Eis uma banda que sempre admirei por sua persistência/resistência em meio as agruras do Underground. Até acredito que já citei isso em entrevista que fiz anteriormente com o Pandemmy. Mas, caso tenha citado, fica aqui o reforço, afinal, são mais de 10 anos em atividades, fazendo shows, lançando álbuns, splits, mesmo com mudanças em sua formação, que lá do início traz apenas o guitarrista Pedro Valença. Pedro hoje é acompanhado por Guilherme Silva (guitarra, na banda desde 2014, e que assumiu os vocais em 2019), Marcelo Santa Fé (baixo, na banda desde 2013) e o novo baterista Vitor Alves (que entrou na banda em 2019). Essa formação também foi a responsável por grava o mais recente lançamento da banda, o excelente “Subversive Need”, que veio ao mundo, por enquanto, apenas de forma digital. O álbum mostra um Pandemmy num grau de maturidade incrível, seja nas letras, ainda mais ácidas e politizadas, seja em sua sonoridade. Sobre o novo álbum, atual fase, entre outros assuntos, fizemos a entrevista a seguir.
Recife Metal Law - Recentemente vocês lançaram o álbum “Subversive Need”, porém antes dele, em 2016, veio “Rise Of A New Strike”. Qual avaliação vocês fazem desse disco para a carreira do Pandemmy?
Pedro Valença – “Rise Of a New Strike” foi uma evolução em termos de composição e produção musical se comparado com o ‘debut’ álbum, “Reflections & Rebellions”. Nem tudo saiu como gostaríamos, mas serviu de aprendizado e podemos dizer que “Subversive Need” é o nosso melhor trabalho, até este momento, por todo experiência adquirida ao longo desses lançamentos. Marcelo Santa Fé – Muita coisa aconteceu entre a concepção e o fim da divulgação do “Rise Of a New Strike”. Tivemos experiências extremas entre o bom e ruim nesse período e crescemos muito com elas. Pedro, Guilherme e eu chegamos com mais ‘casca’ para trabalhar o “Subversive Need”, tanto que os dois produziram o álbum. Inúmeras situações foram mais bem trabalhadas graças à experiência com o disco anterior. Por isso gosto de pensar nele como algo que foi além do que está gravado. Talvez alguém diga que houve uma evolução na musicalidade entre um disco e outro, mas, para mim, a maior evolução foi interna e o “Rise Of a New Strike” foi fundamental para isso. Guilherme Silva – Particularmente, posso dizer que tive um contato mais próximo e direto nas composições do “Subversive Need”. Minha forma de trabalhar foi semelhante à criação das músicas do Split “Obliteration”, então vejo esse novo disco como um trabalho mais amadurecido de minha parte (e acredito que de todos da banda, também).
Recife Metal Law - Falando em lançamentos, teve o split, teve um single, e até mesmo um documentário sobre uma parte da história da banda. Mas, com relação ao documentário, nem todos os músicos que fizeram parte do período abordado nele participaram. Por que não inserir todos os músicos que passaram pela banda?
Pedro – Sobre o documentário “Just Reflections... After Rebellions”, disponível no YouTube, é importante ressaltar que ele está ligado ao relançamento do nosso ‘debut’ álbum. Os ex-integrantes que participaram estão relacionados a este período. Acho que só o Fausto Prieto, nosso primeiro baterista, que está morando em Santos/SP, poderia ter participado e não conseguimos. Da ideia inicial até o lançamento, o processo durou apenas três meses. Faremos outros mini documentários à medida que a banda atingir tempos de atividades mais simbólicas, tipo quinze, vinte anos de estrada. Como em qualquer banda, a relação entre os integrantes atuais e ex-membros depende de um conjunto de fatores interpessoais e algumas dessas relações já não fazem mais sentido.
Recife Metal Law - Assim como o split, o novo álbum de estúdio foi lançado no formato digital. Há a possibilidade de ambos os trabalhos serem lançados fisicamente? Sabemos que os principais obstáculos para uma banda independente são os financeiros. Mas há outro tipo de “pedras no caminho” que impedem o lançamento físico?
Pedro – Vamos buscar lançar esses dois materiais fisicamente. Há obstáculos, como o atual momento econômico do país, que impedem que mais selos e gravadoras surjam; a cultura de comprar discos não é estimulada, fazendo com que o mercado sofra com essa escassez de clientes, dentre outros fatores.
Recife Metal Law - “Subversive Need” mostra uma nova faceta musical da banda. Não, ela não foge das raízes Death/Thrash Metal de outrora. Mostra uma evolução natural, sem adição de elementos estranhos à sonoridade da banda, mas que se pegarmos o início da banda com o seu atual momento, nota-se o quanto vocês evoluíram musicalmente. Claro, os anos ensinam, mas, além dos anos, como a banda vem trabalhando sua sonoridade para que haja tal evolução?
Pedro – Simplesmente não temos intenção de nos repetirmos musicalmente. Óbvio que não fazemos mudanças radicais em nossa proposta artística, mas gradualmente estamos moldando nossa música. E assim será até a banda encerrar as atividades. No próximo álbum podem esperar elementos que nunca usamos em nossos lançamentos. Faz parte do desafio.
Recife Metal Law - O álbum traz músicas que fizeram uso bem encaixados de backing vocals no melhor estilo “old school” do Thrash Metal, mas sem as músicas soarem totalmente Thrash Metal “old school”. De que forma foram encaixadas as influências musicais dos músicos no álbum? Pedro – Esses backing vocals eram um desejo antigo, mas nem sempre outros integrantes concordavam. Acredito que é um elemento bem empolgante e soma muito a nossa proposta. O Pandemmy já passou dos dez anos de atividades; o núcleo composto por mim, Guilherme e Marcelo, toca junto há pelo menos seis anos, então sabemos até onde nossas influências musicais combinam ou não dentro das novas composições.
Recife Metal Law - Uma das músicas que mais gostei no álbum foi “Terror Paranoia”, por sua pegada urgente. Um verdadeiro Thrash Metal/Hardcore quase que até o seu final. A banda sempre apresenta, em seus lançamentos, músicas com essa pegada. Isso já é programado?
Pedro – Isso é nossa identidade musical. Apesar de não compor um álbum inteiro com essa proposta, faz parte da nossa necessidade de compor e tocar ao vivo músicas furiosas como “Terror Paranoia”, “Stars Of Decadence” ou “Self-Destruction”.
Recife Metal Law - Esse novo lançamento se inicia com uma música, em meio-tempo, com uma letra meio que em primeira pessoa, clamando por ajuda, isso se referindo ao meio ambiente. Alguns acham irrelevantes e fazem piadas, mas sabemos que cuidar do meio ambiente é cuidar de nós e do futuro. Por que as pessoas acham, em pleno século XXI, que desmatamento não deve ser combatido?
Marcelo – É fato que a enorme maioria das ações contra o meio ambiente é antrópica, e aqueles grupos que chamamos de “The Powers That Be” têm total noção das consequências do desequilíbrio ambiental, tanto que tentam desacreditar o aquecimento global, por exemplo. Crescimento da urbanização, atividades de mineração, a constante demanda por recursos naturais e matérias primas, expansão agropecuária, tudo isso favorece economicamente estes grupos poderosos. Então, é óbvio que uma nova consciência global sobre o meio ambiente não é interessante e vai contra suas agendas. Pedro – Porque essas pessoas vivem o agora. São egoístas ao extremo, não pensam no futuro daqueles que vão viver neste mundo. Não somos o tipo de banda que vai ficar determinando o que cada um deve fazer, entretanto acreditamos que algumas mudanças de hábitos devem começar de agora. Ao invés das pessoas julgarem outras por causa dos signos do zodíaco, elas poderiam debater sobre a crise ambiental, consumo sustentável e consciente, dentre outros assuntos necessários.
Recife Metal Law - O novo disco, além de musicalmente ser surpreendente (pelo lado positivo da palavra surpreendente), traz um Pandemmy com letras ainda mais ácidas e críticas. Num período que Headbanger fica em cima do muro ou “fica do lado” da tradição da família, da moral e bons costumes, além de elogiar igrejas e tomar para si o lema (claramente influenciado por um período vergonhoso da história da humanidade) “Brasil acima de tudo, deus acima de todos”, qual a postura, não só da banda, mas de cada integrante, com relação ao atual momento que vive nosso país?
Pedro – Estamos vivendo a era dos absurdos. Empresas contratando pessoas por conta de seus signos, gente que acredita que a terra é plana, nazismo de esquerda... Falhamos ao acreditar que a tecnologia tinha como um dos propósitos democratizar a informação, pois há pessoas que acreditam no que querem e acho que também existe o fator do caráter envolvido nesses absurdos. Headbanger conservador é algo tão contraditório que cansa só de pensar. Muita subversão e coragem para sobrevivermos nestes tempos.
Guilherme – O comportamento e pensamento retrógrado, carregado pelo brasileiro conservador, que transformou o país nessa situação surreal (no pior sentido) em que estamos vivendo, é a maior causa por estarmos nos posicionando desta forma. Acredito que seja nosso melhor meio de ser contra todo esse cenário absurdo. Marcelo – É um momento alarmante, que tende a se agravar, uma vez que as instituições responsáveis por zelar pela democracia estão sendo sistematicamente atacadas e o tom das ameaças sobe a cada semana. O debate de ideias está sendo substituído pela agressão gratuita e a crescente irracionalidade, infelizmente, parece ser a tônica desses tempos. Como indivíduo inserido em uma sociedade, acho importante o posicionamento contrário a esta situação e, sendo artista, sinto que é necessário falar sobre.
Recife Metal Law - Uma das músicas, “Free Mumia (A Panther in the Cage)”, fala sobre “Mumia Abu-Jamal”, pseudônimo de Wesley Cook, ex-integrante do Partido dos Panteras Negras. Por que abordar essa personalidade em uma das letras desse álbum?
Pedro – Estamos vivendo um momento trágico com o avanço do conservadorismo no mundo ocidental. Prisões políticas voltaram a ser usadas como meio de destruir reputações. O caso de Mumia Abul-Jamal é muito triste. Dedicamos essa música a ele e a todos os prisioneiros políticos, reféns do status quo e do establishment, em que o racismo predomina nos tribunais e nas sociedades em que a hierarquia é ocupada por pessoas brancas. Mumia escapou do corredor da morte, mas ainda é injustamente penalizado com a prisão perpétua. Enviamos a música para um dos comitês de apoio dele. Responderam-nos agradecendo e que ele seria avisado sobre a homenagem. Esperamos que Mumia possa ter sua liberdade devolvida como em outros inúmeros casos envolvendo afrodescendentes presos sem direito ao devido processo legal.
Recife Metal Law - “Subversive Need” foi produzido por Cristiano Costa, no Hold Studio, em Campina Grande/PB, o qual também ficou à frente da mixagem e masterização, sendo a masterização realizada em equipamentos analógicos, em fitas de 4mm e 7mm. Como vocês analisam o trabalho de Cristiano? E essa forma de masterização foi uma ideia da banda?
Pedro – Na verdade, o CD foi produzido por Guilherme e eu. O Cristiano pós-produziu, definindo os timbres, mixando e masterizando. Sobre o Cristiano, a gente só tem elogios. Conseguimos com ele melhorar nossa qualidade de produção musical e ao mesmo tempo trazer mais ‘organicidade’ aos sons dos instrumentos. A ideia de deixar a bateria com um timbre mais anos 90 foi dele e soou muito bem.
Recife Metal Law - Qual a razão para os guitarristas Pedro Valença e Guilherme Silva assinarem a coprodução deste novo registro de estúdio?
Pedro – Porque somos o principal núcleo de composição da banda. Gravamos as Demos das novas músicas no Demise Studio, onde Guilherme trabalha com produção musical. Daí, escutamos o material gravado e decidimos se algum trecho precisa ser reeditado ou regravado, ou se inserimos novos arranjos... um processo de lapidar a obra até sua versão final. Então, quando gravamos as músicas em definitivo, elas vão 99% prontas para mixagem. Pouco se acrescenta, em termos de arranjos, na pós-produção.
Recife Metal Law - Além do lançamento digital, quais são os outros meios de divulgação para promover “Subversive Need”?
Pedro – Vamos lançar ainda este ano alguns vídeos. Também existe a ideia de um ‘lyric video’ e ano que vem (2021) devemos pensar em dois videoclipes. Por enquanto estamos em busca de parcerias para lançar o álbum em sua versão física. Assim que passar esse período de precaução para impedir o avanço do Coronavírus no Brasil, iremos agendar os próximos shows de divulgação do novo álbum.