Em 2009, surge uma ‘nova’ banda na cidade de Recife: o Cangaço. A proposta é calcada em uma fusão entre dois estilos distintos: o Heavy Metal e a música regional nordestina. O que não seria uma novidade, fosse o fato que esse tal ‘Folk Metal’ brasileiro tem um grande diferencial: as vertentes do Rock que o influenciam são, principalmente, o Thrash e o Death Metal, ou seja, o lado mais pesado e agressivo. Outra grande diferença deste som em relação aos materiais com tal influência lançados até hoje é a naturalidade com que o fizeram. Não é algo que soa como imposto ou forçado, muito pelo contrário. Além das passagens baseadas na música local, vemos toda essa influência entranhada nas bases pesadas que o Thrash e o Death Metal contribuem para esta identidade. Em 2010, a banda foi escalada para participar da seletiva local (PE) do “Wacken Metal Battle Brazil”, lutando por uma vaga na seletiva nacional. Não poderia ser diferente, os caras ganharam o passaporte para São Paulo e, lá, venceram as semifinais, chegaram às finais e garantiram a primeira passagem pernambucana para o Wacken Open Air (Wacken, Alemanha). É sobre esta enorme oportunidade de mostrar a cara do ‘Folk Metal brasileiro’, sobre projetos atuais e futuros e à respeito da viagem à São Paulo, pelas seletivas do W:O:A e a futura ida a Alemanha que vamos falar com esse trio. Recife Metal Law – Salve, galera! Primeiramente, em nome de toda a equipe do Recife Metal Law: nossas sinceras e merecidas congratulações ao trio! Magno, gostaria que você iniciasse essa conversa falando um pouco sobre toda a estrada que a banda percorreu até hoje. Como ela surgiu, como foi a ideia de mudar de proposta e de nome recentemente e como está sendo conviver com esse sentimento de ter acertado em cheio na mudança.
Magno Lima – Começamos a ideia de uma banda antes de sequer termos instrumentos musicais, ainda na pré-adolescência. Eu e Rafael nos encontramos na vida ainda crianças e desde então, junto com o aprendizado mútuo, fomos moldando o esqueleto do que era então o antigo Vectrus. Que continha muitas influências do Heavy Metal tradicional europeu e algumas pitadas do Thrash americano. Foi inevitável num momento a busca por uma identidade própria e mais ainda, uma identidade para a cena de onde surgiu, no nordeste do Brasil. Fazer algo ousado e diferente virou uma necessidade. Nessa mesma época o antigo baterista Laércio Silva deu o lugar ao grande amigo Arthur Lira. Pensamos em algum nome e proposta que refletissem a realidade do Metal no ambiente que vivemos e não demorou até a temática do Cangaço surgir em nossas mentes. A ideia de códigos de conduta, respeito mútuo e não tolerância a poderes que tem a mentira em sua essência nos inspirou bastante.
Recife Metal Law – A banda segue alguma temática lírica? Qual seria esta?
Magno – As letras seguem uma temática parecida. Todos os sentimentos envolvidos tem base nos escritos de pensadores famosos e que nos influenciam até hoje, varando o tempo. Eliphas Levi, Dion Fortune, Nietzsche dentre muitos outros transcendem a barreira dos espaços e traduzem muitos dilemas que pessoas de todas as idades vivem hoje. Apenas buscamos expressar o que sentimos nos inspirando nesses exemplos.
Recife Metal Law – Algumas bandas costumam seguir algum tipo de ‘ritual’, ao pensar em produzir algo novo. Com vocês funciona parecido, ou o processo flui naturalmente em estúdio? Conte-nos um pouco sobre essa fase tão importante que é o processo de criação de um álbum.
Magno – O fluir naturalmente já é um tipo de ritual, só que executado de forma constante. Essa forma ainda é a mais produtiva para nós. Não compomos nada em estúdio; compomos as linhas em casa e passamos a música já feita para os outros integrantes, no estúdio apenas tiramos algumas dúvidas e avaliamos o surgimento de novas ideias que podem ou não serem incorporadas a ideia original, afinal a hora de ensaio é bastante cara.
Recife Metal Law – Quando e como foi o processo de gravação da primeira Demo da banda, auto-intitulada “Cangaço”?
Magno – Realizou-se toda no ‘home studio’ do guitarrista Rafael, de forma bastante amadora e às cegas. Buscávamos aprender mais do que gravar uma Demo propriamente dita; não esperávamos a divulgação que teve, muito menos o retorno que nos deu.
Recife Metal Law – Quais são as músicas mais antigas - resgatadas da finada Vectrus - que vocês ainda executam atualmente? Tais músicas receberam novas roupagens desde a nova proposta?
Magno – Ensaiamos não tanto quanto as mais novas e, vez ou outra, gostamos de tocar ao vivo. Algumas músicas irão receber uma nova roupagem sim, mas, no presente, o foco é aproveitar o momento para a composição de material novo e a exploração de novas possibilidades dentro do Metal.
Recife Metal Law – E a recepção lá nas semifinais e, posteriormente, na final da seletiva do Wacken? Conte-nos um pouco da experiência, dos contatos - inclusive das outras participantes do evento - e da reação naquele domingo, que começou tão triste com o falecimento do nosso mestre Ronnie J. Dio, e que terminou com a orgulhosa notícia de que Pernambuco estaria representando o país este ano no W:O:A. Magno – A viagem à São Paulo foi uma verdadeira aventura! Conseguimos arranjar recursos buscando em todas as frentes possíveis, inclusive contamos com grande ajuda de vários amigos que fazem parte da cena como Alcides Burn, Ozzy Mignot, Guilherme Livingstone, Flávia Celestino e muitos outros. Confessamos que essa ajuda teve importância fundamental no nosso estado de espírito na ‘hora H’. Sem dúvida evoluímos bastante individual e coletivamente nessa viajem; a experiência de trocar ideias com bandas de Metal de todas as partes do Brasil, desde o Rio Grande do Sul até o Acre, foi sem preço. Soubemos da notícia do falecimento de Dio através do baixista e vocalista do Krisiun, Alex Camargo. Estávamos na “Virada Cultural”, super evento de 24 horas de atrações na cidade de São Paulo, no show do Krisiun às 5 horas da manhã, quando o show foi interrompido para o triste anúncio. Foi uma comoção geral e uma cena inesquecível, milhares de headbangers se lamentando e chorando com a notícia, ainda mais quando a banda tocou um trecho da música “Heaven and Hell” em homenagem ao saudoso ídolo. Na hora da final, o sentimento de homenagens foi um só entre as bandas. Todas em comunhão deram o seu melhor em cada apresentação; foi um dos melhores shows que vimos em toda a vida, sem dúvida. Na hora do tenebroso anúncio da banda escolhida, estávamos já certos que a banda do Acre, o Survive, iria levar, pois o show foi irretocável. Tivemos a grata surpresa de sermos escolhidos e ficamos muito honrados de tamanha responsabilidade, ainda mais com tão pouco tempo de banda. Agradecemos na hora a todos que nos ajudaram como puderam e às bandas presentes que foram muito gentis e nos desejaram toda a sorte e paz de espírito. Só temos a agradecer e trabalhar bastante para representar nosso país à altura das bandas que concorreram conosco: Krophus de Santa Catarina, o Warfx do Rio de Janeiro, Tierra Mystica do Rio Grande do Sul, Warbiff do Ceará e o Survive do Acre. Todas tinham plenas chances de conseguir ganhar lá na Alemanha.
Recife Metal Law – Como está a agenda da banda até a apresentação no Wacken Open Air, que se dará no início de agosto? Fiquei sabendo que vocês estão trabalhando em cima de um novo material de estúdio.
Magno – Antes do Wacken, tocaremos no FIG em Garanhuns. Mas estamos mais focados na gravação de um novo material para levarmos a viagem, contendo composições mais recentes e um maior amadurecimento na gravação. Ainda não temos recursos para a realização de um álbum, será também uma Demo, mas sentimos que precisamos de qualquer forma apresentar um melhor material do que o que temos atualmente.
Recife Metal Law – Agradecemos a atenção, Magno! Saiba que estamos aqui, como todos os pernambucanos, nordestinos e brasileiros, torcendo pra que semana que vem vocês levem a mundial! Deixo este espaço agora para você fazer as considerações finais.
Magno – Gostaríamos de agradecer a todos que nos apóiam como podem e aos que nos criticam. Parabenizar o Recife Metal Law e todas as mídias que divulgam e fortalecem a cena de Heavy Metal de Pernambuco. E, nunca é demais, manifestar nosso pedido de respeito mútuo entre as bandas das mais diversas influências ou crenças. Algumas barreiras que existem ainda hoje não acrescentam nada ao movimento, cada banda é única e terá o seu público especial.