra tour. No ano de 2016, em julho, tocamos em duas cidades de Santa Catarina: Rio do Sul e Porto Belo, e no Paraná, em Curitiba. Foi uma mini-turnê com a banda catarinense Nomen Eius. Foi muito produtiva e agradável a tour. Conseguimos fazê-la graças à Nomen Eius, banda que nos convidou. Esse tipo de parceria viabiliza esse tipo de show, já que, no Brasil, outros tipos de apoio são difíceis ou mesmo impossíveis de acontecer.
Recife Metal Law – O novo álbum, “Passion”, assim como o ‘debut’, foi lançado de forma independente, com a diferença de que o novo disco também foi lançado digitalmente. Vocês chegaram a cogitar lançar o disco apenas no formato digital ou ter seus materiais lançados fisicamente é sempre uma meta?
Éder – Sempre visamos lançar o álbum fisicamente. Inclusive, o lançamento digital é, para nós, apenas um anexo do lançamento físico. Gostamos de ver e tocar o álbum, a capa, ler as letras, observar os detalhes. E se fosse possível (tivéssemos os apoios necessários), lançaríamos em vinil também. Somos uma banda dos anos 90 e não abrimos mão de certos comportamentos ‘old school’.
Recife Metal Law – “Passion” manteve as características da banda intacta, mesmo carregando mais peso em alguns andamentos (“A Lullaby For Lunatics” é um bom exemplo disso), além de algumas linhas, digamos, mais Heavy Metal, como ouvido em “Amálgama”. A forma de compor desse álbum foi igual ao do álbum anterior?
Éder – Não optamos deliberadamente por uma forma de compor o “Passion”. Deixamos as músicas acontecerem assim como elas foram compostas no “Toward Nothingness”. Entretanto, elas são composições, para nós, mais coesas e, paradoxalmente, experimentais. E isso não foi nosso propósito: a formação mais estável da banda, bem como o nosso amadurecimento como músicos e como pessoas, acredito que tenham interferido no processo de composição. Por isso, nos sentimos mais livres para ousar e dar sentido para o que estava sendo composto.
Recife Metal Law – Sobre “Amálgama”, apesar do título e de algumas frases em nossa língua, majoritariamente a música é cantada em inglês. Vocês cogitaram a possibilidade de cantar toda a música em português ou já passou pela cabeça de vocês fazer uma música completamente cantada em nossa língua?
Éder – É muito difícil cantar e compor em nossa língua, principalmente, no gênero Metal. Para mim, acredito que seja uma questão de formação: cresci escutando Rock and Roll e Metal em inglês e, aliás, isso me fez ser também professor de inglês. Não que eu não goste de bandas que façam um bom Metal em português, a Atropina, de Teotônia (RS), e a Luxúria de Lilith, de Goiânia (GO), são ótimos exemplos. No entanto, para a A Sorrowful Dream, prefiro pequenos momentos nas letras, pois acredito que isso dê certo charme à música. Além disso, há uma busca pelo não convencional: tanto em “Amálgama” como em “Harpies”, os trechos em português são recitados e teatrais, o que, para mim, dá um algo a mais na música e foge de certo “lugar comum”. Se um dia nós fizéssemos uma música toda cantada em português? Creio que seja possível. Dará bastante trabalho e teremos de pensar muito para procurar fazer algo novo, saindo de nossa zona de conforto. É uma ideia para o próximo, quem sabe.
Recife Metal Law – Como foi escolhido o título do álbum e o que ele significa, se formos analisar toda a parte lírica de “Passion” (não apenas a música, mas o álbum completo)?
Éder – “Passion” é quase um álbum conceito. Digo “quase” porque não foi algo planejado, mas, quando estávamos organizando as faixas e pensando na obra como um todo, percebemos certa ligação entre as músicas. Mais do que paixão no sentido “romântico”, ele também quer tratar dessa palavra no sentido de via crucis (sofrimento e redenção), o mesmo sentido usado para “Paixão de Cristo”. Assim, cada música marca um trajeto que vai da paixão no sentido romântico ao existencial, em que percebemos que ao buscarmos alguma razão no mundo, ela pode estar em nós, em nosso íntimo e em nosso corpo. É um processo em que, da música “Amálgama” à “Passion”, a paixão e seu sentido na vida, gradualmente, ganham diferentes significados. Não citei a “Prolusion” por se tratar de uma “intro”, e por conter, como o nome diz (Prelúdio), uma síntese do conceito do álbum (caminho, dor: paixão). Claro que essa é só uma possível chave de leitura. As músicas são independentes e podem ser lidas sob outras interpretações. Cada música possui sua peculiaridade e elas não estão presas ao conceito do álbum.
Recife Metal Law – A arte da capa vem bem diferente do que fora feito na estreia, dessa vez trazendo uma figura humana que parece sofrer e com a palavra “Passion” escrita em cortes em seu braço. É uma arte bem pesada, diria até suicida...
Éder - Não foi a intenção parecer suicida, mas isso é bom, pois a possibilidade de muitas interpretações só enriquece qualquer expressão artística. No entanto, parecer bem pesada foi nossa intenção. A arte, de Tric Jonathas, vai ao encontro do conceito do álbum. A figura na capa está com as mãos sobre os olhos, o que sugere que ela está olhando para o escuro si, para seu interior. Os vultos que estão ao redor dela subentendem o desespero interno que essa pessoa sofre. A inscrição escarnificada no braço pretende revelar que este trajeto de sofrimento e redenção está no corpo, na carne e não além disso. É uma via crucis que tem que ser percorrida sozinho. Conhecer-se e encarar o lado escuro de si é um martírio para a alma e para o corpo.
Recife Metal Law – O novo álbum foi produzido no Hurricane Studio e é excelente. Como foi o trabalho em estúdio e como vocês avaliam o trabalho de Sebastian Carsin?
Éder – Obrigado! E grande parte da excelência do álbum é mérito do “Seba”. Foi bastante trabalhosa a gravação. Passamos dois anos, senão mais, nesse processo. Somos sete integrantes e cada um de nós possui vidas paralelas: trabalho, estudos, filhos, família. Assim, o tempo se tornou um requisito para fazermos algo bom para nós e dentro dos nossos limites. Nisso, o trabalho do “Seba” foi essencial. Além de um grande amigo nosso, ele é muito profissional e possui muita experiência na produção de bandas pesadas. Ele conserva um lado orgânico que gostamos: um meio termo entre a barulheira suja e caótica e a demasiada ordem, limpeza e assepsia.
Recife Metal Law – Em 2016 a banda completou 20 anos de formada. Vocês não cogitaram em fazer algo em especial, alguma espécie de lançamento comemorando a data?
Éder – Nós de fato cogitamos, mas não tivemos como executar. Foi um fim de ano conturbado para todos na banda, e creio que para todos no Brasil. Mas não faltarão oportunidades, teremos nossos 25, 30, 35 e 40 e muito mais ainda para comemorar.