Por anos mantive contato com muitas bandas via cartas, aquelas cartas sociais, algumas manuscritas, outras datilografadas e, por fim, digitadas. Era sempre bom ter essa troca de contatos, de ideias, saber mais sobre o Underground e torcer para um dia poder ver esse pessoal tocando por esses lados. Assim, quando foi anunciado o evento “Ataque Relâmpago”, meio que de repente, meio sem muita divulgação e numa quinta-feira, fiz o possível para poder viajar, após o trabalho, para ir conferir a banda de um desses antigos correspondentes.
Junto com mais dois amigos e, ainda, minha mãe, que gostaria de ver como são esses tais de “shows de Rock”, pegamos a estrada, dando boas risadas, ouvindo música boa, mas, infelizmente, sem beber, como sempre fazemos na viagem. Afinal, tínhamos que trabalhar no dia posterior.
Por ser uma quinta-feira, eu já esperava que o público não fosse lá grande coisa e realmente foi o que ocorreu. O Recife Antigo é bem conhecido por seu ecletismo e pessoas de várias “tribos”, mas ao chegar aos arredores do Burburinho Bar notei a pouca movimentação do público e olha que isso já era praticamente no horário marcado para ter início as apresentações. Muitas caras conhecidas, outras nem tanto, uma cerveja de leve, troca de ideias e até que os shows não demoraram a começar.
Às 21h10 uma banda que eu conhecia de nome, mas que ainda não tinha tido a oportunidade de ter visto ao vivo. Na verdade eu nem conhecia a sonoridade da banda, algo que ocorria muito nos primórdios do Underground, onde, por muitas vezes, conferíamos a sonoridade de uma banda pela primeira vez num show (tempos sem internet). Depois de uma intro, bem no estilo de abertura para shows de bandas brutais, a Final Creation manda “Bitch”, e o que emanava dos falantes era um Death Metal aterrador, com vocais bem peculiares, esses a cargo de Alex Grind. Não eram extremamente guturais, não eram límpidos, um pouco gritado... A parte instrumental jogava no público doses cavalares de brutalidade, ora com bases mais rápidas, como ouvido em “Night of Ritual”, ora com bases marcadas, como ouvido em “In The Valley of Death”, propícias para se bater cabeça. Eu até tentei me lembrar de alguma banda para traçar um paralelo, mas a verdade é que deixei isso para lá, tamanha era a busca da Final Creation por uma identidade própria, tamanha era a qualidade do quinteto (que mal cabia no palco). Como é bom “descobrir” bandas com essa qualidade.
Como sempre é contumaz em eventos de pequeno porte, que conta com apenas um palco e uma aparelhagem de som para todas as bandas, houve um intervalo para ajustes. Tempo suficiente para uma cerveja e algumas trocas de ideias com alguns dos presentes. O público, como já dito no início, foi pequeno e, talvez esperando isso, os shows foram realizados na parte térrea do Burburinho Bar. Mesmo assim aquele pequeno público mostrou gostar do que estava vendo, e isso é o mais importante.
Falei sobre a troca de cartas com bandas no início da resenha e o Imperfect Souls, de Minas Gerais, através de seu guitarrista/vocalista Lucas Dias me fez trocar diversas cartas e me fez sair do interior, viajar cerca de duas horas, para poder conferir sua banda e o conhecer pessoalmente. Coisas que o Underground proporcionam... Fazendo uma pequena tour pelo Nordeste, o Imperfect Souls estava em plena divulgação de seu álbum de estreia, “Necro Bestial” (lançado em 2016). Mostrando que bebem na fonte do velho Metal mineiro, deram início a sua apresentação com a instrumental “A Face do Mal”, logo seguida por “No Hope”. Como conheço a banda desde o início, notei que as músicas foram tocadas com uma velocidade maior, com mais agressividade. E não havia nada de mirabolante, “bonitinho”, eram músicas agressivas, diretas, sujas, como o estilo Black/Thrash Metal da banda pede. Porém percebi, também, que devido a tamanha velocidade e agressividade, a aparelhagem sonora não estava suportando bem, deixando alguns momentos “embolados”. Não foi nada que chegasse a atrapalhar, mas que poderia ter soado melhor. A banda intercalou seu repertório com músicas do álbum de estreia, músicas de suas Demos e até mesmo músicas novas. Algumas fugindo do Black/Thrash Metal e apresentando algo do Speed Metal e até mesmo algo de música regional, como ouvido em “Corpo Seco”. O final veio com dois covers: “Warriors of Death” do Sepultura e “Nightmare” do Sarcófago. Saliento que o Imperfect Souls tocou em duo, e acompanhando Lucas, o seu irmão Michel Marques na bateria.
Outro intervalo para novos ajustes, tanto de palco como de sonorização, mas como seria a última banda da noite, se esperava que os shows não terminasse tão tarde, o que facilitaria para quem fosse trabalhar no dia posterior (acredito que a grande maioria dos que estavam presentes).
Às 23h20 a Revenge to Betrayal dava início a sua apresentação. Na verdade, a banda deveria ser a segunda, mas como houve atraso de algum integrante, a ordem de apresentação teve que ser alterada. Eu já havia visto um show da banda na vizinha cidade de Timbaúba, gostando bastante do que tinha visto naquela oportunidade. Não foi diferente dessa vez, apesar de que a sonorização não ficou tão legal, muito grave, abafada e a bateria muito alta, por muitas vezes encobrindo os demais instrumentos. Mas com relação ao show, uma banda que sabe o que faz, com uma qualidade sonora acima da média, não se prendendo a um estilo, apenas. Bom exemplo disso começou logo na abertura com “Crush’ em All”, que traz uma miscelânea bem interessante entre o Death e o Thrash Metal e até mesmo algo mais Groove, porém por ser uma música, de certa forma, curta, é bem direta. A presença de palco da vocalista Júlia Claudino é bem marcante e ela é um show à parte, mostrando boa desenvoltura como ‘frontwoman’. Foi um ‘set’ rápido, mas que deu para perceber toda a qualidade musical de todos os músicos, que não ficam no lugar comum e acrescentam à sonoridade da Revenge to Betrayal bastante identidade, seja nas partes mais velozes ou até mesmo em nuances de Blues (!), como ouvido em “Pleasures of Blood and Soul”. Entre as músicas, a banda soltou covers para “The Law of Scourge” do Sarcófago e “Rainning Blood” do Slayer. Se a sonorização tivesse melhor, todos poderiam ter saído com uma ideia melhor do que é o som dessa grata revelação pernambucana.
Acredito que era por volta da meia-noite quando os shows terminaram. Uma pequena troca de ideias com o pessoal, despedidas, e era hora de pegar a estrada para a pequena cidade de Macaparana. E, apesar de meio cambaleante, o Underground ainda resiste.