São 23 anos de luta e perseverança, e isso não é nada fácil quando se trata de uma banda que caminha na árdua estrada do Heavy Metal. E quando essa manda é oriunda do Nordeste, as coisas ficam ainda mais difíceis. Indiferente a tudo isso, bem como as diversas mudanças em sua formação, a banda pernambucana de Thrash Metal Cruor continua viva e mais forte do que nunca, após o lançamento do bem recebido EP “Unburied”, o qual deu um belo empurrão na banda, inclusive proporcionando ao quarteto a abertura do show do Megadeth em Recife, ocorrido em abril desse ano. Atualmente o Cruor conta em sua formação com Jairo Neto (baixista e único remanescente da formação original), Wilfred Gadêlha (vocalista), Túlio Falcão (guitarrista) e Bruno “Bacalhau” Montenegro (baterista).
Recife Metal Law – O Cruor é uma das bandas pernambucana, e talvez de todo o Nordeste, com mais tempo em atividades. A banda surgiu em 1987, ou seja, num período de grandes conquistas para o Heavy Metal no Brasil. Mas como foi esse início para uma banda surgida no Nordeste brasileiro?
Jairo Neto – Era um período muito complicado, sem apoio da mídia, como temos hoje; tudo era difícil, instrumentos, estúdio para ensaio, shows... Era com muita garra e por amor ao Metal! Mesmo assim foi nessa época, com todas as adversidades, que conseguimos nosso lugar ao sol...
Recife Metal Law – Apesar dos shows que a banda fez na época, ela só veio a lançar um material oficial em 1995: o álbum “Insane Harmony”. Ao menos é isso o que informa a discografia oficial da banda. Além dos shows, o que a banda fez entre 1987 e 1995? Existe alguma Demo gravada nesse período?
Jairo – Antigamente era muito difícil e caro gravar uma Demo; era tudo na fita rolo, que era caríssima; não tínhamos o recurso do computador e o Adat só chegou aqui no meio dos anos 90. Sim, existe uma Demo intitulada “Seca”, gravada por Mário Jorge (em fita rolo), com Adelson na bateria, Carlos Aranha na guitarra e eu no baixo e vocal.
Recife Metal Law – Com o lançamento do ‘debut’ álbum, a banda pôde fazer uma pequena tour pelo Brasil, inclusive com datas no Sul e Sudeste do país. Quais foram os maiores obstáculos enfrentados pelo Cruor para fazer essa tour?
Jairo – Dinheiro para custear as passagens, comida e transporte, que foi tudo por nossa conta e, é lógico, com uma ajudinha de cinco quilos de maconha que a gente vendeu pra custear tudo. Faltando 15 dias pra tour, Kurt Hörher (produtor do disco) disse que não tinha dinheiro para as passagens e hospedagens. Aí apelamos para Jah!
Recife Metal Law – Da formação original, apenas tu, Jairo, permanece na banda. Apesar da constante troca de integrantes, a banda nunca parou suas atividades. Arranjar músicos para continuar com a banda parece não ser tão difícil, mas qual a razão de o Cruor não ter uma constância em sua formação?
Jairo – Vou te responder com outra pergunta: quantas bandas no Brasil mantém a formação original? E sim, arrumar músicos para o Cruor é muito difícil, pois as músicas são muito elaboradas e difíceis de executar. Vários músicos de Metal do Recife até tentaram, mas por motivo de tempo de dedicação e outros fatores infelizmente não se integraram à banda, tanto que depois da saída de Carlos Aranha a maioria dos guitarristas que tocaram no Cruor não eram do meio de Metal. Fica mais fácil você pegar um músico que leia partitura, pois você dá a parte pra ele e ele se vira; tem sido assim desde a entrada de João Paulo e se mantém com Túlio.
Recife Metal Law – Voltando a falar do álbum de estreia, de que forma esse material foi divulgado? Na época ele foi lançado no formato LP ou em CD mesmo?
Jairo – Kurt Hörher tinha um esquema de divulgação. Ele tinha um selo, Pocoloco Records, que tinha contatos em todo o Brasil e Europa. O disco tocou numa rádio na Inglaterra (num programa de Bruce Dickinson) e foi distribuído na Itália, Portugal, Alemanha, Suíça e Japão. Ainda vivíamos nos tempos do LP e o CD era importado (foi masterizado e prensado na Suíça e tivemos que importar o mesmo, aumentando os custos). Fomos à primeira banda a gravar em CD em Pernambuco e uma das primeiras no Brasil de forma independente.
Recife Metal Law – Esse álbum ainda se encontra disponível? Pergunto isso, por querer uma cópia do mesmo, mas, sinceramente, nunca vi o álbum em nenhum lugar...
Jairo – Do original importado, foram feitas duas mil cópias que se esgotaram rapidamente. Talvez você encontre um na Rainbow Records, na Vinil Alternativo ou na Abbey Road. Mas no E-Bay tinha um pela bagatela de U$ 30.
Recife Metal Law – Mesmo nunca tendo encerrado suas atividades, só após 15 anos a banda voltou a lançar um novo material, no caso o EP “Unburied”. Qual foi o sentimento (tanto para os novos músicos como para você) em lançar um novo material do Cruor depois de tanto tempo?
Jairo – Só gravamos depois desse tempo por questões financeiras mesmo e por instabilidade de formação e para mim, particularmente, é uma sensação de recomeço. Wilfred Gadêlha – Eu sempre fui fã do Cruor. Para mim é mais do que gratificante ter minha voz registrada em um trabalho da banda, ainda mais com a repercussão que temos tido com o material de “Unburied”. O fato de ter participado das composições e dos arranjos me deu mais satisfação e confiança. O entrosamento está em seu nível mais alto desde que eu entrei, no segundo semestre de 2008.
Recife Metal Law – Esse EP contém quatro músicas e uma “Intro”, onde a veia Thrash Metal da banda nos remete as raízes do estilo. Quais as influências que cada músico acrescentou a sonoridade do Cruor?
Jairo – Tentamos manter fiéis as características muito próprias do Cruor e é lógico que cada músico foi peça importantíssima em tudo, pois todos deram suas contribuições de forma ativa e expressiva, tanto que assinamos juntos todas as músicas. Wilfred – “Unburied” é um disco que tem uma sonoridade uniforme, que, em minha opinião, alia o que se espera do Cruor - Thrash Metal do bom e do melhor - com influências mais modernas, por assim dizer. Eu sou um aficionado do Thrash, seja da Bay Area, seja do europeu, seja do brasileiro. De minha parte, procurei escrever letras que ultrapassassem a barreira do lugar comum e produzir um vocal que seja inteligível mesmo dentro do que a gente considera extremo. Agressivo sim, mas com algo a dizer além do clichê.
Recife Metal Law – Falando em influências, a sonoridade desse trabalho, mesmo carregando uma característica própria, me remeteu a nomes como Chakal e Dorsal Atlântica, principalmente nas linhas vocais de Wilfred. Quais vocalistas exercem maior influências nas linhas vocais?
Jairo – Acho que só uma música (“Whitechapel”) lembra o vocal do Vladimir. Não sei porque insistem tanto que algo tem que parecer com alguma coisa. Quanto à sonoridade, somos uma banda dos anos 80. Soamos como tal e fazemos questão de manter essa característica, pois é o tipo de Thrash Metal que mais nos agrada e influencia. Wilfred – Cara, você falou em duas das minhas bandas preferidas. É bom lembrar que antes de 2008 eu não havia tido experiências em bandas de Metal mais extremas. Por assim dizer, eu fui lapidando o meu estilo aos poucos, dentro do que a sonoridade da banda exigia. Com o nível de violência, agressividade e velocidade das novas músicas, não dava para fazer linhas vocais limpas. Vladimir Korg é o meu vocalista e letrista brasileiro preferido. Admiro-o muito e gostaria de lembrar também o fuderoso The Mist, do qual Korg fez parte. Já Carlos “Vândalo” Lopes é um letrista de mão cheia. “Antes do Fim” e “Dividir e Conquistar” são clássicos do Metal ‘brazuca’. Além dos dois, aprecio muito - e acho que recebo influências deles - Peter Dolving (The Haunted), Tom Araya (Slayer), Phil Rind (Sacred Reich) e muitos outros.
Recife Metal Law – O EP, apesar do pouco tempo de lançamento, vem rendendo bons frutos, inclusive possibilitando que o Cruor fosse a banda de abertura do show do Megadeth em Recife, em abril passado. Qual a importância desse show para a carreira da banda e para a divulgação do EP?
Jairo – Foi o show mais importante de nossas vidas e estamos em tour pelo interior de Pernambuco divulgando o mesmo. Já temos mais de 6.000 plays no nosso myspace de fevereiro pra cá. Wilfred – Não dá para medir a importância disso. Para mim, como vocalista, foi simplesmente a maior plateia para qual eu já toquei. O melhor show de toda a minha carreira. Como músico pernambucano e como jornalista, faço questão de destacar que a nossa cena tem representantes que não fazem feio. Pelo contrário, ‘rezo’ para que mais produções internacionais abram espaço para o Metal de Pernambuco.
Recife Metal Law – Não tem como não destacar a performance furiosa de Wilfred nos shows do Cruor. O cara não pára um só segundo, e é justamente isso que os fãs do Thrash Metal querem ver num show de uma banda do estilo. Entre os vocalistas que já passaram pela banda, como seria analisada a importância de Wilfred para o Cruor?
Jairo – Sempre tivemos excelentes vocalistas ¬- Fernandinho, Jorge Picasso e Zé Mário. Todos deram sua contribuição e foram importantes para nós, mas Wilfred (que nunca tinha cantado antes) era justamente a peça que faltava e ele realmente surpreende os músicos da banda até hoje. Não é puxando a sardinha pro meu lado mas acho que é um dos melhores vocalistas de Recife, dentro do estilo que propomos. É um músico completo, toca baixo, bateria e também é compositor e arranjador, o que facilita nosso trabalho, além da presença de palco que impõe. Wilfred – Velho, eu não gosto de ver uma banda em que o vocalista fica ‘paradão’. Além disso, as músicas da gente pedem que eu me movimente. É quase que automático. Acho que é primordial ter aquilo que a gente chama de ‘performance de palco’. Sobre a minha importância para o Cruor, é meio complicado para eu opinar. Mas acredito que, como no velho jargão futebolístico, ‘eu vim para somar’.
Recife Metal Law – Um álbum, um EP, diversos shows em sua carreira... Creio que a banda já deve ter mais músicas prontas. Então, a partir desse pensamento, quando poderemos ouvir um segundo full lenght?
Jairo – Ano que vem! Wilfred – Estamos compondo, temos muito material na manga. Vocês não perdem por esperar!
Recife Metal Law – Vocês chegaram a gravar a música “Escape to the Void” para um tributo pernambucano ao Sepultura. Essa música vem sendo tocada ao vivo pela banda, mas existe uma previsão de quando o tributo será lançado?
Wilfred – Pelo que sei, o tributo deve sair em breve. Será lançado apenas ‘on line’. Mas a música foi gravada antes de eu entrar e achamos melhor não substituir os vocais, que foram feitos por Túlio e Jairo.
Recife Metal Law – Já se foram 23 anos desde o surgimento do Cruor, e isso é muito tempo, principalmente para uma banda que não tem apoio de um selo/gravadora. Com tanto tempo de luta, como os integrantes da banda vêem a importância da mesma para a cena Heavy Metal pernambucana, ou melhor, para a cena Heavy Metal nacional?
Jairo – Somos apenas mais uma banda que se mantém pelo amor ao Metal. Gostamos do que fazemos e isso é o que importa. Muitas bandas já assumiram na década de 90 que tinham influência do Cruor e isso nos regojiza, mas não somos mais importantes que elas e o que importa para nós é que continuamos fazendo o que gostamos. Todos os integrantes que passaram por nossas fileiras são como irmãos. O Cruor é uma grande família, pois se as formas passam, o pensamento permanece, o acidental muda, mas o essencial perdura.
Recife Metal Law – O espaço agora é de vocês... Wilfred – Falo isso com muita tranquilidade porque antes de entrar na banda, eu era fã. Lembro-me do dia em que ouvi a Demo com “Seca”, uma música que até hoje é atual e que é uma das minhas preferidas. Lembro que ouvi e chapei na hora. O Cruor é uma banda importantíssima para a cena pernambucana. Percorreu um caminho árduo, nunca entregou os pontos nem se deixou levar por tendências ou imposições de quem quer que seja. Estamos em um momento ótimo, em que fãs e crítica têm aprovado o nosso trabalho. Essa combinação de fatores veio em boa hora. Estamos prontos para invadir os quatro cantos do Brasil com o nosso ‘fuckin Thrash Metal’. E como diz a letra de Tortura: ‘deles, você não se livrou’.