A caminhada do Anarkhon no meio Underground é marcada por polêmica e tragédia. A polêmica por causa de suas capas repugnantes e doentias, como é o caso da capa da Demo “Pedofilia”, que até hoje gera comentários negativos, e a tragédia por causa da morte do fundador da banda, Péricles Félix, que faleceu em 2006, em decorrência de um acidente automobilístico. Mesmo com todos esses contratempos, a banda continua sua saga na cena extrema, inclusive tendo seus discos sendo lançados fora do país. E por falar em lançamentos fora do país, o novo álbum, “Into the Autopsy”, foi lançado pelo selo Force of Satan, de propriedade de Infernus (Gorgoroth), curiosamente apenas na forma digital. Saibamos mais nas palavras do baixista Michel Yuzna.
Recife Metal Law – Vou começar com uma pergunta que talvez seja clichê, mas como nunca li uma entrevista que a respondesse... O que significa Anarkhon? Michel Yuzna – Primeiramente olá! Anarkhon é uma palavra que conota o significado de tudo o que vemos e acreditamos no que o mundo está se tornando, em outras palavras “o caos total!”. Seria um mundo onde não há leis ou valores a serem seguidos, onde todo tipo de atrocidade aconteceria incessantemente, crimes em geral, e aberrações seriam normais, isso é o que retrata a palavra Anarkhon. Obviamente isso não se transporta para a vida real, mas não seria surpresa se tudo isso acontecer nos dias de hoje... O mundo anda muito caótico; damos vida a essa realidade de uma maneira diferente através das letras sem fugir da realidade, por isso o nome Anarkhon combina totalmente com nossa visão de como o mundo é e será daqui pra frente.
Recife Metal Law – A banda surgiu em 1999 e começou a compor suas músicas em nossa língua pátria. Essa escolha foi proposital ou por que vocês não tinham um grande domínio da língua inglesa?
Michel – A princípio quando a banda foi formada o Péricles (vocalista) achou por bem compor em português, até por que eles não tinham conhecimento de inglês; acabou soando original e de certa forma facilitava e acabou sendo nossa marca registrada. Porém é muito mais complicado encaixar uma letra em português com uma melodia do que em inglês, mas para uma banda querendo alçar vôos mais altos o fato de se compor em português, infelizmente, atrapalha, e muito, no mercado internacional, pois a nossa língua não tem o devido reconhecimento que deveria ter. Por isso começamos a compor em inglês, mas pra não perder nossa essência decidimos manter ao menos uma composição em português, afinal somos conhecidos por nossas letras em português e gostamos de compor dessa forma, assim se torna acessível pra todos compreenderem um pouco do que se passa na nossa mente doentia. (risos)
Recife Metal Law – Em 2004 vocês lançaram a polêmica Demo “Pedofilia”, que trazia uma capa bastante agressiva, a qual chegou a ser criticada por alguns veículos da mídia especializada. Como vocês receberam essas críticas e até que ponto ela fez vocês pensarem nas capas que a banda faria para os próximos trabalhos?
Michel – Sim essa capa foi uma ideia que na verdade acabou fugindo um pouco do significado real dela. Na verdade ela retrata o interior da mente de um pedófilo, mas todo mundo achava aquilo violência gratuita, ou apologia a pedofilia, mas de fato não era, pois nenhum de nós apóia essa prática, muito pelo contrário, repudiamos os praticantes dessa monstruosidade. Mas a capa, indiretamente, trouxe muita publicidade pra banda (negativamente), nos levando a pensar melhor em quais temas abordar como capa. Em minha opinião, essa é a capa mais brutal e mais grotesca que já vi na minha vida; é impossível não olhar a capa e sentir repulsa, mas de qualquer forma não posso negar o fato de ela existir e fazer parte de nossa história e também ter nos ajudado a pensar melhor em temas para as capas.
Recife Metal Law – Como é de conhecimento de todos, o vocalista/fundador do Anarkhon, Péricles “Hooper” Félix, sofreu um acidente fatal em 2006. Em algum momento vocês pensaram em encerrar as atividades da banda?
Michel – Em momento algum, pois sabíamos que a banda era algo muito importante pra ele e que nossos objetivos sempre foram os mesmos e que de maneira nenhuma ele gostaria que interrompêssemos o trabalho de muitos anos ao qual ele deu início e se dedicou até o dia de sua morte. Embora tenha sido uma tragédia realmente difícil de lidar, continuamos por nós mesmos e por ele. O ideal continua o mesmo e continuará até quando não restar mais forças, pois o legado dele no Anarkhon é muito maior, e não pode acabar facilmente.
Recife Metal Law – E como foi à divulgação do primeiro álbum da banda, “Obesidade Mórbida”? Vocês conseguiram alcançar a meta que foi traçada para esse lançamento?
Michel – Foi uma divulgação positiva. Saíram resenhas do álbum em vários veículos especializados, e grande parte das resenhas era muito positivas. Ficamos mais conhecidos por conta desse trabalho; foi um passo dado na nossa carreira, apesar de toda a tragédia que ronda esse álbum, já que o mesmo foi lançado após a morte do Péricles. Acredito que o trabalho dele nesse álbum vai se tornar um grande acervo no futuro, pois é o único registro oficial do Péricles, além das grandes composições que estão no mesmo. Espero que se torne mais um clássico do Metal nacional.
Recife Metal Law – Após esse lançamento e o ocorrido com o Péricles, vocês começaram a compor em inglês. Essa mudança na forma de escrever as músicas do Anarkhon já era pensada, mesmo com o Péricles ainda na banda?
Michel – Sim! Como já havia mencionado, nossa intenção não é ficarmos apenas conhecidos no Brasil, queremos levar o nome do Anarkhon aos quatro cantos do mundo, e com a língua portuguesa, infelizmente, não será possível. Aí pensamos: “se não queremos nos limitar apenas ao Brasil temos que compor em inglês, porque o mercado internacional é rígido com relação a isso. Ou se adapta aos padrões internacionais ou fica no Brasil dependendo de formas paralelas a música pra sobreviver, já que infelizmente não se vive de Metal, a não ser que você seja uma banda cover”. Por isso resolvemos compor em inglês ainda quando o Péricles era vivo.
Recife Metal Law – Ano passado vocês lançaram o single “Convent Possession”, que mostrou uma faceta ainda mais brutal da banda, porém com forte influência do Cannibal Corpse. Existe a preocupação de não soar parecido com os americanos?
Michel – De maneira nenhuma, pois eles nos influenciaram diretamente. Digo com segurança que não são os únicos a nos influenciar, e é impossível ver bandas que não pareçam com outras bandas, pois quando se é fã de Metal você acaba por seguir os passos de seus ídolos. Digo isso por mim mesmo, que tenho como ídolos baixistas como Cliff Burton, Gezzer Butler e o próprio Alex Webster, e muitos outros fora do Metal extremo ou do Metal. Mas nem por isso tento ser eles. Na verdade tento pegar o que há de melhor em seus trabalhos pra me inspirar a ser tão bom quanto eles. É mais ou menos assim que funciona. Porém soar igual é diferente de ser uma cópia. Muita gente nos compara com eles (o que não é ofensa), mas eles são o Cannibal Corpse e nós somos o Anarkhon. Eles são americanos e nós brasileiros. Quando se escuta nossos álbuns e escuta os deles, nota-se que os temos como influência, porém jamais vai se confundir ao escutar um álbum do Anarkhon e um do Cannibal Corpse, pois eles têm a identidade deles, e nós temos a nossa. Temos um diferencial que nos distingue deles, e digo que não somos uma cópia, mas sim uma banda que bebe da mesma fonte deles e de muitas bandas do Death Metal americano dos primórdios. Cada um da banda tem influências que vão do Heavy Metal ao mais brutal dos Death Metal. Por isso digo que soamos como Anarkhon, mas com influência de várias outras bandas, além do Cannibal Corpse.
Recife Metal Law – Achei que esse trabalho veio com uma gravação excelente. Como foi trabalhar em estúdio com o Pedro Esteves (Liar Symphony)? Ele chegou a dar alguma dica como alguma música deveria soar?
Michel – Trabalhar com o Pedro, mais uma vez, foi muito bom, pois ele é um cara que tem um conhecimento amplo do assunto; sabe o que fazer e como fazer pra soar bem um disco. Ele é um excelente produtor e músico também, e isso ajudou muito na hora de produzir e gravar o disco, pois ele conhece os dois lados da moeda; sabe como é gravar um disco estando no nosso lugar, e sabe onde fica boa determinada coisa e onde não fica; ele sabe dar uma diretriz ao processo sem se desviar do objetivo principal. Em outras palavras: foi ótimo trabalhar com ele mais uma vez.
Recife Metal Law – Esse single traz uma música gravada ao vivo, “Pieces of Flesh and Blood”, retirada de um show que a banda fez na Argentina. Por que justamente essa música foi à escolhida para figurar no single e ainda mais do show na Argentina?
Michel – Essa ideia surgiu meio que ao acaso... Gravaram um show em áudio na Argentina e nos mandaram, escutamos essa música e pensamos: “essa música ficou foda ao vivo!”. Então calhou com a ideia de lançar o single, e acabamos por escolher colocar uma faixa ao vivo. Como essa música ficou melhor em termos de sonoridade e pelo fato de ser uma música forte e impactante, achamos por bem colocar ela no single. Também pela resposta positiva que ela causou no público ali presente, sendo possível notar no áudio, por isso resolvemos colocar ela no single pelo poder de impacto que ela tem ao vivo.
Recife Metal Law – O single também saiu em formato em Split, dividido com o Vomepotro. Isso leva a acreditar que o material foi amplamente divulgado...
Michel – Definitivamente, já que o Vomepotro é uma grande banda que vem conquistando mais e mais a cada dia. Não é de se espantar que esse Split tenha uma repercussão considerável. O selo Rotten Foetus tem distribuição ampla, portanto acredito que a divulgação desse material está sendo satisfatória, já que muitas pessoas nos falam que já adquiriram o CD, o que é muito bom, para ambas as bandas.
Recife Metal Law – Também no ano passado o Anarkhon lançou seu segundo álbum, “Into the Autopsy”, pelo selo Forces of Satan, de propriedade de Infernus do Gorgoroth. Como surgiu a oportunidade de ter o álbum lançado por esse selo? Como vem sendo a divulgação em terras ‘gringas’?
Michel – A oportunidade surgiu depois de termos contactado a gravadora, apresentado o material e ter havido interesse da parte da gravadora. Porém com essa era digital as vendagens de CDs despencaram, por isso eles lançaram em formato digital, disponível no site deles. Ali você pode ouvir trechos das músicas para avaliar e baixar por certa quantia em Euros. Não temos informação sobre a divulgação, mas ao que tudo indica está sendo bem divulgado, pois as visitas no Myspace cresceram desde o acordo com a Forces of Satan, e a meu ver tende a crescer mais ainda.
Recife Metal Law – Iria falar justamente sobre a forma do lançamento, já que o novo álbum não foi lançado de forma física. Apesar dos avanços tecnológicos, muitos ainda curtem ter o material físico em mãos. Existe a chance de “Into the Autopsy” vir a ser lançado de forma física, e até mesmo aqui no Brasil?
Michel – Com certeza! Nós já assinamos com a Sevared Records, selo americano que vai lançar o “Into the Autopsy” nos Estados Unidos e distribuído na Europa em CD, o que, na minha opinião, é ótimo, pois eu sou um dos caras que prefere mil vezes um material físico com encarte, arte gráfica, letras e o ‘disquinho’. A qualidade é muito melhor em todos os sentidos, sem contar também que é muito mais legal você ter o material ali na sua casa. Enquanto o MP3 não dura anos e anos, o CD bem conservado pode durar a vida inteira! Ainda tenho CDs aqui com mais de 15 anos e ainda funcionam perfeitamente, coisa que não se consegue com o arquivo de MP3. Não dá pra negar que a quantidade de músicas é muito maior em MP3, mas eu não fico preso a quantidade e sim a qualidade, e acho que muitas pessoas pensam como eu. Com relação a lançamentos no Brasil, não posso precisar quando, pois ainda não temos nada concreto, porém se algo vir a se concretizar todos vocês saberão.
Recife Metal Law – Já que o novo álbum foi lançado fora do país, existe a possibilidade de uma turnê pela Europa ainda em 2010?
Michel – Infelizmente não há essa possibilidade sem apoio algum. Sabemos que bandas Underground, como nós, têm que fazer tudo sozinhas, ou seja, teríamos que comprar as passagens, juntar dinheiro pra se manter lá fora, esse tipo de coisa... E como nós não nascemos em ‘berço de ouro’ fica praticamente impossível fazer algo assim ainda pra esse ano, pois temos contas a pagar aqui no Brasil e trabalhamos em empregos dos quais nos impossibilitam de pegar nossas coisas, entrar num avião, ir pra outro continente e passar mais de 20 dias (no mínimo) em turnê. Pra isso teríamos que largar os empregos, mas como temos família não podemos fazer tal coisa. Se fosse rolar, teria que ser muito bem planejado, pois o custo de algo nessa magnitude é extremamente alto e fora dos padrões pra pessoas como nós, que trabalham demais pra ganhar muito pouco. Então creio que seja algo realmente fora de questão nesse ano.
Recife Metal Law – Agradeço pelo tempo cedido. Espaço para considerações finais...
Michel – Com toda certeza eu gostaria de agradecer em nome de todos do Anarkhon o apoio e consideração ao qual vocês mostram pra nós e tantas outras bandas do cenário Underground brasileiro. São por pessoas como vocês que nós nos motivamos a continuar fazendo o que mais gostamos, e é por vocês que continuaremos a dar o máximo e o melhor de nós em cada trabalho! Continuem apoiando o Metal nacional porque, infelizmente, falar que apoio é fácil, difícil é agir de acordo com o que dizem, e vocês com certeza agem! Muito obrigado aos bangers de Pernambuco! Esperamos encontrá-los algum dia! Valeu!