Evento: October’s Hell
Data: 15/10/2017
Local: Estelita Bar. Recife/PE
Bandas: - Malkuth (Black Metal – PE) - Amazarak (Black Metal – SP) - Mystifier (Black Metal – BA) - Vulcano (Black/Death/Thrash Metal – SP) - Inquisition (Black Metal – Colômbia/EUA)
Resenha & fotos: Valterlir Mendes
Caso não me falhe à memória, esse evento teve uma divulgação de cerca de seis meses, assim era de se esperar que o público (que estava a fim de curtir o evento), nesse ínterim, pudesse juntar a grana e participar, afinal, mesmo que o país passe por um período turbulento, haveria tempo para juntar o dinheiro.
Inicialmente marcado para acontecer no Burburinho Bar, no Recife Antigo, o evento teve que ser transferido (com tempo hábil) para o Estelita Bar, local que vem abrigando praticamente todos os eventos de natureza Underground que acontecem na capital pernambucana, mesmo que as reclamações insistam em acontecer (localização, valor das bebidas/comidas, etc.) A “cultura” de se esperar ou querer que todos os eventos ocorram no Recife Antigo ainda servem de “desculpa” para que não se compareçam a alguns eventos, mesmo que esse não seja o ponto a se debater nessa resenha.
O evento ocorreu num domingo, outro “percalço” para muitos. Eventos que não acontecem no sábado sempre são motivos de reclamação, ainda mais que muitos trabalham logo cedo na segunda-feira. Talvez por isso, quando cheguei ao local, vi uma tímida movimentação. Se bem que cheguei por volta das 15h40 e as portas já estavam abertas. Adentrei e vi que a movimentação, no interior do Estelita Bar, não era tão grande. Mas, em sendo um domingo, era de se esperar que parte do público curtisse mais o dia para poder ir conferir os shows.
Os shows estavam marcados para ter início as 16h00, mas com quase uma hora de atraso, exatamente às 16h55, a primeira banda deu início ao seu show. Com nova formação, o Malkuth, após uma “Intro” com uma espécie de sons tribais ou um ritual negro, executou a nova “The Old Blade”. De início notei que o som não estava tão bem definido, então me afastei um pouco do palco para que eu tivesse uma ideia melhor. E pude conferir um som brutal, direto, mas sem deixar de lado as negras melodias características dessa entidade pernambucana do Black Metal. O início do show trouxe as três músicas presentes no mais recente EP da banda, lançado na última sexta-feira, 13 de outubro. São músicas mais intensas, diretas, mas com aquela aura pagã inerente ao Malkuth. Em algumas músicas havia a inserção de teclados, executados por Diego DoUrden, e o visual dos músicos é o típico das bandas de Black Metal, com ‘corpse paints’ e tudo o mais. O ‘set list’, apesar de curto, procurou abranger diversas fases da banda, mesmo que isso seja algo difícil, tendo em vista o grande número de lançamentos. Mas, enfim, um ótimo show de abertura e, como sempre, um ótimo show do Malkuth, que há mais de duas décadas se mantém firme no Underground, superando as diversas modificações em sua formação, que hoje conta com o fundador Sir Ashtaroth (guitarra/vocal), Agares (baixo), Destroyer (bateria) e Dmysteriis (baixo).
O público não era tão numeroso e parecia que não iria melhorar gradativamente, apesar de que algumas pessoas ainda chegavam ao local. Ao término do primeiro show (na verdade a cortina já estava lá desde o início), uma cortina foi levantada e ajustes de palco foram realizados. Esses ajustes de palco, certamente, é o que mais atrasa os shows, já que, no mínimo, duram trinta minutos. Mas como havia uma boa variedade de merchandising, o pessoal poderia ir dar uma conferida e até mesmo comprar algo, caso não quisesse tomar uma cerveja ou comer algo. Digo, apesar dos valores, há uma diversidade de cervejas, sempre geladas e boa comida. Eu preferi ir de leve nas cervejas.
Às 18h07 teve início o segundo show da noite. Assim como no show anterior, a apresentação do Amazarak foi antecedida de uma “Intro”, uma escancarada provocação ao islamismo. Sem tempo para perder, a banda foi direta ao assunto e, meus amigos, mais diretos do que o que foi presenciado com “Lendários Batedores de Cabeça” impossível. Um verdadeiro ataque Black/Speed Metal, de uma rispidez impressionante. Mesmo que o início da apresentação tenha trazido o som alto demais, ao menos em meu ponto de vista, a banda conseguiu passar, de forma violenta, sua mensagem, de repúdio às religiões e ao que há de “sagrado” nelas. É música para bater cabeça e fazer umas rodas de mosh, apesar de isso não ter ocorrido. Os vocais de Hellish Angelcorpse trazem uma voracidade incrível, assim como as linhas de bateria de Maniac Hammer, acompanhadas de perto do baixo bem evidenciado de Fábio Crusher. Nas seis cordas, riffs e solos desconcertantes à cargo de Kristiano Profano e Eddie Executer. No ‘set list’ músicas como “Sangue Manchado no Trono de Deus”, “Hino de Blasfêmia”, “Sob o Sinal de Lúcifer”, que não deixaram pedra sobre pedra. Apesar de algumas microfonias ao decorrer da apresentação, a sonoridade foi melhorando e do meio para o final tudo estava bem definido. No palco, além da banda, um backdrop com o seu logotipo. Show com “sangue nos olhos”, baquetas voando em “Ascensão do Anticristo”, bíblia sendo rasgada e jogada no meio do público... Bem... 45 minutos de pura pancadaria Black/Speed Metal!
Mais um intervalo e novos ajustes de palco. Felizmente esse intervalo não foi tão longo, cerca de vinte minutos e entre os intervalos entre as bandas foi o menor.
O último show que eu havia visto do Mystifier ocorreu no Abril Pro Rock deste ano e seja num grande palco ou em lugar menor o vigor da banda é o mesmo. Bastante conhecida no submundo, não só do Brasil, a banda destila em seus shows músicas de seus discos lançados e re-lançados. Faz tempo que o Mystifier não lança algo novo, mas nem por isso deixa de nos apresentar sempre músicas fortes e atrativas, mesmo que algumas delas, como “Osculum Obscenum”, sejam bem longas. A atual formação, que além do fundador e guitarrista Beelzeebubth, traz Diego DoUrden (vocais, baixo e teclados) e Eduardo “Warmonger”, vem com integrantes de vários locais do Nordeste (Bahia, Pernambuco e Paraíba), e se mostra bem entrosada com os diversos shows que vem fazendo. Nos rostos as tradicionais pinturas e não mais que isso, além de sua música profana, por vezes numa velocidade impressionante, por vezes algo mais cadenciado e tétrico, tudo numa mesma música. “An Elizabethan Devil-Worshipper’s Prayer-Book” é exemplo disso. O palco, simples, sem ao menos um backdrop, tinha apenas espaço para o trio. Diego interpreta de forma única as músicas do Mystifier, enquanto Warmonger parece estar na banda há anos. Já Beelzeebubth, sempre que possível, interage com o público. Inclusive aproveitou a oportunidade para falar sobre as polêmicas envolvendo a banda principal do evento e o quanto a citada banda os ajudou (mesmo que o “Mystifier não precisa de ajuda”, nas próprias palavras de Beelzeebubth) no decorrer dos anos, numa verdadeira irmandade. Foi um show de cerca de 50 minutos, com os velhos clássicos do Mystifier, que mostra uma banda sempre muito segura em palco.
Entre o Mystifier e a próxima atração o intervalo de tempo para ajustes de palco não foi tão grande, cerca de 25 minutos, mas já estávamos chegando as 20h30 do domingo e ainda restavam duas bandas.
Uma das maiores lendas do Underground nacional pela primeira vez estava tocando em solo pernambucano. São 36 anos de história e uma luta incansável no submundo Metálico. Isso não é para qualquer um, ainda mais se mantendo firme e forte em seus propósitos. Eu havia visto o Vulcano há quase dois anos, na cidade paraibana de Campina Grande e, felizmente, novamente presente num show da banda. No melhor estilo ‘old school’ iniciam o show com a instrumental “The Man The Key The Beast” para logo emendar com a jurássica (e maravilhosa) “Witche’s Sabbath” e fazer alguns velhos bangers presentes voltar no tempo. E esses senhores (a banda é formada atualmente por Luiz Carlos Louzada - vocais, Zhema Rodero e Gerson Fajardo - guitarras, Carlos Diaz - baixo e Arthur “Von Barbarian” - bateria), apesar do tempo de estrada, não aliviam. Pelo contrário, as músicas são apresentadas de forma mais violenta e veloz. “Propaganda And Terror”, uma das músicas mais violentas do novo álbum, “XIV”, fez com que a corda da guitarra de Gerson fosse quebrada. Enquanto ele consertava o show prosseguia com apenas a guitarra de Zhema. Tudo voltou ao normal com “Thunder Metal”, outra nova, outro petardo (palavra clichê, não é?). O que atrapalhou de início foram as microfonias e o vocal muito baixo, o que foi se ajeitando ao decorrer do show. O ‘set’ foi diversificado, inclusive contando com músicas nunca antes tocadas ao vivo (ou poucas vezes tocadas), tais como “Welcome to the Army” e “Red Death”. Mas, claro, num show do Vulcano não pode faltar os clássicos. E eles começaram a ser executados a partir de “Total Destruição”, seguida de “Guerreiros de Satã”, e, por fim, o clássico absoluto “Bloody Vengeance” tocado na íntegra. Foi uma hora de um show que transmitiu uma energia incrível, até mesmo fazendo com que o pequeno público abrisse algumas tímidas rodas de moshes. Ah, sobre a corda quebrada da guitarra de Gerson, ela voltou a se quebrar na execução de “Incubus”. Não poderia deixar aqui de mencionar a insana performance de Arthur, que foi descrito por ele mesmo como “um andarilho do Metal” (tocou no kit disponível, sem trazer nenhuma peça. Apenas sentou no banco e sentou a mão na bateria).
Findado o penúltimo show da noite, último baixar das cortinas, para últimos ajustes de palco, para o último show. E foi aí que teve o mais longo e cansativo intervalo (sim, cansativo por causa da espera). Foi cerca de uma hora (para ser exato 55 minutos) para que tudo estivesse devidamente ajustado. E, claro, muitos reclamaram da demora, porém praticamente todos ficaram para ver a última atração.
Muita coisa envolveu o evento e a banda principal do ‘cast’. Envolto em polêmicas, o Inquisition causou divisão e até certo boicote por alguns. Não sei, ao certo, se esse foi um dos motivos para o pífio público, mas em tempos de Internet, muitas coisas se espalham mais que fogo em palha seca e, mesmo com retratações, uma parte do público não perdoa. Mas vamos ao show... Confesso que eu não conhecia praticamente nada da sonoridade do Inquisition, banda hoje radicada nos EUA, mas que teve seu início na Colômbia. “The Force Before Darkness” emanava dos falantes, era uma “Intro”. O palco com um grande backdrop e dois estandartes um de cada lado. Eis que então adentra ao palco Dagon (vocal/guitarra) e Incubus (bateria). Nada de baixo, nada de um terceiro integrante e fiquei curioso para ver como seria a sonoridade da banda sem um baixo. Mas ao decorrer do show, músicas que são puro Black Metal, e que não se apegam em demasia ao estilo nórdico, trazendo algo caraterístico, principalmente nos vocais graves de Dagon, o duo mostrou uma sonoridade coesa, densa, pesada e, porque não dizer, tétrica. A voracidade do baterista Incubus supria qualquer lacuna. As linhas de guitarras, muito bem feitas e postadas, demonstrava que o baixo não era necessário. A demora foi compensada com uma sonoridade perfeita (sim, me arrisco a dizer que estava perfeito, pois tudo soava muito nítido, sem qualquer interferência ou ruído). Samples bem colocados, algumas saídas do palco, enquanto os samples eram executados e antecediam algumas músicas. Como disse, não conhecia o som do Inquisition, mas deu para notar que o ‘set’ foi baseado no novo álbum da banda e de lá vieram músicas como “From Chaos They Came” e “Vortex From the Celestial Flying Throne of Storms”. O que mais me impressionou foi a postura de Dagon, que praticamente não se comunicou com o público, mandando apenas um “obrigado, gracias, thanks” ao anunciar a última música do show, além de ter destroçado e jogado no público uma bíblia. E mesmo tendo anunciado a última música, sem maiores delongas para sair do palco, o público aguardou um retorno, o que não aconteceu.
Mesmo com todas as polêmicas que envolveu o ‘fest’, eu esperava um público bem maior, ainda mais se tratando de uma parte que sempre branda por apoiar o Underground nacional.
Antes mesmo da metade do ‘fest’, Léo Frias (que também produz shows em Pernambuco e estava dando suporte na produção do “October’s Hell”) chegou perto de mim e me fez a pergunta: “Valterlir, o que acontece que o público não vem mais aos shows? O que se deve fazer?”. Sinceramente, eu fiquei sem saber responder. Vale salientar que essa mesma pergunta Léo fez nas redes sociais e as respostas são várias. Os motivos externados são vários... Eu tenho minha opinião, mas procuro sempre ficar com ela para mim. Existem muitos donos da verdade por aí...
Voltando ao ‘fest’, apesar da demora entre as bandas e alguns problemas na sonorização, o restante foi bem organizado. A casa que deu espaço ao “October’s Hell” pode não ser a preferida de parte do público, mas comporta bem esse tipo de evento. Boa bebida, comida, ambiente, e o preço cobrado é justo. Sei que a crise afeta apenas o trabalhador, mas momentos como esses merecem algum sacrifício.